OPINIÃO
Maria
vai com as outras
PEDRO SOUSA CARVALHO
11/03/2016 – PÚBLICO
"Vamo-nos
apercebendo bem dos privilégios — para não dizer da falta de
ética — de muita gente que vivia entre a política e os negócios
e os negócios e a política." A frase foi dita por Pedro Passos
Coelho, em Agosto de 2014, na Festa do Pontal do PSD. Na altura, o
então primeiro-ministro falava das ligações promíscuas do BES à
política e aos políticos. Não estava a falar de Maria Luís
Albuquerque, que agora vive entre a política e os negócios e os
negócios e a política. Como muitos, Maria Luís tem ambição e tem
contas para pagar.
Em 2013, quando
apresentou ao Tribunal Constitucional a sua declaração de
rendimentos, não declarou qualquer conta bancária acima dos 24 mil
euros, nenhuma carteira de títulos ou outra aplicação financeira.
Numa entrevista à SIC nessa altura, a então ministra das Finanças
também se queixava do impacto que a austeridade estava a ter no seu
orçamento: “Tenho rendimentos diminuídos e continuo a ter três
filhos pequenos. Neste momento tenho pouca margem para poupar."
E mais à frente: “Tenho uma casa, que estou a pagar. Tenho
despesas e menos receita, porque somos afectados como todos. Além do
mais, sou funcionária pública.”
Quando o salário de
ministra passou a salário de deputada, Maria Luís fez-se à vida e
resolveu aceitar o cargo de administradora não executiva na Arrow
Global, uma empresa que se dedica à gestão de activos financeiros e
onde irá ganhar 45 mil libras/ano. Salário que vai acumular com o
de deputada da Assembleia da República. Apesar de estar a fazer o
que muitos antes dela fizeram (nomeadamente muitos que agora a
criticam, como Manuela Ferreira Leite, do PSD, ou Carlos César, do
PS), Maria Luís não o deveria ter feito. É um daqueles casos em
que a Maria não devia ir com as outras.
O que Maria Luís
está a fazer é aquilo a que os anglo-saxónicos chamam "revolving
door" e os franceses “pantouflage”, ou seja, é quando um
político, um legislador ou um supervisor passa a trabalhar para uma
empresa ou uma indústria que antes tutelava, supervisionava ou sobre
a qual legislava. Há aqui um dilema de difícil resolução. Por um
lado, queremos ter os melhores a gerir a coisa pública e não apenas
os homens dos partidos, que vieram das jotas e que subiram nas
hierarquias dos aparelhos, e que depois são premiados com cargos
para os quais têm pouca ou nenhuma apetência. Alguns vão tutelar
ou legislar sobre empresas sem nunca ter posto um pé que seja numa
empresa. O reverso da medalha é que também não queremos que a
passagem pelo serviço público sirva apenas de trampolim para voos
mais altos na carreira, para abrir portas, para engrossar a lista de
contactos e de networking e que sirva para acumular informação,
muitas vezes sensível e com valor comercial, que depois será posta
ao serviço de uma empresa privada a troco de remunerações
chorudas.
É para tentar
alcançar um equilíbrio entre uma coisa e outra que muitos países
regulamentaram e legislaram sobre o tema e impuseram períodos de
cooling-off ou períodos de nojo, precisamente para minimizar o risco
de promiscuidade e de contaminação entre os negócios e a política.
No Canadá, por exemplo, o Conflict of Interest Act pode levar a que
um ministro seja multado ou perca o direito à sua pensão de reforma
se durante um período de cinco anos após o exercício das suas
funções públicas passar informação que não seja de acesso
público a uma empresa privada.
Em Portugal, o caso
da Arrow Global deveria servir para voltarmos a olhar para a lei das
incompatibilidades. Primeiro, o Estatuto dos Deputados já não
deveria permitir o regime de não exclusividade. Não faz sentido que
a deputada Maria Luís esteja de manhã a discutir e a decidir no
Parlamento sobre se um banco deve ou não ser nacionalizado ou alvo
de um processo de resolução e à tarde ir recomendar à Arrow
Global que compre ou venda activos tóxicos desse mesmo banco. E se
numa comissão de inquérito tiver acesso a informação
confidencial, vai olhar para quem lhe paga o salário de deputada e
lhe pede reserva ou para os patrões que lhe pagam o salário de
administradora e lhe pedem lucro?
Além de Maria Luís
Albuquerque, há mais 38 deputados que recebem um salário extra por
empregos que têm fora do Parlamento, sendo a maioria advogados que
de manhã estão na Assembleia a fazer leis e à tarde vão para os
seus escritórios de advogados privados aplicar essas mesmas leis.
O caso de Maria Luís
Albuquerque tem uma agravante. Além de acumular funções de
deputada e administradora, vai trabalhar numa empresa que tutelava há
três meses enquanto ministra das Finanças. Aqui entra (ou melhor,
deveria entrar) o Regime Jurídico de Incompatibilidades e
Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos
Públicos. Esta lei impõe a esses titulares um período de nojo de
três anos depois de cessarem as funções públicas, em que ficam
impedidos de trabalhar numa empresa privada que tutelaram
directamente no passado. No entanto, esta proibição só é
aplicável a empresas que tenham sido alvo de processos de
privatização ou que tenham recebido incentivos ou benefícios
fiscais. Esta lógica era válida na década de 1990, quando se fez a
lei, já que nessa altura ainda havia empresas para privatizar e
estavam na moda os projectos PIN, que engordavam à custa dos
benefícios fiscais. Hoje faz sentido apertar essa malha porque os
canais de promiscuidade entre política e os negócios e os negócios
e a política evoluíram para caminhos mais sofisticados. E a ética
não pode ser uma Maria vai com as outras.
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