Até
os adversários de Lula acham exagerada a prisão preventiva
Num
país dividido entre os anti-PT e os pró-PT, as críticas ao pedido
de detenção do ex-Presidente são generalizadas. “Parece uma
coisa despropositada. Os argumentos são muito mais políticos do que
jurídicos”
Kathleen Gomes /
12-3-2016 / PÚBLICOI
É difícil avaliar
o que causou maior surpresa na quinta-feira à noite: o pedido de
prisão preventiva de um reverenciado ex-Presidente brasileiro ou o
facto de até os seus críticos mais contundentes questionarem a
medida, proposta pelo Ministério Público de São Paulo.
“O mero poder de
Lula como ex-Presidente” não deve ser “motivo para prendê-lo”,
escreve a revista Época
Juristas e
comentadores políticos consideram o pedido de prisão preventiva
para Luiz Inácio Lula da Silva excessivo ou frágil na sua
fundamentação. Mesmo o partido de oposição PSDB — cujo
candidato, Aécio Neves, disputou com Dilma Rousseff as últimas e
renhidas eleições presidenciais —, que tem defendido activamente
o
impeachment da
sucessora de Lula, declarou que “o pedido de prisão ainda na fase
de inquérito de um ex-Presidente da República parece uma medida
extrema”, nas palavras do seu líder no Senado, Cássio Cunha Lima.
“Vivemos um momento incomum na vida nacional. É preciso ter
prudência”, disse.
Colunistas que há
uma semana aplaudiram a acção policial que surpreendeu Lula na sua
própria casa às seis da manhã e o levou para ser interrogado sobre
possíveis ligações com a teia de corrupção que existiu na
companhia estatal Petrobras — que terá sido iniciada durante o seu
Governo — criticaram, desta vez, o pedido de prisão preventiva.
“Parece uma coisa despropositada. Os argumentos são muito mais
políticos do que jurídicos”, escreveu Merval Pereira, conhecido
colunista do jornal diário O Globo. Outra publicação do poderoso
grupo de comunicação Globo — que domina um espectro mediático
frequentemente parcial e sentencioso —, a revista semanal
Época, aponta, num
editorial, para a existência “de uma série de fragilidades no
pedido de prisão preventiva feito pelos promotores”.
A prisão
preventiva, como os próprios promotores do Ministério Público (MP)
de São Paulo referem no texto em que formalizam as suas acusações
contra Lula, é uma medida com um carácter excepcional, que só deve
ser aplicada “em situações de absoluta necessidade”. Segundo o
Código de Processo Penal brasileiro, a prisão preventiva é um
recurso legítimo para impedir o acusado de continuar a praticar
crimes; para evitar que ele atrapalhe o andamento do processo,
através da ameaça de testemunhas ou destruição de provas; em
casos em que o risco de fuga do acusado é elevado.
Os promotores Cassio
Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique Araújo, que acusam
Lula dos crimes de lavagem de dinheiro e de falsificação
patrimonial relativos a um apartamento de luxo numa praia do litoral
paulista, baseiam o seu pedido de prisão preventiva nas reacções
que o ex-Presidente teve publicamente há uma semana, no dia 4, logo
depois de ter sido interrogado durante três horas no âmbito da
operação Lava
Jato, que investiga
a corrupção na Petrobras. Exaltado e combativo, Lula fez uma
declaração para as televisões criticando severamente o poder
judicial e os responsáveis da Lava-Jato, dizendo-se alvo de
perseguição política. Para os promotores, Lula procurou “inflamar
a população a voltar-se contra as investigações” de que é alvo
e mobilizar a sua “rede violenta” de “apoiantes extremistas”
que “promovem tumultos e confusões generalizadas, com agressões a
outras pessoas” — referência a confrontos de rua recentes entre
simpatizantes e opositores de Lula.
A revista Época
critica a argumentação, notando que “o mero poder de Lula como
ex-Presidente” não deve ser “motivo para prendê-lo”. “Fazer
discursos, por mais virulentos que sejam, não atrapalha o trabalho
de investigação a ponto de exigir uma medida tão grave quanto uma
prisão preventiva”, conclui o editorial.
O pedido de prisão
preventiva vai ser analisado por uma juíza de São Paulo, a quem
caberá aceitá-lo ou rejeitá-lo, em data indeterminada. Lula ainda
não se pronunciou publicamente sobre o mesmo. O processo em causa
diz respeito a uma investigação estadual sobre crimes patrimoniais
e não está relacionado com a operação Lava-Jato, conduzida pelo
Ministério Público Federal. Mas duas investigações coincidem num
ponto: ambas tentam apurar as suspeitas de que Lula é o real
proprietário de um apartamento de luxo no Guarujá que lhe foi doado
pela construtora OAS.
O coro de críticas
contra o pedido de prisão preventiva aparenta ser unânime, pelo
menos até ao momento, o que fragiliza a posição dos promotores
perante a opinião pública, alimentando uma tese muito defendida por
defensores do PT, o partido de Lula: a de que as autoridades
judiciais brasileiras têm preferências político-partidárias e
estão a perseguir deliberadamente o PT.
Que as críticas ao
pedido de prisão preventiva sejam generalizadas também surpreende,
porque Lula, o PT e Dilma têm sido um divisor de águas muito
extremado. Não existe centro: ou se é a favor ou se é contra, não
obstante novos desenvolvimentos, mesmo os mais fracturantes, como ver
um ex-Presidente ser levado pela polícia ser interrogado. Nesse dia
pareceu por uns instantes que a acção policial poderia mudar o jogo
de forças e provocar o êxodo dos apoiantes de Lula. Mas na
realidade o que parece ter acontecido foi uma maior radicalização
das posições: quem é contra ficou mais contra, quem é a favor
ficou mais a favor, como escreveu o editor da redacção da Folha de
S. Paulo em
Brasília, Igor Gielow. Ninguém parece duvidar de que o ponto de
ebulição está perigosamente próximo e que a manifestação
nacional de amanhã, convocada desde Janeiro para protestar contra o
Governo de Dilma, corre o risco de gerar confrontos entre activistas
anti-PT e pró-PT.
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