COMENTÁRIO
Maria
Luís e o vírus laranja
ÁUREA SAMPAIO /
04/03/2016/ PÚBLICO
Acossada pela
polémica à volta da sua contratação por uma empresa britânica da
área financeira, que manteve estreitas ligações ao Banif ainda
durante o consulado de Maria Luís Albuquerque à frente da tutela
das Finanças, a ex-ministra remeteu a sua defesa ao estrito universo
da legalidade. Começou por afirmar que não há qualquer
“impedimento legal” ou “incompatibilidade” entre o novo cargo
na Arrow Global e as suas anteriores funções governativas e ontem
resolveu pedir a intervenção da subcomissão de Ética,
curiosamente uma das estruturas menos transparentes do Parlamento e
cuja actuação, que se saiba, se limita a avaliar as situações
quase exclusivamente no plano jurídico e muito pouco no terreno da
ética, como seria de esperar dada a sua designação. Aliás, o
facto de nem ser uma comissão e sim uma sub diz tudo sobre a
importância que o Parlamento atribui a estas questões, mais
parecendo que a sua existência se explica não tanto por
preocupações genuínas sobre o comportamento ético/político e
cívico dos deputados, mas antes para sossegar a opinião pública e
para ficar bem na fotografia dos índices de transparência
internacional.
Portanto, quando um
deputado em apuros quer escamotear responsabilidades políticas, este
exercício de prestidigitação invocando a subcomissão de Ética é
bastante vulgar. Faz-se uma pequena manobra de diversão desviando o
foco para outro lado e desloca-se o assunto para um plano que não é,
de todo, o mais conforme com o que está em causa. Ora o que está
aqui em causa não é do regime jurídico das incompatibilidades, que
no caso português tem uma malha tão cheia de buracos, alçapões e
saídas de emergência que é facílimo escapar a qualquer sanção.
O que está em cima da mesa é uma questão de ética política, cujo
alcance se mede apenas na resposta a uma simples pergunta: Maria Luís
Albuquerque, ex-titular das Finanças, devia aceitar o convite para
trabalhar numa empresa com negócios passados e futuros na área que
tutelou? A própria já deu a resposta ao aceitar o convite. Mas uma
outra ex-governante, na mesma pasta e do mesmo partido é taxativa:
“Qualquer bocadinho de bom senso levaria a que a ex-ministra não
aceitasse ir para uma empresa que teve ligações ao ministério das
Finanças. E ainda por cima ligações prejudiciais ao país”.
Palavras de Manuela Ferreira, na TVI24. E acrescenta: “Ela diz que
não beneficiou [a Arrow], mas quando se está nas Finanças nunca se
sabe exactamente com quem se está a falar”. Jorge Bacelar Gouveia,
outra importante figura do PSD coloca a questão numa outra dimensão,
ao referir os riscos de Maria Luís levar para a financeira britânica
“segredos de Estado”. O conhecido constitucionalista, que
presidiu ao Conselho de Fiscalização do SIS entre 2004-08, diz que
a ex-ministra se colocou numa situação “bastante grave” e
explica porquê: “A estrita incompatibilidade pode não se aplicar,
mas tendo terminado funções de ministra e deputada tem segredos de
Estado que são também económicos e financeiros (…). Esta empresa
que contratou Maria Luís Albuquerque não a contratou por ser
cidadã”, mas pelas funções que desempenhou.
Dois militantes do
PSD cujas posições deitam por terra a argumentação da direcção
partidária segundo a qual as críticas à decisão de Maria Luís
não passam de “aproveitamento político”. A provar que esta não
é uma questão do PSD contra o mundo e que o partido enquanto tal
não foi atacado por uma espécie de vírus laranja, capaz de
provocar a incapacidade colectiva para agir de acordo com as mais
elementares regras de bom senso. Quando se quer esconder o embaraço
lança-se uma tirada grandiloquente de indignação, que fica a
pairar no vazio sem eco, tal é o isolamento. Ou a direcção do PSD
ainda não deu conta do silêncio do CDS?
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