OPINIÃO
Adeus,
Paulo. Vai e não voltes
JOÃO MIGUEL TAVARES
15/03/2016 - PÚBLICO
Portas
fez muito pelo jornalismo português, mas muito pouco pela política
portuguesa.
Paulo Portas foi-se
embora e os recados que deixou no seu discurso de despedida provam
que não vale a pena termos demasiadas saudades dele. Sempre houve
dois Paulo Portas. De um lado, o Portas solar, jornalista e polemista
culto e brilhante, criador de frases de génio e uma cabeça dois
dedos acima da dos colegas. Do outro, o Portas sombrio e
impenetrável, dos Jaguares e das 61 mil fotocópias do ministério
da Defesa, do benemérito Jacinto Leite Capelo Rego e dos submarinos,
que há 25 anos circula pela política portuguesa com demasiadas
suspeitas em cima de si e do seu partido.
Na hora da
despedida, o Paulo Portas solar deixou palavras bonitas à sua
sucessora e aliviou-se de um par de lágrimas, enquanto o Paulo
Portas sombrio resolveu atirar-se a Carlos Costa e realçar a
importância das boas relações entre Angola e Portugal. Terei
algumas saudades do primeiro, mas fico muito feliz por o segundo
deixar a política activa. Não sou só eu: oito em cada dez almas
que escutaram a sua defesa assolapada de Angola ficaram convencidos
de que o futuro homem de negócios Paulo Portas é bem capaz de vir
em breve a frequentar os salões de Luanda e seus arredores – e
que, portanto, aquele foi menos um discurso sobre o seu passado do
que sobre o seu futuro.
Portas recordou que
há duas mil empresas portuguesas em Angola, que essas empresas
“merecem protecção”, e que há 10 mil empresas que exportam
para lá e que “não podemos esquecer”. Donde, “dentro do que a
Constituição dispõe e a lei impõe”, Portas aconselhou que se
evite “a tendência para a judicialização da relação entre
Portugal e Angola”, porque “esse seria um caminho sem retorno”.
Mas como raio é que
se impede a “judicialização” das relações entre Portugal e
Angola? Isso Portas não explicou. Será que não se pode investigar
possíveis crimes em Portugal que envolvam altas figuras do regime
angolano? Será que temos de olhar para Portugal como a máquina de
lavar favorita de Angola e agradecer a preferência? Tenho pena que o
futuro homem de negócios Paulo Portas não tenha elaborado com mais
profundidade acerca de tão brilhante conceito. Ele apelou a um
“compromisso”, porque afinal “entre Portugal e Angola há
afinidades electivas”, e eu fiquei com a ideia de que talvez seja
um compromisso e umas afinidades electivas semelhantes àquelas que o
procurador Orlando Figueira é acusado de ter praticado durante
alguns anos, com grande empenho.
E como se não
bastasse Angola, também o governador do Banco de Portugal apanhou
por tabela. Já aqui disse várias vezes, e repito, que Carlos Costa
terá certamente cometido muitos erros nos últimos anos. Mas quanto
mais vejo políticos à esquerda (António Costa) e à direita (Paulo
Portas) atacá-lo sem pudor, mais convencido fico de que o melhor
para o país é que ele permaneça firme no seu lugar. “O Banco de
Portugal continua a falhar”, diz o irrevogável Paulo Portas, esse
homem que raramente falhou, sobretudo enquanto responsável pelo
famoso guião para a reforma do Estado, um dos mais patéticos
documentos que o país já teve o desprazer de ler. Portas que não
brinque connosco. O país certamente precisaria da sua cabeça, só
que agarrado a ela vem aquele género de pragmatismo luso-angolano
que anda a enterrar o país há 40 anos. Portas fez muito pelo
jornalismo português, mas muito pouco pela política portuguesa.
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