Murros e pontapés nos comícios podem ser apenas um bónus para Donald Trump
ALEXANDRE MARTINS
12/03/2016 - 01:12 (actualizado às 16:10)/ PÚBLICO
Cenas
de pancadaria em Chicago entre apoiantes e manifestantes somam-se à
campanha da ala tradicional do Partido Republicano para travar a
nomeação do magnata. Mas o candidato tem sabido usar tudo a seu
favor.
O magnata do
imobiliário Donald Trump não é propriamente conhecido por repetir
chavões da política, mas há um em particular que nunca lhe sairá
com um pingo de autenticidade mesmo com uma elevada dose de
contorcionismo verbal: se Donald Trump chegar à Casa Branca, é
garantido que nunca será o Presidente de todos os americanos.
Depois de meses em
que propostas como a construção de um muro para travar a entrada de
"traficantes de droga e violadores" mexicanos e o fecho das
portas a todos os muçulmanos terem sido recebidas com entusiasmo
pelos seus apoiantes e por um misto de gargalhadas e de sobrancelhas
levantadas pelos seus opositores, o fenómeno Donald Trump passou a
ser visto com profundo receio tanto no Partido Democrata como numa
grande parte do Partido Republicano.
As manifestações à
entrada e no interior de cada comício de Donald Trump crescem de dia
para dia, e na noite de sexta-feira explodiram em cenas de pancadaria
num pavilhão da Universidade do Illinois, em Chicago. De um lado,
quase dez mil apoiantes do magnata e da sua promessa de "tornar
a América grande outra vez"; do outro, centenas de
manifestantes, na sua maioria negros e de ascendência
latino-americana, com cartazes com frases como "Não somos
violadores".
O saldo dos
confrontos no pavilhão, e lá fora, faz lembrar mais um jogo de
futebol entre equipas britânicas na década de 1980 do que o comício
de um candidato a Presidente da maior potência mundial: cinco
detidos, dois polícias feridos – um deles com cortes na cabeça
provocados por uma garrafa – e duas outras pessoas com ferimentos
ligeiros, que ainda assim foram transportadas para dois hospitais da
região.
A poucos minutos de
subir ao palco, e ainda antes de a confusão se ter generalizado,
Donald Trump mandou dizer que o comício na Universidade do Illinois
ia ser adiado. Já este sábado, foi noticiado que o líder na luta
pela nomeação no Partido Republicano cancelara o comício marcado
para domingo à tarde no Centro de Convenções Duke Energy, em
Cincinnati, no estado do Ohio, e também por razões de segurança –
um responsável pela campanha de Trump naquela cidade, Eric Deters,
disse ao site Cincinnati.com (do grupo USA Today) que os elementos
dos serviços secretos norte-americanos "não conseguiram fazer
o seu trabalho a tempo".
"Trump quer vir
cá, e a campanha continua à procura de um local para domingo ou
para segunda-feira", disse Eric Deters.
Mas, pouco depois, o
próprio candidato garantia que "o comício em Cincinnati
mantém-se", e acusou os jornalistas de terem publicado
"notícias falsas sobre o seu cancelamento". "Vai ser
maravilhoso – amo-te, Ohio!", escreveu Trump na sua conta no
Twitter.
"País está
muito dividido"
Depois das cenas de
pancadaria em Chicago, na noite de sexta-feira, Donald Trump passou
por vários canais televisivos, para responder a perguntas sobre a
forma como tem sido recebido em várias cidades um pouco por todo o
país nas últimas semanas, e para apresentar a sua versão sobre o
que aconteceu.
Igual a si mesmo, o
candidato que tem sido acusado por várias figuras do próprio
Partido Republicano de estar a dividir o país, disse que a violência
em Chicago é a prova de que o país está dividido.
"Penso que o
país está muito dividido, e está dividido há muito tempo. É
muito triste, está dividido em vários grupos diferentes. Há muitas
pessoas que estão transtornadas porque não viram um aumento do seu
salário nos últimos 12 anos. Estão a tirar-nos os nossos postos de
trabalho, estão a ser enviados para o México e para outros países.
As nossas fábricas estão a fechar, temos muitos problemas e a nossa
taxa de desemprego real não é de 5%, mas está provavelmente muito
próxima dos 25%", disse Trump ao canal CNN.
Confrontado com as
acusações de que é o seu discurso que tem provocado essa divisão,
o magnata não cede e mantém-se fiel à sua estratégia de campanha
– a culpa é do discurso politicamente correcto, que tem limitado a
liberdade de expressão no país, e a vítima disso é ele e são os
seus apoiantes, que não puderam expressar-se livremente no comício
em Chicago.
Com este argumento,
Donald Trump reforça ainda mais a sua imagem perante os apoiantes e
continua a beneficiar dos rios de tinta e de horas e horas nas
televisões nacionais, sendo provável que esta nova polémica lhe
abra ainda mais a porta para a nomeação num Partido Republicano
profundamente dividido.
Como o Partido
Republicano abriu a porta ao elefante que tem na sala
Numa breve
declaração publicada no Facebook, o candidato fez saber que decidiu
cancelar a acção de campanha na Universidade do Illinois "depois
de ter falado com as forças de segurança", e para garantir "a
segurança de todas as dezenas de milhares de pessoas que se juntaram
na arena e nas suas proximidades".
Mas o chefe da
polícia Kevin Booker, responsável pela segurança no pavilhão da
universidade, deu uma versão diferente: "A Universidade do
Illinois em Chicago trabalhou em conjunto com todas as agências para
acautelar quaisquer problemas associados a um evento desta natureza,
incluindo os Serviços Secretos, o Departamento da Polícia de
Chicago e a Polícia Estadual do Illinois. O abrupto anúncio de que
o evento iria ser cancelado criou desafios na gestão de uma saída
em segurança, o que, ainda assim, aconteceu sem ferimentos nem
detenções."
Numa prova da
divisão no Partido Republicano – e também numa tentativa de
recolher votos –, os outros candidatos condenaram as cenas de
violência em Chicago e apontaram o dedo a Donald Trump, embora Marco
Rubio tenha salientado que ninguém tem "o direito de pertubar
os seus comícios". O senador da Florida e o governador do Ohio,
John Kasich, criticaram a retórica do magnata, mas foi o senador do
Texas, Ted Cruz, quem proferiu as palavras mais duras, ao dizer que
Trump "encoraja a violência".
"Uma campanha
tem de ser responsabilizada quando cria um ambiente em que o
candidato incita os seus apoiantes a envolverem-se em violência
física", disse Ted Cruz, que é o único candidato com algumas
hipóteses de travar a nomeação de Donald Trump.
Apesar destas
manifestações e do tremendo esforço que a ala mais tradicional do
Partido Republicano está a fazer para travar a nomeação de Donald
Trump – com milhões de dólares gastos em anúncios contra o
candidato e com críticas violentas de figuras como o candidato do
partido em 2012, Mitt Romney –, a verdade é que o magnata tem o
caminho aberto para enfrentar o nome que o Partido Democrata escolher
para concorrer à Casa Branca.
Esta terça-feira,
as primárias no Partido Republicano abrem-se a estados em que o
candidato mais votado fica com todos os delegados, como a Florida e o
Ohio – se ganhar na Florida, como indicam as sondagens, Trump não
só ficará com mais 99 delegados, como afastará da corrida o
senador Marco Rubio, da Florida, que perderá quaisquer hipóteses de
prosseguir se nem sequer conseguir vencer no seu estado.
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