sábado, 9 de março de 2013

Plano de transportes que reformula porto de Lisboa não teve avaliação ambiental.


Plano de transportes que reformula porto de Lisboa não teve avaliação ambiental.

Por Ricardo Garcia in Público

Governo diz que avaliação não era necessária, mas Bruxelas tem em mãos uma queixa por infracção da legislação comunitária

A profunda reestruturação do porto de Lisboa que o Governo quer pôr em marcha com a abertura de concursos públicos já este ano não foi sujeita a uma avaliação ambiental estratégica prevista pela legislação europeia e nacional.

A reestruturação - que inclui a polémica construção de um terminal de contentores na Trafaria, na margem sul do Tejo - faz parte do Plano Estratégico de Transportes, aprovado pelo Governo em Novembro de 2011. Todos os planos e programas nesta e noutras áreas - como, por exemplo, florestas, energia ou resíduos - têm de ser sujeitos a uma avaliação ambiental estratégica, um procedimento prévio destinado a orientar decisões numa fase precoce de grandes decisões estruturantes.

Mas isto nunca foi feito. A Comissão Europeia tem em mãos, há mais de um ano, uma queixa da associação ambientalista Quercus sobre este assunto. Mas ainda não decidiu se abre ou não um processo de infracção a Portugal, embora esteja inclinada a arquivar o processo, devido ao conteúdo do plano e aos compromissos do país com a troika.

A directiva europeia em causa é de 2001 e foi transposta em Portugal em 2007. O seu objectivo é evitar que decisões centrais sobre determinados projectos - como a sua localização - já estejam condicionadas por planos ou programas aprovados anteriormente. Por isso, prevê um procedimento prévio a decisões estruturais, no qual os aspectos ambientais são levados em conta.

A lei exige a realização de um relatório ambiental e uma consulta pública. É um processo mais simples do que o da avaliação de impacte ambiental exigida posteriormente aos projectos em particular - como aos portos - em que deve haver um estudo bastante detalhado, a sua análise por uma comissão externa e uma decisão vinculativa do ministério que tutela o ambiente.

Dezenas de planos ou programas foram já sujeitos à avaliação ambiental estratégica em Portugal, desde 2007. Da lista, consta outro plano global de transportes, elaborado em 2009 pelo Governo anterior. Mas o actual plano, que é diferente do anterior, não seguiu a lei. Não houve nem relatório ambiental, nem consulta pública.

Logo em Dezembro de 2011, o Partido Ecologista Os Verdes exigiu que se fizesse a avaliação prevista na lei. E a Quercus apresentou, em Janeiro de 2012, uma queixa a Bruxelas. O principal argumento da Quercus é o de que o plano estratégico vai resultar num desinvestimento nos transportes públicos, com a redução dos comboios, autocarros e barcos

"Isto terá consequências ambientais muito grandes", afirma Mafalda Sousa, do Grupo Energia e Alterações Climáticas, da Quercus.

Embora não tenham sido abordadas na queixa, as opções para o porto de Lisboa são mais um dos pontos que fazem do Plano Estratégico de Transportes um instrumento passível de avaliação ambiental estratégica. Juntamente com outros projectos, é ali que está definida a construção do terminal de contentores na Trafaria. A ideia tem argumentos pró e contra o ambiente - desde o benefício de reduzir as dragagens no Tejo, até aos riscos de modificação da dinâmica do estuário. Para o bem ou para o mal, estes potenciais efeitos deveriam ser ponderados previamente.

O Governo considera, porém, que o plano "não reúne características que lhe exijam, nos termos da lei, avaliação ambiental estratégica", segundo uma nota do gabinete de imprensa do Ministério da Economia enviada ao PÚBLICO. "Não se trata de um plano de obras a realizar".

Além disso, o plano tinha de ser elaborado em três meses, segundo o Memorando de Entendimento para o apoio financeiro da troika a Portugal. "Na prática, seria impossível desenvolver o plano e ainda submetê-lo a avaliação ambiental estratégica", acrescenta a nota.

Bruxelas está a alinhar pela mesma interpretação, considerando que o plano é de natureza essencialmente financeira, destinado a reduzir custos e investimentos. Além disso, tinha sido a própria Comissão a dar um prazo curto para que o Governo apresentasse o plano.

Em Junho passado, os serviços jurídicos da Comissão informaram a Quercus de que iriam sugerir o arquivamento do processo. Até esta sexta-feira, segundo apurou o PÚBLICO em Bruxelas, não havia ainda uma decisão final.

A directiva europeia prevê excepções para "planos ou programas financeiros ou orçamentais". Mas, além do objectivo de sanear as contas dos transportes, o plano contém orientações e projectos concretos para os sectores marítimo, ferroviário e aéreo. No documento, segundo refere a sua introdução, "são estabelecidos os princípios orientadores" para actuação do Governo na área, com "um conjunto de reformas estruturais", constituindo "um caminho a seguir".

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