domingo, 3 de março de 2013

Eduardo Nery 1936-2013 O artista que deu cor a Lisboa.


Eduardo Nery 1936-2013 O artista que deu cor a Lisboa


Ficará como um dos criadores plásticos portugueses mais destacados no âmbito dos projectos de arte pública



Eduardo Nery 1936-2013 O artista que deu cor a Lisboa
Por Luísa Soares de Oliveira in Público
 Ficará como um dos criadores plásticos portugueses mais destacados no âmbito dos projectos de arte pública

Querem saber o que é o kitsch? O kitsch é tudo aquilo que não serve para nada." Eduardo Nery, que faleceu ontem em Lisboa, aos 76 anos, vítima de "causa súbita", segundo uma amiga da família, Mónica Oliveira, em declarações à Lusa, falava assim numa conferência na Gulbenkian na década de 80, ao mesmo tempo que mostrava um diapositivo com uma fachada inenarrável de um snack-bar próximo. A sala estava cheia, e a afirmação revelava, sem deixar sombra de dúvidas, aquele que tinha sido o credo modernista do seu autor: inovar sem cair na vulgaridade.
Eduardo Nery faleceu ontem, inesperadamente, e com ele partiu uma certa ideia daquilo que a arte deveria ser. Partiu também o autor de inúmeros painéis de azulejo que encheram de cor a cidade de Lisboa. Do Tejo ao extremo norte da cidade, é quase impossível para um transeunte não deparar com uma ou mais obras de arte assinadas por este artista, e que ora desconstroem a tradição azulejar, ora inovam, alegrando com escalas cromáticas o cinzentismo das estruturas rodoviárias de betão.
Nascido em 1936, formado em pintura pela Escola de Belas-Artes de Lisboa, foi um dos artistas mais activos da sua geração, a mesma que, na década de 60, conseguiu pela primeira vez estabelecer um paralelismo com a arte internacional sua contemporânea. Interessou-se pela Pop, praticando colagens e fotomontagens inesperadas, e logo a seguir pela arte Op de Vasarely, de que é considerado o único representante em Portugal. Este movimento, que incidiu sobre o trabalho da cor e os efeitos do movimento na percepção visual, adaptou-se com sucesso aos muitos trabalhos de Nery em arte pública, tanto através do painel de azulejos como dos pavimentos de calçada "à portuguesa", que também realizou - há um na vila de Redondo, por exemplo, datado de 1968. Um pouco antes, interessara-se também pela tapeçaria, tendo estudado em França com Jean Lurçat entre 1960 e 1961.
Mas é de facto nos projectos de arte pública ou na colaboração com arquitectos que Eduardo Nery revelou todas as suas potencialidades. Era, aliás, pai do arquitecto Miguel Nery, filho da sua primeira mulher, a artista Ana Vieira. Os primeiros projectos deste âmbito datam dos anos 70, época em que fez painéis para o edifício da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa, e para a agência do antigo Banco Nacional Ultramarino, em Torres Vedras.
Da década de 80 data um painel para o Museu da Água (Lisboa), que recebeu o Prémio Municipal de Azulejaria. A partir desta data, as encomendas afluíram. Do Centro de Saúde de Angra do Heroísmo, nos Açores, à abstracção dos painéis que ladeiam a Avenida Calouste Gulbenkian ou o Viaduto da Infante Santo, em Lisboa, a sua obra plástica tornou-se familiar ao quotidiano de muitos portugueses. Nela avulta o trabalho desenvolvido para a estação do metropolitano do Campo Grande, onde se apropriou da tradicional figura de convite do azulejo do século XVIII, desconstruindo-a em gradações de azul e amarelo que ocupam interiores e exteriores do edifício. Simultaneamente, no viaduto fronteiro, retomou o processo de colagem preferido nos seus começos de carreira para criar um jogo de figuras inusitadas que decoram os pilares em altura.
A propósito deste conjunto, a historiadora da arte Luísa Arruda destacou, na História da Arte Portuguesa dirigida por Paulo Pereira, o "impacto visual das figuras em escala real" e a "ironia e absurdo da presença, numa gare de metropolitano, de figuras palacianas do século XVIII, duzentos anos mais tarde."
Eduardo Nery, que se destacou também na gravura, na pintura mural e no vitral, realizou dezenas de exposições no país e no estrangeiro, da Alemanha ao Egipto, passando pelo Brasil e pelos EUA. Em 2012, recebeu das mãos do Presidente da República a comenda de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
Ficará decerto como um dos criadores plásticos portugueses mais destacados no âmbito dos projectos de arte pública.
O corpo é velado no domingo na Igreja de Santa Isabel, em Lisboa, de onde o funeral sai às 12h para o cemitério do Alto de São João.

Eduardo Nery 1936-2013

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