Parlamento
Deputados vão eleger um maçon para fiscalizar secretas
Por Nuno Sá Lourenço e Sofia Rodrigues in Público
Indicação de João Soares pelo PS para o órgão causa algum incómodo no Parlamento, mas ninguém põe em causa a sua eleição
O Parlamento vota hoje os dois nomes propostos pelos dois maiores partidos para o conselho de fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP). João Soares e Paulo Mota Pinto foram os escolhidos pelo PS e PSD para substituir o falecido Marques Júnior e Pedro Gomes Barbosa, que, no início deste ano, cumpriu os seus quatro anos de mandato. Mas o nome de João Soares está a gerar incómodo na Assembleia da República, pela sua ligação à maçonaria.
Teresa Leal Coelho, vice-presidente da bancada do PSD e do partido, garante que não escolheria propor um maçon para o conselho de fiscalização das secretas. "Jamais apresentaríamos um candidato que tivesse qualquer ligação maçónica, mas respeitamos a posição do PS", afirmou ao PÚBLICO a autora do relatório que, a 28 de Outubro de 2011, criticava duramente as ligações de titulares de cargos de chefia dos serviços secretos à maçonaria. Essas referências foram, no entanto, posteriormente retiradas do relatório aprovado pelo Parlamento.
A deputada afirma, no entanto, que o nome de João Soares é, em si mesmo, uma garantia de independência. "Dá-nos a garantia de isenção, independentemente das ligações à maçonaria", afirmou, acrescentando acreditar que o socialista tem "apreço pela consolidação do Estado de Direito e da democracia". E garante que o PSD estará atento ao trabalho do conselho de fiscalização, comprometendo-se com alterações à lei para melhorar a transparência. "As alterações legislativas que faremos vão reforçar os mecanismos de controlo dos serviços e as exigências de registo de interesses tanto dos serviços como dos membros do conselho de fiscalização", afirmou.
Mesmo no seio do grupo parlamentar socialista, há quem reconheça que o nome de Soares não é o ideal. O facto de ser maçon recupera a polémica espoletada pelo ex-dirigente do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), Jorge Silva Carvalho. Ainda que não seja de antecipar o voto contra devido ao currículo do ex-presidente da Câmara de Lisboa, um deputado do PS assume que "não se aprendeu nada" com o escândalo. E concorda que o facto de Soares fazer parte da maçonaria "é uma limitação". Outros parlamentares, embora não indo tão longe nas críticas, reconhecem que teria sido preferível optar por um nome que não tivesse ligações à organização secreta.
Na terça-feira, na audição conjunta dos dois candidatos à comissão parlamentar de assuntos constitucionais, Mota Pinto disse concordar com a existência de um registo de interesses para os membros dos serviços, apesar de serem "também iludíveis", mas apontou como "mais relevante" apostar "no recrutamento e no controlo contínuo", com uma "complementaridade entre o controlo interno e a fiscalização dos serviços". Ontem, contactado pelo PÚBLICO, escusou-se a acrescentar qualquer outro dado ao que dissera ou a comentar a indicação de um maçon para o cargo.
Sobre o registo de interesses, João Soares disse não ter nada contra, dando o seu exemplo pessoal - e provocando algumas gargalhadas entre os deputados presentes - ao especificar que pertence ao PS desde a fundação, à maçonaria desde 1974, ao Belenenses "desde o tempo do Matateu" ou ao Aeroclube de Portugal. Mas foi precisamente no ponto das relações entre a maçonaria e as secretas que o socialista entrou em disputa com Teresa Leal Coelho na audição. Soares considerou que os serviços têm "sido bastante eficazes" e funcionado sem "dificuldades de maior", apesar de "um ou outro pequeno escândalo". A social-democrata discordou, considerando que o caso Jorge Silva Carvalho foi "um incidente gravíssimo e perigoso para a democracia". "Não podemos deixar de tirar lições daquilo a que assistimos", afirmou a vice-presidente da bancada do PSD.
A polémica em relação às ligações entre os serviços secretos e a maçonaria rebentou depois do escândalo provocado pela actuação do ex-director do SIED e ex-quadro da Ongoing, Jorge Silva Carvalho. Um caso que começou com a notícia do Expresso que afirmava ter sido Silva Carvalho quem ordenara a investigação dos contactos telefónicos do antigo jornalista do PÚBLICO Nuno Simas para tentar apurar as suas fonte no interior das secretas.
A polémica resultou numa investigação parlamentar em relação à qual os partidos não foram capazes de acordar uma conclusão conjunta. O relatório do PSD, da responsabilidade de Teresa Leal Coelho, começou por referir a "influência de ramos da maçonaria" nas secretas, considerado "manifestamente lesivo para a credibilidade interna e externa dos serviços, para o respectivo bom funcionamento e para a consolidação do Estado de Direito democrático que incumbe a esta comissão e a este Parlamento salvaguardar". Mas essas críticas acabaram por ser retiradas da versão final do texto.
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