Casa
de Serralves vai ser a morada definitiva dos Mirós
LUÍS MIGUEL QUEIRÓS
30/09/2016 - 20:12 (actualizado às 22:47)
Confirma-se
que o destino da colecção Miró passa por Serralves, mas a surpresa
é que passa ainda mais do que se previa. As obras não integrarão o
Museu de Arte Contemporânea, mas ficarão na Casa onde agora estão
expostas, para a qual Siza já aceitou desenhar um projecto de
adaptação.
A especulação em
torno do sítio que iria acolher em permanência a colecção Miró
terminou esta sexta-feira ao final do dia, quando o presidente da
Câmara do Porto, Rui Moreira, anunciou que as obras do pintor
catalão vão ficar em permanência na Casa de Serralves - onde
pouco antes fora inaugurada a exposição Joan Miró: Materialidade e
Metamorfose - e que o arquitecto Álvaro Siza aceitara já o convite
para adequar às suas novas funções a bela casa cor-de-rosa de
arquitectura modernista.
“Foi um trabalho
de boas vontades e uma decisão ajuizada”, disse Moreira,
defendendo que “num tempo em que muita gente vive com sacrifícios,
os recursos devem ser geridos com parcimónia, e esta solução é
muito mais barata do que construir um novo museu”. Embora o modelo
institucional ainda tenha de ser trabalhado, reconheceu o autarca,
está já decidido que as obras ficarão formalmente à guarda da
autarquia, que a Casa de Serralves funcionará como um pólo do
município, mas não será um museu municipal, que a câmara custeará
as obras de adequação da Casa, e que as futuras receitas de
bilheteira reverterão integralmente para Serralves.
Mas o figurino final
desta parceria não poderá provavelmente ser traçado sem que
primeiro seja feita, explicou Rui Moreira ao PÚBLICO, “uma pequena
alteração legislativa no que respeita aos apoios dos municípios às
fundações”.
A solução não
deixa de surpreender, já que parecia haver sinais de que Serralves
não veria com bons olhos a hipótese de acolher a colecção, mas o
autarca diz que essas reservas diziam apenas respeito a uma eventual
integração dos Mirós no Museu de Arte Contemporânea. “Instalar
este pólo aqui na Casa de Serralves, faz todo o sentido”,
argumenta, até porque temos a sorte de a Casa ser, também ela, de
arquitectura modernista, e por isso os quadros ficam aqui tão bem”.
Moreira falou
informalmente com a imprensa já depois dos discursos da anfitriã da
cerimónia, Ana Pinho, presidente da administração de Serralves, e
de António Costa, Mariano Rajoy e Marcelo Rebelo de Sousa. Já o
presidente do Governo autónomo da Catalunha, que foi dos primeiros a
chegar a Serralves, acompanhado por Rui Moreira, passou razoavelmente
despercebido na cerimónia, mas acabou a fazer uma conferência de
imprensa paralela para os muitos jornalistas espanhóis presentes,
provavelmente mais interessados em o ouvir sobre o seu recente
anúncio de que convocará um referendo sobre a independência da
Catalunha em 2017 do que em saber o que pensa desta colecção de
Mirós.
Crítica: Na casa
dos sonhos de Miró
Se Moreira demorou
algum tempo a quebrar o tabu sobre o local onde ficaria a colecção
Miró, quando a solução, reconhece, já tinha sido tomada há algum
tempo com o conhecimento do Governo, foi porque não podia
antecipar-se a António Costa, que se deslocou ao Porto justamente
para anunciar formalmente que o Governo confiaria os Mirós à
cidade. E foi o primeiro-ministro quem arrancou as grandes salvas de
palmas da sessão, primeiro quando disse que, “nesta época em que
tantas vezes temos dúvidas sobre a hierarquia dos valores, a
história recente desta colecção ajuda a pô-los na sua adequada
hierarquia” e considerou “muito importante” a decisão de não
vender a colecção. E voltou a ser aplaudido quando confirmou que as
85 obras ficariam no Porto, como o seu ministro da Cultura, Luís
Filipe Castro Mendes, já anunciara. “Estas obras de Miró
valorizarão decerto o Porto, mas o Porto, uma cidade aberta ao
mundo, cosmopolita e viva, também valorizará esta colecção”,
disse.
Rajoy fez o discurso
expectável, focando-se na ligação, que estima ser hoje “mais
forte do que nunca”, entre os dois povos ibéricos, “uma
vizinhança tão rica e modelar, que é um poderoso exemplo para o
mundo”. A sessão terminou com Marcelo Rebelo de Sousa, que não
hesitou em “saudar a decisão do Governo, que soube compreender a
situação existente e acolher a solução que melhor se ajustava ao
interesse nacional”. O Presidente da República reiterou ainda a
amizade entre Portugal e Espanha e lembrou que receberia já em
Novembro, “aqui mesmo, na leal e mui nobre cidade do Porto”, o
monarca espanhol, Filipe VI.
Numa conferência de
imprensa dada ao final da manhã na Casa de Serralves, a poucas horas
da formalíssima inauguração de uma das mais mediáticas exposições
alguma vez inauguradas em Portugal, a directora artística do Museu
de Serralves, Suzanne Cotter, reconhecera a dimensão política desta
mostra e a sua importância simbólica a diversos níveis, da
“questão da herança artística” ao “papel da arte na
sociedade”, mas pedira que ela fosse também vista pelo que antes
de mais é: “uma exposição que nos convida a descobrir o trabalho
e o talento de Joan Miró”, que considerou um dos artistas mais
importantes do século XX”.
Com oradores e
jornalistas rodeados de dezenas de obras do pintor catalão, Cotter
elogiou o modo como Siza conseguira pôr a arquitectura da Casa a
dialogar com as obras de Miró. “Uma conversa muito feliz”,
resumiu a directora, com um entusiasmo que talvez devesse ter feito
suspeitar que aquela não iria ser uma conversa para acabar em breve.
Antes de guiar os
jornalistas numa visita pelas quase 80 peças que escolheu para esta
exposição, o seu comissário, Robert Lubar Messeri, um dos grandes
especialistas mundiais em Miró, explicou que já conhecia a colecção
do BPN, uma vez que fora convidado pela Christie’s para fazer uma
palestra sobre ela a preceder o programado leilão das obras em
Londres. “Lembro-me muito claramente de ter começado a ver as
obras e de ter pensado para mim próprio: ‘Mas porquê?!, por que é
que Portugal quer deixar escapar uma colecção como esta?’”. E
quando uns dias depois soube que o leilão fora cancelado, diz ter
ficado “encantado”.
Sem comentários:
Enviar um comentário