O
que divide BE e PCP ainda não os separa de Costa. Em 2017 será pior
LILIANA VALENTE
21/10/2016 - 22:52 (actualizado às 22:54)
Orçamento
aprovado não é orçamento fechado nem consenso alcançado. Bloco de
Esquerda e PCP mostram que há divergências face ao PS no Governo e
que o próximo ano terá ainda mais tensões.
Numa semana, o
Governo apresenta o Orçamento do Estado (OE) para 2017, depois de um
acordo com os parceiros. Na semana seguinte, PCP e sobretudo BE
mostram divergências em público, fazendo oposição a algumas
medidas que constam do documento que vão aprovar. Semana atípica na
coligação ou prova de que este OE foi só um treino para o ano
turbulento de 2017? Será um ano mais duro para o executivo PS de
António Costa?
Se este ano as
eleições autárquicas e Bruxelas já condicionaram as opções
políticas, para o ano a correlação de forças entre os três
partidos, com o pulso medido a cada sondagem, será ainda mais
difícil de equilibrar, acreditam da esquerda à direita. Acresce que
nesta equação estarão os resultados da economia. “Se este ano
houve um esforço orçamental grande, para o ano ou a economia cresce
ou será mais complicado. A competição entre os partidos é
enorme”, diz Marques Mendes ao PÚBLICO.
Os constrangimentos
europeus são a pedra de toque da argumentação lançada pela
própria líder do BE, Catarina Martins, que começou por defender
que este “não é um Orçamento de esquerda” e acrescentou, em
entrevista ao Jornal de Negócios, que “o PSD devia dar os parabéns
pelo OE. O Bloco de Esquerda é que duvida que este seja o melhor
caminho”. Na génese da mensagem está o Tratado Orçamental. A
frase de Catarina Martins foi aproveitada pelo socialista Francisco
Assis, que escreveu no PÚBLICO que “António Costa está mais
preocupado com Bruxelas do que com o BE o PCP”. Marques Mendes tem
uma visão semelhante: “Este Orçamento, em vez de os unir,
dividiu-os”, diz.
Já o colunista
Daniel Oliveira defende que apesar de todos os cintos apertados,
“este é um OE mais de esquerda que o anterior” e que é uma
questão que PCP e BE aceitaram desde início: “A esquerda apoiou
um governo muito mais limitado que os anteriores por causa de
Bruxelas. Não se encontra nenhuma divergência que não tenha a ver
com metas orçamentais”. Para futuro? “Haverá mais atritos,
sobretudo na Segurança Social”.
Novembro tenso
A verdade é que a
meta do défice de 1,6% do PIB para o próximo ano, esticada por
Mário Centeno, causou alguns problemas já neste OE e a margem
reclamada pelos parceiros de Governo para o debate que se iniciará
em Novembro na especialidade (ou seja, a discussão medida a medida
em comissão) é curta. Depois de uma semana a mostrarem as
divergências em público, o próximo mês continuará a ser de
negociações.
PCP e BE já
prometeram que não vão desistir das suas bandeiras principais:
Jerónimo de Sousa fez questão de dizer que vai voltar a propor o
aumento de todas as pensões já em 2017, o que significa que quer
também um aumento extraordinário até dez euros para as pensões
mínimas do primeiro escalão (quem tem 15 ou menos anos de
desconto), para as pensões sociais e rurais, actualizadas pelo
anterior Governo e que serão apenas actualizadas à taxa de
inflação. Outro assunto que poderá ser levado à especialidade
será a devolução integral do subsídio de Natal em Novembro,
acabando com a devolução de metade ao longo do ano, inscrita no OE.
Do lado do BE, há
duas propostas: mexidas na regras dos recibos verdes, que permite que
os descontos sejam feitos com os rendimentos dos meses imediatamente
anteriores; e mexidas nas deduções de educação. Aqui há um
senão. Foi o próprio primeiro-ministro que disse esta semana na TVI
que muito se especulou sobre uma medida “que não existe”.
Acresce que o Diário de Notícias escrevia ontem que foi António
Costa a travar esta mexida, por considerar que ninguém a entenderia.
Catarina Martins ouviu e admitiu ao Negócios que a solução técnica
é difícil, mas que não desiste dela.
Outra proposta do BE
que poderá causar tensão no debate na especialidade será
alterações aos salários dos administradores da CGD. Uma proposta
do PCP para os limitar a 90% do vencimento do Presidente da República
foi chumbada esta semana. Resta saber se o BE vai colocar a questão
na discussão do OE na especialidade, se numa lei à parte. Nesta
sexta-feira, depois de uma audição com Marcelo Rebelo de Sousa, a
líder do BE lembrou que há uma “bloco central preocupante” no
que toca aos assuntos do sistema financeiro.
Se não há quem
acredite que as divisões provoquem uma ruptura agora, também
ninguém acredita que 2017 será mais fácil para a relação entre
os partidos. E foi o próprio Governo a lançar achas para uma
fogueira futura, quando avisou que pretendia, no ano que vem,
introduzir a condição de recursos nas prestações sociais (neste
caso, na atribuição do complemento social das pensões mínimas).
Os partidos preferiram o silêncio oficial, mas a guerra é oficiosa.
Não concordam, não querem e não percebem o porquê de o debate ter
sido lançado agora, numa altura em que o Governo aumentou as
pensões.
Mas há também (e
sobretudo) a guerra política para a função pública. Se este ano a
bandeira dos dois partidos foi o aumento de pensões, no próximo ano
haverá dois temas chave: os aumentos reais de salários aos
funcionários públicos, incluindo o descongelamento das carreiras, e
as mexidas nos escalões do IRS.
“Acho que esta
será umas das bandeiras”, diz Daniel Oliveira, que estabelece uma
divisão: se o PCP tenderá a centrar as reivindicações nos
funcionários públicos, O BE, não deixando de o fazer com
insistência, tenderá a centrar o discurso nos trabalhadores
precários, nos recibos verdes. “Tem de conseguir mudar os regimes
e fazer disso uma prioridade”, vaticina Daniel Oliveira. Além do
que está agora a ser debatido, o BE quer ainda rever os descontos
durante os meses em que os trabalhadores não têm trabalho, para
evitar buracos na carreira contributiva.
No rol de políticas
que poderão causar tensão, conta-se ainda o aumento do salário
mínimo e as mexidas no IRS adiadas este ano por Costa. Seguindo a
política de “devolução de rendimentos”, os parceiros irão
insistir neste ponto, que é, no entanto, um dos mais pesados do
ponto de vista orçamental.
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