Arco
do Cego já não é palco de guerra entre moradores e estudantes. O
pior são "os outros"
MARGARIDA DAVID
CARDOSO 13/10/2016 – 16:34
Moradores
querem encontrar soluções em conjunto com os estudantes e a Câmara
de Lisboa. “Imaginar que [este tipo de conflito] pode ser eliminado
é uma ilusão”, considera o sociólogo João Sedas Nunes
Cerca de 30
estudantes do Instituto Superior Técnico (IST) participaram na manhã
desta quinta-feira numa acção de sensibilização e limpeza do
jardim do Arco do Cego, já conhecido como o “cervejómetro” de
Lisboa. A iniciativa “Um Jardim para Todos” partiu da Junta de
Freguesia de Avenidas Novas que convocou a Associação de Estudantes
do IST, sob o manifesto agrado da Associação de Moradores do Arco
do Cego também presente no jardim esta manhã.
A posição das três
partes envolvidas é unânime: não há qualquer guerra entre
moradores e estudantes do IST. Como nota o presidente da Junta,
Daniel Gonçalves, “estes jovens estão interessados em manter este
espaço limpo, porque, como os moradores, são os maiores afectados
pela degradação do espaço.” Degradação pelo lixo acumulado,
pelo ruído e pela sobrelotação do espaço. Rosa Ribeiro, da
associação de moradores, reforça: “Eles também sofrem como
sofrem os moradores. Espera que esta iniciativa permita que outros
utilizadores do espaço tomem consciência como isto pode ficar
sujo”.
É exactamente aos
“outros utilizadores” do jardim que querem chegar. “Como
qualquer espaço público, o jardim não é só frequentado por
estudantes do Técnico. Há outros estudantes, há trabalhadores, há
grupos de jovens que vêm para cá e não estão sensibilizados nem
preocupados com este espaço”, acredita Rosa Ribeiro.
A associação de
moradores foi criada em Junho deste ano, após “ saturação com a
situação do jardim, que já estava muito grave”, nas palavras de
Raquel Paisana, presidente da associação. “Mas desde então,
tendo havido um crescendo de barulho, de lixo, de insegurança”,
queixa-se. A moradora afirma que, “não raras vezes”, tem
dificuldade em entrar no prédio onde mora e “quase todas as
semanas” chama a polícia por causa do barulho.
Os estudantes vão
reunir na próxima semana com os moradores para que possam ser
encontradas “soluções conjuntas” para este problema. “Nós
fazemos parte da solução, não do problema”, reforçou Rodrigo do
Ó, presidente da Associação de Estudantes do IST. Os moradores
pretendem propor uma série de iniciativas de sensibilização que
tenham lugar no jardim, durante a tarde, e possam ser vistas por
todos os que frequentam o local.
Concertação com a
Câmara
Para quem vive com o
“cervejómetro” à porta de casa, os problemas vão para além do
lixo. Os moradores contestam a venda de álcool nos três
estabelecimentos próximos porque estes não têm esplanada e
“obrigam”, segundo os moradores, os clientes a consumir na rua.
Somam a isto o ruído, o cheiro a urina e a “transformação deste
jardim num ponto de venda de droga”, acrescenta Raquel Paisana.
“Há aqui uma
grande sensação de impunidade, sentimos que as pessoas vêm para cá
e podem fazer o que lhes apetece, até às horas que lhes apetece”,
frisa a representante dos moradores.
Para que seja
possível fazer uma “intervenção de fundo”, os moradores do
Arco do Cego pedem à Câmara de Lisboa que reúna com as Juntas de
Freguesia envolvidas – de Avenidas Novas e Areeiro – e com os
moradores. “Não queremos que não se gaste mais dinheiro no jardim
até que nos sentemos todos à mesa”, defende Rosa Ribeiro,
referindo-se ao gradeamento colocado sobre os muros do jardim, com o
qual os moradores não concordam, por verem “que aquilo só serve
para colocar copos, de bengaleiro e de assento”.
Segundo a associação
de moradores, a restrição do horário de funcionamento dos três
estabelecimentos próximos, que antecipou o fecho da meia-noite para
as 21h, não é suficiente. Um dos estabelecimentos em causa criou
uma petição para que a autarquia volte atrás na decisão de
reduzir o horário de funcionamento.
João Sedas Nunes,
sociólogo e investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa, considerou, numa conversa telefónica
com o PÚBLICO que, ainda que possa ser mantido “dentro de certos
limites”, imaginar que o conflito de interesses diferentes nas
cidades possa ser eliminado “é uma ilusão”. O sociólogo, numa
pequena entrevista, destaca que é um fenómeno social comum a
sobreposição no tempo de grupos com diferentes faixas etárias em
determinados espaços públicos — o que, muitas vezes, gera tensões
que só terminam quando um dos grupos se torna hegemónico
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