Costa
risonho garante que este é o OE que, em 20 anos, “menos alterações
fiscais faz”
MARIA JOÃO LOPES
20/10/2016 - 18:52 (actualizado às 23:19)
Numa
entrevista à TVI, o primeiro-ministro diz que, se houvesse margem
orçamental, sobretaxa já teria acabado em 2016. Revisão dos
escalões ainda não foi para a frente, mas é para cumprir durante a
legislatura.
António Costa até
parecia querer mais. “Não percam a oportunidade, podem não ter
outra”, disse bem-disposto aos jornalistas que o entrevistavam.
Dizia que respondia a todas as perguntas: “Já não é mau, ah?”.
Brincou com o facto de a entrevista estar dividida em dois momentos,
esperando que os espectadores não perdessem as “cenas do próximo
capítulo”. Foi um primeiro-ministro descontraído aquele que
apareceu na noite desta quinta-feira na entrevista de cerca de uma
hora que passou na TVI e TVI24.
Nela, e embora faça
críticas à forma como decorreu o debate público em torno do
Orçamento do Estado (OE) para 2017, António Costa mostra satisfação
com o trabalho feito: diz que este é o OE que menos alterações
fiscais faz, nos últimos 20 anos, e volta a repetir a promessa de
rever os escalões do IRS durante a legislatura. Mas há uma outra
data estabelecida: o socialista quer que, no final do ano, “todas
as situações” que têm penalizado o sistema bancário estejam
ultrapassadas.
As questões da
banca ocuparam a segunda parte da entrevista; primeiro foi o OE.
António Costa admite que a leitura deste pode ser plural, mas
garante que é de esquerda. Porquê? Porque há reposição de
rendimentos. “Há uma viragem clara relativamente aos últimos
quatro anos”, disse, sublinhando que, mesmo assim, vai conseguir-se
“pela primeira vez” ter “um défice abaixo dos 3%”.
Costa sorriu em
vários momentos, e confiante no documento que o Governo apresentou.
Fez o gesto de quem pega numa arma, e sempre sorridente, explicou a
razão que levou a executivo a optar por impostos como aquele –
sobre os cartuchos. E defendeu as opções do Governo: “Não é o
mesmo taxar refrigerantes ou aumentar o IVA para tudo.”
Sorriu quando falou
da relação entre o Governo e os partidos de esquerda que o apoiam:
“Por alguma razão não somos um só partido”, disse garantindo,
no entanto, que “não houve nenhum momento difícil”,
precisamente porque todos conhecem as diferenças que têm e
acordaram o que os pode unir.
Costa está
optimista, mesmo sabendo que o crescimento económico não é o
desejável – o que justifica com a desaceleração global da
economia. O primeiro-ministro sabe que não está “tudo bem” mas
também não podia estar, diz. A explicação até parece um adágio:
“Tudo o que tão mal esteve demorará muitos anos a estar bem.”
“Cenas do próximo
capítulo”
A sobretaxa ocupou,
claro, boa parte da entrevista. António Costa até se chegou a
queixar de que, com um documento tão grande, só se fale se pensões
e sobretaxa. Este último aspecto começou por ser abordado mesmo no
final da primeira parte, ainda no Jornal das 8 da TVI. O mote foi
lançado e os jornalistas desafiaram os espectadores para continuarem
a ver a entrevista na TVI24.
Então as
explicações ficam para as “cenas do próximo capítulo”? Não
fosse o diabo (que Costa disse, afinal, não ter aparecido, como
pressagiou o líder da oposição) tecê-las e os espectadores não
ficarem para a segunda parte, e o primeiro-ministrou quis deixar logo
claro que a sobretaxa desaparece em 2017 para todos os contribuintes
(ainda que de forma faseada).
Apesar de os
partidos de esquerda que apoiam o Governo sempre terem defendido que
a sobretaxa deveria acabar a 1 de Janeiro de 2017, tal como
estipulado por lei, o Governo decidiu que o seu fim será faseado.
“Se tivéssemos margem orçamental já tinhamos acabado em 2016 com
a sobretaxa para todas as pessoas”, começa por dizer o
primeiro-ministro, recusando estar a adiar o problema ao optar pelo
faseamento. “Não é empurrar com a barriga, é ir executando a
redução da carga fiscal de forma sustentável e compatível com o
objectivo que também temos e que o país colectivamente assume, com
maior ou menos gosto, de irmos reduzindo o nosso défice e melhorando
a nossa situação financeira”, justificou.
Outra promessa que
continua por cumprir é a revisão dos escalões do IRS. Ora, Costa
volta a explicar que não foi ainda possível avançar com a medida,
mas não está esquecida. “Está no programa de Governo uma revisão
dos escalões do IRS. Não foi possível fazer em 2017, iremos
continuar a trabalhar para que seja cumprido esse objectivo”, disse
mais uma vez. Ainda há tempo para cumprir a promessa, defendeu o
primeiro-ministro: “O programa de Governo é para quatro anos.”
Foi nesta passagem
que António Costa fez o exercício de memória que lhe permitiu
concluir que este é o OE que menos alterações fiscais faz nas duas
últimas décadas. “É o Orçamento que seguramente, nos últimos
20 anos, já não digo mais porque não tenho memória para isso,
menos alterações fiscais faz”, disse o primeiro-ministro
socialista, criticando o “ruído” criado à volta do documento e
que criou a “impressão” inversa.
“Durante muitas
semanas andámos a discutir desgarradamente coisas. Semanas a
discutirem uma alteração do sistema de deduções das despesas
escolares. Pura e simplesmente não está no Orçamento. Muita gente
deve estar convencida que vai haver alterações ao sistema de
deduções das despesas escolares que não existe”, ilustrou Costa,
sublinhando que, “espremido”, o OE tem apenas dois impostos novos
– o do imobiliário (para património acima de 600 mil euros) que
“abrange poucos contribuintes e não penaliza a actividade
económica” e a “taxação sobre os refrigerantes”, enumerou.
Este é um
executivo, pelo menos para Costa, preocupado em não fazer grandes
reviravoltas: “Quanto ao resto são os impostos que já existiam
que têm as suas utilizações normais e correntes. Nós temos tido,
aliás, uma grande política de estabilidade. Tinhamos assumido o
compromisso de só legislarmos num Conselho de Ministros por mês e
temos cumprido.”
Costa tinha sido
questionado sobre o facto de a social-democrata Ferreira Leite ter
dito que este era um Orçamento da instabilidade fiscal. Antes de o
OE ser conhecido, e precisamente sobre as notícias que davam conta
do aumento de impostos indirectos, já o Presidente da República
tinha colocado alguma pressão sobre o executivo, quando disse ao
jornal online Eco que é necessário ter "atenção à
estabilidade fiscal", por ser "importante em termos de
investimento".
O primeiro-ministro
também sorriu e fez uma graça quando foi questionado sobre a
relação entre o executivo e o Presidente da República. Brincou com
o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter sido comentador, o Presidente
é que era o comentador que avaliava os agentes políticos. Mas Costa
– que também foi comentador – lá fez a sua avaliação
positiva. “Há muito tempo que ninguém se recorda de vivermos no
país a tranquilidade política e social como no último ano”,
disse. A relação entre executivo e Presidente é “absolutamente
impecável”, acrescentou. Se essa é mais visível com este
Presidente do que com o seu antecessor Cavaco Silva, Costa atribuiu à
personalidade de Marcelo.
Problemas na banca
resolvidos até ao fim do ano
Sobre as questões
da banca, Costa voltou a dizer, tal como tinha já afirmado em
entrevista ao PÚBLICO, que espera ter, até ao final do ano, uma
solução para o crédito malparado da banca. O primeiro-ministro diz
que este assunto já não se vai colocar na Caixa Geral de Depósitos
(CGD), uma vez que o crédito malparado fica resolvido com a
recapitalização. Contudo, é na mesma necessário o chamado “banco
mau” para resolver o problema nos restantes bancos. Costa recusa
falar em “banco mau”, é mecanismo, defende.
“Estamos a
trabalhar com o Banco de Portugal para termos, brevemente, uma medida
sistémica que possa ser aplicada por igual a todo o sistema bancário
nacional”, afirmou ainda Costa.
Sem se comprometer
com um calendário, o primeiro-ministro acrescentou: “O objectivo
que tenho, já o disse publicamente, é que no final deste ano
tenhamos ultrapassado todos as situações que têm penalizado o
nosso sistema bancário. Relativamente à CGD o problema está
resolvido. Creio que há bons indícios de que há intenções firmes
de investimento por parte de investidores estrangeiros na
capitalização de dois grandes bancos privados.”
“Aguardamos as
propostas que o Banco de Portugal nos venha a apresentar sobre a
venda do Novo Banco e o grupo de trabalho que o Governo tem mantido
com o Banco de Portugal sobre os NPL, non-performing loans [crédito
malparado] está a correr bem. Portanto, acho que brevemente teremos
um quadro sistémico que permita encontrar uma solução.”
Só mesmo, mesmo no
final é que Costa perdeu subitamente o sorriso e pôs um ar mais
carregado. Aconteceu quando ouviu a questão: “Por que é que a
Europa não gosta de nós?”. Mais tempo tivesse, e mais teria
contrariado a ideia. Disse que o presidente da Comissão Europeia tem
sido “amigo” de Portugal e garantiu: “Eu gosto da Europa e
temos tido relações construtivas com a União Europeia.”
“Sem
dúvida que o país já saiu da emergência”
DAVID DINIS e SÃO
JOSÉ ALMEIDA 21/10/2016 – 06:45
Só
a desconfiança que este Governo gera custa, em juros, 350 milhões
por ano ao país, acusa Passos Coelho
Em entrevista ao
PÚBLICO, o presidente do PSD classifica o Orçamento de 2017 como
"mau". E acusa António Costa de implementar um
"agravamento de impostos que vem para ficar".
Considerou que o
OE2017 é um “embuste” porque o Governo está “a transformar em
impostos permanentes aquilo que tinha sido apresentado como uma
solução de emergência”. Considera que o país já saiu da
emergência?
Sem dúvida que o
país já saiu da emergência. Estado de emergência é ter
necessidades para as quais não temos recursos. Isso aconteceu em
2011 e durante os anos em que sabíamos que só recebíamos as
tranches desses empréstimos na medida em que cumpríssemos os
objectivos que estavam previamente definidos e que eram verificados a
cada três meses. Essa foi uma situação de emergência. Actualmente
o país está a crescer, tem perspectivas para futuro, que eu presumo
que não sejam comparáveis às que tinha em 2011. Tem problemas para
resolver, com certeza. Mas não se podem considerar de emergência
financeira. Tivemos tempo para reduzir as nossas necessidades e essa
é a razão porque estamos de certa maneira a substituir medidas de
emergência por medidas de normalidade, digamos assim. Ou pelo menos
deveria ser assim.
O Estado português
continua condicionado por compromissos. E eles ainda obrigam a manter
alguma austeridade, certo?
Prefiro dizer de
outra maneira. O país ainda tem défice público, tem um elevado
nível de dívida que precisa de garantir que será assumida. E isso
são restrições que não são impostas nem pela Comissão Europeia,
nem pelos nossos credores, são resultantes da situação do próprio
país. Ainda tem questões que precisa de resolver, mas elas não têm
a dimensão dos problemas de 2010 e 2011. Nós herdámos um défice
público de quase 11%. Portanto, a situação não é a mesma. Mas as
circunstâncias que nós temos são estas: ainda temos défice,
precisamos de o reduzir. Como temos responsabilidades, sendo
devedores e precisamos de as honrar. É evidente que o país tem de
ir financiando o seu crescimento, ao mesmo tempo que vai observando a
restrição financeira.
Maria Luís
Albuquerque disse que o OE2017 traz “um aumento generalizado de
impostos” e é um OE de “sobrevivência política” do Governo.
O OE não é sempre feito por todos os governos como um instrumento
de sobrevivência? As contas públicas são o documento central de
uma governação.
Concordo com a
segunda parte da pergunta e não concordo com a primeira. Eu
empenhei-me quando estive no Governo em que as contas públicas
melhorassem em cada ano que passava. Mas tomei muitas medidas para
esse efeito que não estavam a responder à preocupação da
sobrevivência do Governo, mas em garantir que nós atingíamos
aquelas metas e aqueles objectivos. É isso que a drª. Maria Luís
Albuquerque quer significar. O país precisava, nesta fase de ter uma
redução do défice que não fosse pressionada pela necessidade de
aumentos generalizados de impostos, nem de redução forçada do
investimento público, como está a acontecer. Apenas porque, por
razões de natureza política (não apenas por exigência do próprio
PS, mas do BE e do PCP), o Governo decidiu reduzir o IVA da
restauração, ou num único ano fazer a reposição de todos os
rendimentos. E propunha-se até fazer isso com a reposição da
sobretaxa - já sabemos agora que não será. E isso porque o Governo
não está preocupado só com a meta do défice, está preocupado
também em ceder às exigências da sua própria maioria que precisa
desses resultados para poder justificar o apoio ao Governo.
O senhor foi
primeiro-ministro de um Governo cujo ministro das Finanças, Vítor
Gaspar, procedeu ao “brutal aumento de impostos”.
Enorme. Sabe como eu
sei? Fui eu próprio que disse na altura ao ministro Vítor Gaspar:
“Vítor quando apresentar o Orçamento faça favor de não
disfarçar porque as pessoas não gostam de ser enganadas, nós vamos
fazer um enorme aumento de impostos comunique isso às pessoas”.
Mas sente-se à
vontade para criticar este aumento de impostos?
Totalmente. Eu
vou-lhe explicar porquê. Quando nós aumentámos os impostos,
sobretudo em 2013, em parte também em 2014, fizemo-lo na medida em
que precisávamos, pela restrição financeira, de garantir um
determinado nível do défice do Estado. E o Tribunal Constitucional
não validava as soluções que nós apresentávamos do lado da
despesa pública. A nossa primeira solução não foi aumentar os
impostos. Os impostos tiveram de crescer, sobretudo ao nível do IRS
por causa da sobretaxa, em razão da necessidade de ultrapassar a
decisão que o Tribunal Constitucional tomou. Mas isso estamos a
falar de 2013. Em 2013 o país ainda estava em recessão. Nós não
estamos em recessão, o país está a crescer, está a caminho da
normalização, pelo menos é o que o primeiro-ministro vem dizendo
repetidamente: a austeridade acabou. Estamos a normalizar. Então
porque é que estamos a fazer um aumento generalizado dos impostos?
Mais: o primeiro-ministro veio dizer: “Vamos consignar a criação
de um novo imposto sobre o património à segurança social”. Eu
posso dizer que se o Governo não tivesse baixado o IVA da
restauração para 13% não era preciso lançar este novo imposto,
porque a sua receita prevista é até menos do que aquilo que o
Governo decidiu prescindir quando baixou o IVA da restauração.
Isso é
contraditório?
O que está a fazer
então o actual Governo? Está a propor que sejam os proprietários
de edifícios a pagar a receita que o Estado vai ter quando decidiu
baixar o IVA da restauração, porque isso não trouxe beneficio
nenhum que vá a quem vá a qualquer restaurante, como sabe os preços
não baixaram.
Se o Governo do
PSD-CDS não tivesse caído, nós nesta fase não teríamos aumentos
indirectos, mas os funcionários públicos continuariam com parte do
seu salário cortado e a sobretaxa não estaria toda reposta. Não
estamos a falar só de opções num mesmo modelo?
Quando criamos a
sobretaxa procurámos responder na altura à necessidade de reduzir o
défice de diferente daquele que o Tribunal Constitucional nos
consentiu.
O Governo não está
preocupado só com a meta do défice, está preocupado também em
ceder às exigências da sua própria maioria que precisa desses
resultados para poder justificar o apoio ao Governo
Pedro Passos Coelho
Mas não estamos a
comparar com 2013, mas de qual seria o projecto do PSD e do CDS hoje.
Já se vai tornar
claro para si. Portanto nós tínhamos ou cortando salários ou em
alternativa criando uma sobretaxa do IRS de responder a uma sotuação
de emergência. Porquê? Nós precisávamos aquele dinheiro para
gastar por que não tínhamos nada garantido pelo envelope financeiro
da troika. Portanto se não nos deixavam cortar de um lado tínhamos
de ir buscar o dinheiro do outro. Era assim. Mas não é assim hoje.
Esse é o ponto que é importante. Nós hoje acedemos a mercado. Na
altura o acesso a mercado era muito limitado. Temos baixas taxas de
juro, na altura não tínhamos. Portanto, a restrição não é a
mesma. Do que é que nós precisávamos, portanto? Precisávamos de
investir o suficiente em processos de reforma do Estado que nos
fossem permitindo diminuir gradualmente as necessidades de
financiamento do Estado, para ir removendo estas medidas
extraordinárias. Por isso é que eu propus justamente que pudéssemos
fazer a reposição salarial, não num ano, mas em quatro e remover a
sobretaxa, não num ano, mas em quatro. Isso dava-nos a possibilidade
de fazer tudo sem ter a necessidade de cobrir essa receita por novos
impostos. Porque isso não é remover a austeridade, isso é
substituir uma austeridade de emergência por uma austeridade
permanente com outros impostos que vêm para ficar. Ora isso não faz
sentido. Mas agora vou dar-lhe um exemplo de porque é que nós não
teríamos de fazer isto. Por exemplo, nós temos hoje taxas de juro a
dez anos que são praticamente três vezes as espanholas, cerca de
dois pontos percentuais [de diferença]. Mas em Setembro do ano
passado essa diferença não chegava a meio ponto percentual. Com o
Banco Central Europeu a ter a política tão acomodatícia, porque é
que estamos a pagar mais juros do que Espanha?
E qual é a sua
resposta?
É porque o mercado
não confia na política que está a ser seguida evidentemente, toda
a gente sabe isto. E por isso é que estamos a ser penalizados. Sabe
quanto custa isto a Portugal? Nesta altura, com esse diferencial,
custa sensivelmente mais 350 milhões de euros por ano do que
custaria se não houvessem dúvidas e falta de confiança sobre a
dívida portuguesa. E temos aqui um elemento que permitiria reduzir
esta pressão que o Governo sente para se financiar. Mas dou-lhe
outro: nós tínhamos proposto, por exemplo, com a concessão a
privados dos transportes públicos urbanos de Lisboa e do Porto,
poupar quase cem milhões por ano nos próximos dez anos. Iríamos
reduzir as necessidades de financiamento do Estado ao longo destes
dez anos. O que é que o Governo fez? Aumentou essas necessidades.
Claro, precisa de mais dinheiro para as cobrir. Portanto, em vez de
termos um período em que vamos substituindo gradualmente as medidas
de emergência por medidas de normalidade, o que estamos a fazer é a
substituir medidas de emergência por outras medidas de agravamento
de impostos que vêm para ficar. Ora, isto não é remover a
austeridade.
OPINIÃO
Lamento
informar, mas o salário de Domingues é de todos eles
DAVID DINIS
21/10/2016 – 06:32
Não
vale a pena fugir, não vale a pena fingir. António Domingues tem o
salário que todos aceitaram
O
Governo tinha um nome para a Caixa. E quis escolher o que achava
melhor. Escolheu António Domingues, mas este não aceitava sair do
BPI por menos do que aquilo que lá ganhava.
António Costa
aceitou o jogo, mas sabia que não o podia jogar sozinho. Era preciso
mudar a lei para que Domingues tivesse um ordenado que seria o dobro
do que ganhava o anterior presidente da CGD. E era muito, muito
fácil, que essa lei fosse chumbada - no Parlamento ou na Presidência
da República.
Estou absolutamente
convencido que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças nunca
se teriam metido na aventura de anunciar o nome de António Domingues
se não tivessem procurado essas garantias previamente. Mas pouco
importa para tudo isto a minha convicção. Mesmo que Costa e Mário
Centeno tivessem entrado nesse jogo, correndo o risco de ficar sem
presidente para a Caixa e, pelo caminho, desvalorizado brutalmente o
banco público com semelhante vergonha, o facto é que a lei foi
aprovada em Conselho de Ministros, promulgada pelo Presidente da
República e acabou por passar na Assembleia. A proposta do Bloco
para que os salários na CGD ficassem a 90% do ordenado do chefe de
Estado foi chumbada por quase todos; e a do PSD para que se voltasse
à lei anterior foi vetada pelos partidos da esquerda. António
Domingues foi, assim sendo, nomeado, empossado e reconfirmado.
É por isso que não
compro o jogo político baixinho que se viu esta semana. Pouco me
impressiona que Catarina Martins tenha vindo dizer que para o Bloco o
salário de Domingues “não é um assunto encerrado - e que o
Governo tem a sua “total oposição” neste dossiê. Lamento
informar o Bloco de Esquerda, mas se o assunto tem a “total
oposição” do Bloco, se ao mesmo tempo o Bloco teve a faca e o
queijo na mão para impedir estes salários e esta nomeação, há
qualquer coisa que não bate certo. Talvez lhe possamos chamar teatro
(com todo o respeito).
A mesma coisa se
aplica ao PCP. E mais ainda ao Presidente da República. Disse
Marcelo, no texto em que promulga o decreto-lei, que só aceitava
porque esta era a única maneira de Domingues ser nomeado.
Acrescentou depois o Presidente que o Governo devia ter cuidado com a
fixação do bendito salário. Bem sei que é desagradável ao
Presidente a maçada de ter que se responsabilizar por uma decisão
que custa popularidade. Mas o que não vale é deixar uns avisos no
site da Presidência para depois dizer que avisou. Vamos lá a ser
claros sobre este assunto: se o Presidente não queria um salário
destes, podia muito bem ter vetado o documento e dito ao Governo para
o mudar.
Claro que, para o
fazer, o Presidente tinha que fazer outra coisa que não quer:
assumir o ónus de impedir António Domingues de tomar conta do banco
público. Ou seja, assumir também aqui um custozinho de
impopularidade. Sim, é chato ter que decidir. Mas que país é que
precisa de um Presidente que não quer decidir?
Pessoalmente, não
"compro" esta histeria de um país que quer ter um banco
público, mas depois quer que ele não custe dinheiro. Sim, ter uma
gestão profissional custa dinheiro. Sobretudo se quisermos que o
banco público não nos custe uma fortuna.
Coisa bem diferente
(e aviso já que não conheço o dr Domingues) é passar cheques em
branco à nova administração da Caixa, ou sequer à opção do
Governo. Faz-me muito mais confusão, por exemplo, saber que
Domingues ainda era vice-presidente do BPI e já tinha acesso aos
dados da Caixa; saber que Domingues contratou uma consultora para
trabalhar, nessa altura, um plano de recapitalização do banco
público; que tenha feito convites sem saber (ou prevenir) que a lei
impedia acumulações de funções.
Por muito que
António Domingues ganhe, faz-me muito mais confusão saber que ele
diga que não faz uma auditoria aprovada em Conselho de Ministros em
Junho; que não nos passe cartão sobre para que serve tanto dinheiro
nesta recapitalização; ou que o primeiro-ministro diga, numa
semana, que a recapitalização pode ser feita só em 2017 e, na
seguinte, o ministro das Finanças afirme que vai ser feita já em
2016.
No que respeita à
situação atual da Caixa, aliás, o que me preocupa mais é o que
ainda vem aí, não o que ganha o seu presidente. Nomeadamente a
prudência com que se fará a separação de activos malparados e a
respectiva consequência que isso possa trazer para o restante sector
financeiro. Se António Domingues conseguir passar estas etapas,
colocar a Caixa com as contas limpas e ajudar as empresas e a
economia, até sou capaz de me esquecer de todo este processo. Quanto
ao salário dele, vou cobrá-lo ao Governo, ao Bloco, ao PCP, como ao
PSD e CDS. E ao srº Presidente, pois claro.
Da austeridade intragável à saborosa austeridade
20/10/2016,
Observador
António
Costa está a ensinar-nos a desenhar austeridade apoiada pelo
eleitorado. O OE ou os salários da CGD são arquitecturas e decisões
para o “Homo sapiens” e não para o racional “Homo economicus”.
Pedro Passos Coelho
representa a política económica do “Homo economicus”, António
Costa o “Homo sapiens”. Assim se concluía numa conversa em que o
tema era o Orçamento do Estado e a extraordinária habilidade
política do primeiro-ministro para tornar a austeridade uma política
quase popular.
A proposta de
Orçamento do Estado para 2017 consagra uma política que é a mais
contraccionista desde 2014. Basicamente a austeridade foi
interrompida por causa das eleições em 2015 e da consolidação
eleitoral do PS em 2016 e regressa em 2017. Neste momento António
Costa tem as mãos politicamente mais livres e pode concentrar-se
melhor em apenas dois objectivos: manter em alta as intenções de
voto e eliminar o risco de os investidores internacionais fugirem
ditando a necessidade de um segundo resgate. (A DBRS vai
pronunciar-se esta semana e a proposta de OE 2017 resolve parte do
conflito em que estava).
Os dois objectivos,
eleitoralismo e austeridade, seriam inconciliáveis se a política
económica estivesse a ser desenhada tendo como referência o “Homo
economicus”, uma personalidade racional, não emotiva, que tem uma
hierarquia de preferências estável e fixa, valoriza de igual modo
as perdas e os ganhos e procura o seu próprio interesse. Ou mesmo se
estivesse a ser desenhada no sentido de maximizar o crescimento por
via do investimento.
Mas não é assim
que está desenhada. A proposta de Orçamento do Estado para 2017
está feita para ser bem aceite pelo “Homo Sapiens” ou, como
diria o nobel da Economia Daniel Kahneman, por “Humanos” e não
por “Econs”, uma outra versão do “Homo economicus”. Os
“Humanos”, por contraponto aos “Econs”, na versão de
Kahnman, têm uma visão do mundo “limitada pela informação
disponível num determinado momento – Só Há Aquilo Que Vês”.
Por isso não conseguem ser lógicos e coerentes como os “Econs”.
Além disso, nem sempre são egoístas, as suas preferências são
instáveis e lutam muito mais por manter o que têm do que para
obterem ganhos – sofrem de aversão à perda.
Intuitivamente ou
não, António Costa vai desenhando uma política económica que tem
os ingredientes certos para ter sucesso num mundo de “Homo
Sapiens”. Começou por prometer “virar a página da austeridade”
e assim criou uma âncora de previsão para cada um de nós, que nos
conduz a “ver” menos austeridade do que aquela que existe.
Exactamente o oposto de Pedro Passos Coelho, quando prometeu “ir
para além da troika”. (Sim, é verdade que as conjunturas eram
diferentes e o anterior primeiro-ministro estava a falar mais para
fora do que para dentro, mas o seu discurso actual continua ser
virado para o “Homo economicus”.)
“Só Há Aquilo
Que Vês”, o princípio SHAQV de Kahneman, é a lei geral da
política que estamos a viver. Vejamos, apenas como exemplo, 7 casos
do Orçamento do Estado e da actualidade: a não divulgação do
quadro comparativo das receitas fiscais; o reforço da tributação
indirecta; o novo imposto sobre o património; a escolha feita na
actualização das pensões; o agravamento dos impostos no alojamento
local; a reversão da reversão da sobretaxa e finalmente os salários
da administração da CGD, o único caso com riscos eleitorais.
1. Pela primeira vez
desde há pelo menos mais de duas décadas, o relatório do Orçamento
do Estado não publica o clássico quadro das receitas fiscais por
imposto comparando-o com o do ano anterior. Claro que é possível
construir parcialmente esse quadro através dos mapas da proposta de
lei, mas o “Homo sapiens”, contrariamente ao “Economicus”, é
preguiçoso, trabalha com a informação disponibilizada. (E os media
estão com recursos muito escassos). E assim o que não se vê não
entra na avaliação da política.
2. O reforço da
tributação indirecta e as “taxas de taxinhas”, nas quais se
incluem as novas tributações por produtos – os refrigerantes,
algumas bebidas alcoólicas e as balas, por exemplo –, seguem
igualmente a lei SHAQV e os valores emocionais. A tributação
indirecta não se vê e aquela que incide sobre o consumo de bens
considerados “maus” dá a ilusão da escolha na linha da
sabedoria popular: “quem tem vícios que os pague”. Repare-se que
a tributação indirecta foi sempre defendida pelos economistas
considerados mais liberais, por ser mais eficiente. De acordo com
esta tese, as políticas redistributivas (a equidade) devem ser
garantidas através da despesa – como os subsídios e apoios
sociais – e não por via dos impostos directos. Ver um governo
apoiado pela esquerda a apoiar, ainda que indirectamente, esta tese é
também revelador da queda da ideologia.
3. O adicional sobre
o IMI, que consagra uma taxa de 0,3% sobre valor patrimonial
imobiliário que excede os 600 mil euros, ao mesmo tempo que se
elimina o imposto de selo sobre imóveis acima de um milhão de
euros, traduz-se num significativo desagravamento dos “mais ricos”.
Ou seja, todos os que têm casas de valor superior a um milhão vão
pagar menos impostos em 2017 do que em 2016. Mas aquilo que se
afirmou foi que o Governo ia lançar um imposto sobre os que
acumularam património imobiliário de 600 mil euros. Obviamente uma
fortuna para a esmagadora maioria dos cidadãos e para o “Homo
sapiens” que usa apenas a informação que está mais à mão.
4. A política
seguida nas pensões usa igualmente o conhecimento da natureza dos
“Humanos” jogando com a aversão à perda que os caracteriza –
e que dificulta as reformas e todas as políticas de promoção da
igualdade. Além da actualização em linha com a inflação, há
três decisões nas pensões: proceder a um aumento extraordinário
em Agosto no montante de dez euros para pensões 275 e 628 euros, não
fazer esse aumento extraordinários nas pensões mínimas sociais e
rurais e acabar com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade
(CES) que incide sobre pensões acima de 4.500 euros. Com esta
política garante-se o contentamento generalizado, já que ninguém
perde e o grupo que não ganha tem reduzida ou nula capacidade de
intervenção no espaço público.
5. O agravamento da
tributação dos rendimentos de alojamento local – o imposto passa
a aplicar-se sobre 35% das receitas sem vez de 15% – constitui uma
perda significativa de rendimento para quem tem esta actividade, mas
para os eleitores em geral será percepcionada como justa. Usando o
mecanismo de saltar para as conclusões, de que o cérebro é perito,
é elevada a probabilidade de se considerar que se estava a praticar
uma taxa efectiva baixa quando comparada com o arrendamento em geral,
não se levando em conta que existem custos adicionais.
6. A reversão da
reversão da sobretaxa, ou seja, o facto de o Governo ter anulado uma
decisão que já estava consagrada na lei – a eliminação total da
sobretaxa em Janeiro –, reúne condições para não ter qualquer
custo político. Mais uma vez podemos aqui aplicar o princípio
segundo o qual as pessoas lutam mais para não perder do que para
ganhar. Como ainda não tinham ganho nada, nada perdem, e ao longo do
ano vão ganhar. O Governo limita-se a não respeitar um compromisso
que lhe custará criticas usando a expressão de António Costa:
“palavra dada, palavra honrada”. Mas a probabilidade de isso se
traduzir em perdas eleitorais é mínima, se não mesmo nula.
7. Os novos salários
da administração da CGD é o único caso em que o Governo usa
argumentos do “Homo economicus”, de racionalidade pura e mais
focado na eficiência do que na equidade. E é exactamente o caso que
lhe pode custar mais eleitores como já bem percebeu o Presidente da
República. Uma das características dos “Humanos” é a
preocupação com a sua posição relativa: a perda é melhor aceite
quando todos perdem e a sua posição relativa não se altera. No
quadro actual, em que muitos estão a ganhar um bocadinho de
rendimento ou a pensar que vão ganhar, e basicamente ninguém perde,
o risco de custos eleitorais é menor do que na era da troika quando
todos estavam a perder rendimento. Mas existe.
Na proposta de
Orçamento de Estado com a maior austeridade desde 2014 é
interessante verificar como a política contraccionista está
desenhada sem que a esmagadora maioria dos portugueses percebam que
vão ter menos poder de compra. É um Orçamento que vê a economia
povoada por “Homo sapiens” com todas as suas limitações e não
por “Homo economicus”, racional e com toda a informação.
Em todo o seu
esplendor, o primeiro Orçamento livre de António Costa afirma-se
sem oposição popular porque “Só Há Aquilo Que Vês” – e os
impostos indirectos não se vêm – e porque sofremos duas vezes
mais com as perdas do que com os ganhos – e ninguém sente que
perde. O que as sondagens já nos dizem é que há mais “Homo
sapiens” do que “Homo economicus”. E assim se transforma a
austeridade intragável numa saborosa austeridade.
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