domingo, 16 de outubro de 2016

António Costa e as Lajes “chinesas”




Imagens e texto do Dia / OVOODOCORVO
António Costa e as Lajes “chinesas”
Teresa de Sousa :
( …) 2. António Costa foi à China numa visita centrada na cooperação económica e destinada a aproveitar a “parceria estratégica” que existe entre os dois países e que, na Europa, apenas existe com meia dúzia de outros países europeus (sobretudo os maiores). Até aqui nada de novo. O capital chinês (público, privado ou assim-assim) já está em grandes empresas portuguesas.

Depois da EDP ou da REN, está a entrar em força no sistema financeiro. A economia chinesa é uma espécie de “capitalismo selvagem”, dirigido por um partido único que controla quase tudo. Mas é também, entre as grandes economias, aquela que mais cresceu e ainda cresce. Não há líder europeu que não se apresente em Pequim com grandes delegações de empresários para assinar contratos milionários. Para um país que precisa desesperadamente de investimento estrangeiro, não convém ignorar a China. Até aqui tudo bem.

Quando essa parceria inclui a presença da China num novo modelo de aproveitamento das Lajes, de onde os americanos estão a sair e em que assenta o acordo bilateral entre os dois países em matéria de defesa, a mensagem torna-se mais complexa. O primeiro-ministro já esclareceu que se tratou apenas de convidar a China a participar num projecto científico internacional, tirando partido da localização e das infra-estruturas da base, da mesma maneira que seria bem-vinda a participação dos EUA, do Reino Unido ou da França.

Pode servir para atenuar o efeito das suas palavras. Mas não creio que os EUA fiquem indiferentes, apesar da reacção conciliadora do embaixador americano em Lisboa. Por várias razões.

A China tem uma estratégia europeia com princípio, meio e fim que está a aplicar com eficiência. Aproveitou a crise para investir nos países do Sul mais vulneráveis e mais necessitados de capital, somando-lhe uma atenção particular que já tinha nos países de leste. Acresce que ninguém sabe qual será o futuro da China e que a História nos ensina que, quase sempre, a emergência de uma nova potência que quer desafiar o poder das potências estabelecidas pode custar uma guerra. Na verdade, ninguém tem a certeza de nada, a não ser que uma implosão chinesa (por razões económicas ou sociais) é um cenário de pesadelo para o mundo inteiro.

3. Ora, os países europeus (grandes ou pequenos) habituaram-se a confiar nos Estados Unidos para garantir a segurança na Ásia-Pacífico, dando-lhes toda a tranquilidade para fazer os seus negócios.

É uma situação agradável e barata, mas que ninguém pode garantir que vai continuar eternamente. E, depois, há as decisões políticas e estratégicas. No final da era Bush, alguém se lembrou, por óbvia pressão chinesa, de colocar em cima da mesa do Conselho de Ministros da União o fim do embargo à venda de tecnologia à China que pudesse ser para fins militares. A medida foi tomada depois do massacre de Tiananmen. Houve vários governos (incluindo o nosso) que se mostraram favoráveis ao levantamento, mas prevaleceu o bom senso e, sobretudo, a pressão brutal da diplomacia americana. Enfim, com Obama ou com Bush, mesmo que sejam totalmente diferentes as suas perspectivas sobre o exercício do poder mundial, há coisas que permanecem.

Os governos europeus continuam a considerar que a política americana de cooperação/ contenção da China é demasiado dura. Um dia destes, como se viu nesta campanha eleitoral, os americanos podem cansar-se de garantir a segurança europeia ou do Japão ou da Coreia do Sul. Claro que há oportunidades e oportunidades. Portugal tem uma excelente porta aberta para atrair o investimento chinês em Sines, que ganhou uma nova dimensão geo-económica com o alargamento do Canal do Panamá para deixar passar os gigantescos contentores que chegam à Europa, graças à sua localização e às suas águas profundas. Dir-me-ão que tudo tem contrapartidas. Pois é. Desde que não ponham em causa os interesses estratégicos do país.

Teresa de Sousa
Jornalista. Escreve ao domingo

teresa.de.sousa@publico.pt

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