.Entraves.
As (várias) pedras no caminho das obras que prometem mudar Lisboa
MARIANA MADRINHA E
MARTA CERQUEIRA
29/10/2016 13:38
JORNAL I
Desde
cordões humanos para proteger árvores em risco de ser abatidas,
conflitos de interesses e metro e autocarros que mais parecem
sardinhas em lata a muitas horas passadas no trânsito, os lisboetas
têm sofrido nos últimos meses em prol de uma nova cidade. Nem tudo
é mau: pelo meio das obras já foram descobertos vestígios
arqueológicos, o que é sempre uma boa notícia.
Roma e Pavia não se
fizeram num dia e, claramente, as obras de Lisboa também não. À
partida não esperamos um desfecho desta epopeia de empreitadas tão
moroso como o das obras de Santa Engrácia, mas os longos meses já
contados têm tido um custo diário elevado para os lisboetas. Um
preço que vai além dos muitos milhões de euros que custam os
projetos. Desde atrasos até embargos – na Segunda Circular,
provocados por um mau motivo; no Campo das Cebolas, por uma
descoberta simpática –, deixamos-lhe as pedras encontradas nos
caminhos destas empreitadas.
Segunda circular
Por esta altura já
devia estar a ser criada uma Segunda Circular renovada, com espaços
arborizados, novos pavimentos, uma solução de iluminação mais
eficiente e onde se passaria a circular a um máximo de 60 km/hora.
No entanto, em setembro, um anúncio da câmara municipal apanhou
todos de surpresa: as obras ficariam suspensas devido a conflitos de
interesses. O autor do projeto de pavimentos fabricava e vendia um
dos componentes utilizados nos trabalhos. A decisão suspendeu a
empreitada já em curso no troço entre o nó do Regimento de
Artilharia de Lisboa [RALIS] e a Avenida de Berlim, e cancelou todas
as restantes obras previstas.
Transportes
São um dano
colateral das obras, mas têm um impacto brutal no dia-a-dia de
muitos lisboetas. Com vários locais praticamente proibidos devido ao
trânsito [saltar para o último ponto], a afluência dos transportes
públicos aumentou. Como aumentou também o número de turistas. Com
estes dois reforços de utentes de peso, seria de esperar uma
resposta à altura. Pelo contrário, há 20 carruagens de metro
paradas.
A Comissão de
Utentes de Transportes de Lisboa iniciou na segunda-feira um ciclo de
protestos contra a degradação do serviço sob o mote “20
carruagens paradas, 20 dias de luta”. Assim, nos próximos dias, os
organizadores da manifestação estarão presentes em várias
estações de metro onde recolherão as queixas dos utentes. Os
tempos de espera entre as composições, os elevadores e escadas
rolantes avariadas e a sobrelotação de carruagens – o que faz com
que, nas redes sociais, muitos utentes descrevam a experiência de
andar de metro como a de uma “sardinha em lata” – são alguns
problemas apontados pelos manifestantes. Já nos autocarros, os
utilizadores descrevem igualmente situações de sobrelotação –
também causada pelo crescimento do turismo – e tempos de espera
mais longos entre as viaturas.
Campo das Cebolas
São 12 os milhões
de euros adjudicados ao novo Campo das Cebolas, a obra mais cara (se
excluirmos a Feira Popular) deste leque. As escavações têm
revelado tesouros arqueológicos escondidos pela poeira (e terra, e
calçada, e alcatrão) dos anos. Até agora, já foi descoberta uma
escadaria pombalina que daria acesso ao rio, um paredão da mesma
época e restos de um poço pós-pombalino. Foram ainda encontradas
duas embarcações de pequena dimensão do século xix e um cais da
mesma época. As descobertas fazem com que arqueólogos e
empreiteiros trabalhem lado a lado para dar vida ao projeto de
Carrilho da Graça. E os achados arqueológicos poderão dar uma
graça extra à nova praça: os responsáveis pelo projeto equacionam
usar a escadaria pombalina como um dos acessos ao parque de
estacionamento. Apesar dos (bons) percalços, a obra acabará dentro
do tempo previsto, garantiu Fernando Medina na assembleia municipal,
na passada terça-feira.
Árvores do campo
grande
O projeto do Eixo
Central não contempla o Campo Grande, recentemente renovado, mas as
obras também chegaram aqui. Nomeadamente para criar um novo parque
de estacionamento. Estava tudo bem até, este mês, os “irredutíveis”
moradores perceberem que, no projeto do novo parque em frente aos
números 35 e 37 – e onde vão ser igualmente criados um corredor
para transportes públicos e duas novas vias de circulação –,
cerca de 30 árvores iriam ser arrancadas. Um grupo de residentes que
se autointitulou “Os irredutíveis do Campo Grande” uniu-se
contra o abate das árvores e organizou uma manifestação na passada
segunda-feira em frente à câmara. Aos moradores juntaram-se membros
do Fórum Cidadania LX e da Plataforma em Defesa das Árvores. O
cordão humano foi o suficiente para que a autarquia recuasse: com o
protesto, os manifestantes conseguiram impedir o abate de 28 árvores.
Serão apenas abatidas três árvores e transplantadas cinco. Na
quarta-feira, Medina reagiu ao caso. “Acho que não estivemos bem.
[O projeto inicial] não se enquadra na nossa orientação política”,
admitiu o autarca. “Só posso lamentar a solução original”,
disse, citado pelo “Público”.
Trânsito
O dia 3 de maio
marcou o início de nove meses de obras no chamado Eixo Central de
Lisboa. Nesse dia, a câmara avisou que os trabalhos iriam
inevitavelmente afetar o tráfego em algumas das principais vias da
cidade.
As obras começaram
na Fontes Pereira de Melo, em direção ao Saldanha, e em
Entrecampos, em direção à Avenida da República. As seis faixas da
Avenida Fontes Pereira de Melo passaram a quatro e enquanto assim se
mantiverem será possível os carros particulares circularem nos
corredores Bus.
Apesar dos avisos e
do cuidado da autarquia em garantir vias alternativas, a insatisfação
de quem lá passa diariamente fez-se sentir logo uma semana após o
arranque dos trabalhos. Um buzinão organizado por um grupo de
lisboetas marcou o protesto contra as obras que, em simultâneo,
afetam a circulação, principalmente em hora de ponta. Isto porque
às obras no Eixo Central se juntam as da zona ribeirinha, que afetam
as ruas entre o Cais do Sodré e o Campo das Cebolas.
Na altura do
protesto estavam ainda previstos os trabalhos na Segunda Circular que
acabaram suspensos por anulação do concurso público para a
requalificação desta via.
Obras Lisboa
Atualidade
Centeno acredita em
mais receita
Entraves.
As (várias) pedras no caminho das obras que prometem mudar Lisboa
MARIANA MADRINHA E
MARTA CERQUEIRA
29/10/2016 13:38
Desde cordões
humanos para proteger árvores em risco de ser abatidas, conflitos de
interesses e metro e autocarros que mais parecem sardinhas em lata a
muitas horas passadas no trânsito, os lisboetas têm sofrido nos
últimos meses em prol de uma nova cidade. Nem tudo é mau: pelo meio
das obras já foram descobertos vestígios arqueológicos, o que é
sempre uma boa notícia.
Roma e Pavia não se
fizeram num dia e, claramente, as obras de Lisboa também não. À
partida não esperamos um desfecho desta epopeia de empreitadas tão
moroso como o das obras de Santa Engrácia, mas os longos meses já
contados têm tido um custo diário elevado para os lisboetas. Um
preço que vai além dos muitos milhões de euros que custam os
projetos. Desde atrasos até embargos – na Segunda Circular,
provocados por um mau motivo; no Campo das Cebolas, por uma
descoberta simpática –, deixamos-lhe as pedras encontradas nos
caminhos destas empreitadas.
Segunda circular
Por esta altura já
devia estar a ser criada uma Segunda Circular renovada, com espaços
arborizados, novos pavimentos, uma solução de iluminação mais
eficiente e onde se passaria a circular a um máximo de 60 km/hora.
No entanto, em setembro, um anúncio da câmara municipal apanhou
todos de surpresa: as obras ficariam suspensas devido a conflitos de
interesses. O autor do projeto de pavimentos fabricava e vendia um
dos componentes utilizados nos trabalhos. A decisão suspendeu a
empreitada já em curso no troço entre o nó do Regimento de
Artilharia de Lisboa [RALIS] e a Avenida de Berlim, e cancelou todas
as restantes obras previstas.
Transportes
São um dano
colateral das obras, mas têm um impacto brutal no dia-a-dia de
muitos lisboetas. Com vários locais praticamente proibidos devido ao
trânsito [saltar para o último ponto], a afluência dos transportes
públicos aumentou. Como aumentou também o número de turistas. Com
estes dois reforços de utentes de peso, seria de esperar uma
resposta à altura. Pelo contrário, há 20 carruagens de metro
paradas.
A Comissão de
Utentes de Transportes de Lisboa iniciou na segunda-feira um ciclo de
protestos contra a degradação do serviço sob o mote “20
carruagens paradas, 20 dias de luta”. Assim, nos próximos dias, os
organizadores da manifestação estarão presentes em várias
estações de metro onde recolherão as queixas dos utentes. Os
tempos de espera entre as composições, os elevadores e escadas
rolantes avariadas e a sobrelotação de carruagens – o que faz com
que, nas redes sociais, muitos utentes descrevam a experiência de
andar de metro como a de uma “sardinha em lata” – são alguns
problemas apontados pelos manifestantes. Já nos autocarros, os
utilizadores descrevem igualmente situações de sobrelotação –
também causada pelo crescimento do turismo – e tempos de espera
mais longos entre as viaturas.
Campo das Cebolas
São 12 os milhões
de euros adjudicados ao novo Campo das Cebolas, a obra mais cara (se
excluirmos a Feira Popular) deste leque. As escavações têm
revelado tesouros arqueológicos escondidos pela poeira (e terra, e
calçada, e alcatrão) dos anos. Até agora, já foi descoberta uma
escadaria pombalina que daria acesso ao rio, um paredão da mesma
época e restos de um poço pós-pombalino. Foram ainda encontradas
duas embarcações de pequena dimensão do século xix e um cais da
mesma época. As descobertas fazem com que arqueólogos e
empreiteiros trabalhem lado a lado para dar vida ao projeto de
Carrilho da Graça. E os achados arqueológicos poderão dar uma
graça extra à nova praça: os responsáveis pelo projeto equacionam
usar a escadaria pombalina como um dos acessos ao parque de
estacionamento. Apesar dos (bons) percalços, a obra acabará dentro
do tempo previsto, garantiu Fernando Medina na assembleia municipal,
na passada terça-feira.
Árvores do campo
grande
O projeto do Eixo
Central não contempla o Campo Grande, recentemente renovado, mas as
obras também chegaram aqui. Nomeadamente para criar um novo parque
de estacionamento. Estava tudo bem até, este mês, os “irredutíveis”
moradores perceberem que, no projeto do novo parque em frente aos
números 35 e 37 – e onde vão ser igualmente criados um corredor
para transportes públicos e duas novas vias de circulação –,
cerca de 30 árvores iriam ser arrancadas. Um grupo de residentes que
se autointitulou “Os irredutíveis do Campo Grande” uniu-se
contra o abate das árvores e organizou uma manifestação na passada
segunda-feira em frente à câmara. Aos moradores juntaram-se membros
do Fórum Cidadania LX e da Plataforma em Defesa das Árvores. O
cordão humano foi o suficiente para que a autarquia recuasse: com o
protesto, os manifestantes conseguiram impedir o abate de 28 árvores.
Serão apenas abatidas três árvores e transplantadas cinco. Na
quarta-feira, Medina reagiu ao caso. “Acho que não estivemos bem.
[O projeto inicial] não se enquadra na nossa orientação política”,
admitiu o autarca. “Só posso lamentar a solução original”,
disse, citado pelo “Público”.
Trânsito
O dia 3 de maio
marcou o início de nove meses de obras no chamado Eixo Central de
Lisboa. Nesse dia, a câmara avisou que os trabalhos iriam
inevitavelmente afetar o tráfego em algumas das principais vias da
cidade.
As obras começaram
na Fontes Pereira de Melo, em direção ao Saldanha, e em
Entrecampos, em direção à Avenida da República. As seis faixas da
Avenida Fontes Pereira de Melo passaram a quatro e enquanto assim se
mantiverem será possível os carros particulares circularem nos
corredores Bus.
Apesar dos avisos e
do cuidado da autarquia em garantir vias alternativas, a insatisfação
de quem lá passa diariamente fez-se sentir logo uma semana após o
arranque dos trabalhos. Um buzinão organizado por um grupo de
lisboetas marcou o protesto contra as obras que, em simultâneo,
afetam a circulação, principalmente em hora de ponta. Isto porque
às obras no Eixo Central se juntam as da zona ribeirinha, que afetam
as ruas entre o Cais do Sodré e o Campo das Cebolas.
Na altura do
protesto estavam ainda previstos os trabalhos na Segunda Circular que
acabaram suspensos por anulação do concurso público para a
requalificação desta via.
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