Mariano
Rajoy governará em minoria mas com trunfos perante a oposição
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 29/10/2016 – 20:03
Ao
fim de 315 dias de impasse institucional, o Congresso viabilizou o
novo Governo, graças à abstenção de 68 deputados socialistas. A
grande incógnita passa a ser a “governabilidade”.
Graças à abstenção
dos socialistas, Mariano Rajoy, líder do Partido Popular, foi eleito
presidente do Governo espanhol, pondo termo a 315 dias de “Governo
em funções” e ao mais longo bloqueio institucional da história
recente da Espanha. Foi eleito por 170 votos a favor e 111 contra. A
grande maioria dos deputados socialistas, 68, seguiu a directiva do
Comité Federal e absteve-se, mas 15, incluindo todos os deputados do
Partido Socialista da Catalunha, votarão “não”. A bancada do
Cidadãos votou a favor. O rei Felipe VI dará posse a Rajoy no
domingo e o elenco ministerial deverá ser anunciado na quinta-feira.
No exterior do
Congresso, alguns poucos milhares de manifestantes, vigiados por um
forte contingente policial, denunciavam a legitimidade do novo
Governo, com palavras de ordem como “Não à Máfia golpista” e
“Não à investidura ilegítima”.
Horas antes da
sessão, Pedro Sánchez, ex-secretário-geral do PSOE, renunciava ao
mandato parlamentar, anunciando ir liderar um processo de
reconstrução do partido. É um dado importante para as perspectivas
de “governabilidade” da Espanha.
A experiência de um
Governo minoritário — agora num quadro agora multipartidário —
exige a disponibilidade de cooperação entre três partidos: PP,
PSOE e Cidadãos. Neste esquema triangular, a peça decisiva é o
PSOE, pois só ele pode dar maiorias pontuais ao Governo. A lista de
reformas reclamadas é infinda e não cabe aqui enunciá-la. O
primeiro teste será o debate do orçamento e as negociações com
Bruxelas sobre o défice. O mais envenenado dossier, é a questão
catalã.
Mais difícil do que
ao PP fazer concessões à oposição, será ao PSOE fazer acordos
com o PP. Todos os pactos que faça com Rajoy terão uma implacável
denúncia por parte do Podemos, cuja linha de propaganda é assimilar
o PSOE ao PP, de modo a facilitar a conquista da hegemonia na
esquerda. Pablo Iglesias tudo fará para ser o porta-voz da oposição
parlamentar.
Esta oposição não
seria um problema de maior se não atravessasse uma parte do PSOE. É
por isso que a iniciativa de Sánchez não diz apenas respeito ao
partido. Um PSOE em “campanha eleitoral permanente” será o elo
fraco da “governabilidade”, pois os seus dirigentes interinos
estarão sempre debaixo de fogo.
O jornalista Enric
Juliana, do La Vanguardia, comentava que a mais importante instância
deste Governo será o “Ministério do Tempo”, cujo titular será
Mariano Rajoy. Porquê? O presidente do Governo poderá dissolver o
parlamento e provocar eleições a partir de Maio de 2017, o mais
temido cenário pelo PSOE e por o Cidadãos. É a mais poderosa arma
de Rajoy.
Os discursos
Mariano Rajoy
declarou: “Não peço um cheque em branco, não peço a lua, peço
um Governo previsível. (...) Não peço o voto para um Governo
multiusos ou carente de orientação”. Disse-se disposto a fazer
“melhorias” na legislação e nas reformas mas avisou: “Não
estou disposto a derrubar o construído.”
Lembrou
sibilinamente as regras do jogo, advertindo o PSOE de que é
contraditório dizer “não gostamos deste Governo mas temos de o
aprovar pela Espanha” e depois bloquear tudo o que o executivo
proponha. Pediu um “compromisso de futuro”, pois “não
poderíamos sobreviver a um Governo que não governe porque lhe
faltam apoios e sobram os obstáculos”.
O líder parlamentar
socialista, Antonio Hernando, prometeu uma oposição “firme, séria
e rigorosa”. Não afastou a possibilidade de o PSOE aprovar o
orçamento de Rajoy. Com condições ao Governo: “Não tem a
maioria absoluta que simulou durante todo este ano. Está em clara
minoria e sob estreita vigilância de todo este Congresso.” Exigiu
uma urgente abertura do diálogo com a Catalunha.
Depois, falando para
sua esquerda, disse: “Nem o senhor nem o seu projecto contam com a
nossa confiança. Não é o presidente que a Espanha merece.”
Denunciou a corrupção e a ruptura da coesão social e territorial
em Espanha. E fez uma denúncia severa do Podemos.
Pablo Iglesias,
líder da coligação Unidos Podemos, fez um discurso “suave”, em
contraste com a postura agressiva das últimas semanas. Denunciou a
governação do PP mas falou sobretudo do futuro: “Mais tarde ou
mais cedo vamos ganhar e aspiramos ser um instrumento político [para
governar] uma nova Espanha”. O que importa é que “a Espanha
mudou numa direccão oposta à vossa. Há um novo país, uma nova
Espanha, jovem, moderna e sem medo.”
Albert Rivera, líder
do Cidadãos, lembrou que o seu partido foi “o único” a
trabalhar desde o primeiro dia para tornar possível um Governo. “Os
espanhóis não podem continuar a esperar.” Exigiu o cumprimento
das 150 reformas acordadas com o PP. E exortou Rajoy “a não ter
medo de governar em minoria”.
“Rodea el
Congresso”
Há uma outra
Espanha que fora do parlamento se manifestou, em grande medida por
iniciativa não assumida do Podemos: “Cerca o Congresso”. Não
teria relevo de maior no quadro da liberdade de expressão. Outra
coisa é o sinal que envia em relação ao Podemos. Iglesias começou
a teorizar uma linha dúplice: combater agressivamente o governo na
rua e no parlamento, denunciando-o como ilegítimo, de modo a levar
ao seu derrube e a novas eleições, em que vislumbra destruir o
PSOE. Iglesias não ignora que tal conduziria a uma provável maioria
absoluta de Rajoy.
Esta estratégia
divide o Podemos. Iglesias tinha previsto juntar-se ao “cerco”
antes do voto, mas à última hora mudou de ideias. Foram outros por
ele.
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