quarta-feira, 19 de outubro de 2016

PCP e BE confrontam Costa com salários "inaceitáveis" da CGD / Perita fiscal do grupo constituído entre Governo, PS e BE bate com a porta / Costa: “Pode ser muito impopular o vencimento, mas não arrisco a má gestão da Caixa”


PCP e BE confrontam Costa com salários "inaceitáveis" da CGD
SOFIA RODRIGUES e MARIA LOPES 19/10/2016 - 17:14 (actualizado às 18:16)

Catarina Martins considera “simplesmente inaceitável” os salários “milionários” dos gestores da CGD.

A coordenadora do BE, Catarina Martins, reiterou que é “simplesmente inaceitável” os salários “milionários” dos gestores da CGD, mas disse que não discute “como a direita” se o presidente do banco público deve ganhar “quatro ou cinco” vezes mais do que o primeiro-ministro.
A declaração inflamada surgiu durante o debate com o primeiro-ministro sobre a preparação do Conselho Europeu. Catarina Martins sugeriu que a bancada irá voltar a trazer o tema à Assembleia da República porque “o assunto não está encerrado”. É que o BE tem um projecto de lei sobre a limitação dos salários dos gestores públicos. A questão virá mesmo ao Parlamento pela mão do PSD.
Perante os apartes que se tinham ouvido da bancada do PSD, Jerónimo de Sousa veio em socorro das propostas do seu partido e atacou a bancada em frente. "Foi hoje discutida na Comissão de Orçamento e Finanças uma proposta do PCP visando limitar os salários dos gestores públicos ao do primeiro-ministro. Resultado? PSD e PS votaram contra, permitindo assim o farto aumento de salários e privilégios", acusou o líder comunista. E pediu: "No mínimo tenham cuidado, vejam o que se passou na comissão antes de mandarem esses apartes."
O social-democrata Duarte Pacheco considera “inaceitável” as remunerações da CGD quando o banco precisa dos “impostos dos portugueses”, referindo-se ao processo de recapitalização. “É uma vergonha”, afirmou, aos jornalistas, no Parlamento. O deputado disse recusar entrar numa “demagogia fácil”, mas adiantou que a bancada vai propor uma alteração ao Estatuto do Gestor Público. O PSD votou, esta manhã em comissão, contra uma proposta do PCP que limitava os salários dos gestores públicos – com tecto máximo a 90% do vencimento do Presidente da República – e essa posição mereceu uma crítica por parte do CDS-PP.
Os centristas acusam os partidos da esquerda e também o PSD de nada fazerem, para deixar tudo na mesma. “Seja o PCP e o BE a arranjarem desculpas para fazerem o favor do PS, seja o PSD a votar contra [a proposta comunista], todos permitiram que os gestores da Caixa continuem sem limites ao salário e sem regras”, afirmou a vice-presidente do CDS, Cecília Meireles. A deputada lembrou que “se a apreciação parlamentar do PSD e CDS [à excepção dos administradores da CGD ao estatuto dos gestores públicos] tivesse sido aprovada pela esquerda o problema já estava resolvido”.
PS critica PSD que votou ao seu lado
Com uma difícil tarefa de tentar criticar o PSD por votar ao lado do PS para reprovar a proposta do PCP, o deputado socialista João Paulo Correia apontou o “desnorte, a incoerência e a demagogia” dos sociais-democratas nesta discussão sobre os salários dos gestores públicos. Se na terça-feira criticaram o facto de o ordenado do novo presidente da CGD ser praticamente o dobro do salário do anterior gestor máximo do banco público, esta quarta-feira votaram ao lado do PS para chumbarem a limitação dos salários dos gestores proposta pelo PCP, argumentou o deputado.
“O PSD votou contra, como o PS, perdendo a oportunidade de seguir o que dissera ontem, de que era desfavorável ao modelo de vencimentos dos administradores da CGD decidido pelo actual Governo”, apontou o deputado socialista, que acusou os sociais-democratas de “comportamento bipolar” e de fazerem um “ataque à estrutura da CGD e ao sucesso da negociação do plano de reestruturação e recapitalização”.
João Paulo Correia defendeu o novo modelo de vencimentos que faz com que o presidente da Caixa tenha agora um salário que é a média dos ordenados dos presidentes do Novo Banco, BPI e BCP. Com o Governo PSD-CDS a regra para a definição dos ordenados dos administradores da Caixa era a média do salário dos últimos três anos das suas profissões antes de entrarem no banco público.

O deputado argumentou que o modelo de vencimentos da Caixa definido pelo Governo de António Costa “é bem mais em conta para o Estado e para os contribuintes”. Disse que essas contas estão feitas, mas, tal como o ministro das Finanças não as revelou, também não será o PS a fazê-lo. Mas depois deixou no ar a ideia de que mesmo que esta equipa de gestão venha a ficar mais cara, isso será dissipado pelo facto de ir conseguir trazer o banco público de volta aos lucros – algo que, fez questão de vincar, a anterior administração não conseguiu durante vários anos.

Perita fiscal do grupo constituído entre Governo, PS e BE bate com a porta
ELISABETE MIRANDA | elisabetemiranda@negocios.pt | 19 Outubro 2016

Glória Teixeira, convidada pelo BE para integrar o grupo de trabalho sobre política fiscal, demitiu-se. Acusa o processo de falta de transparência e lamenta que o Governo tenha ignorado a luta contra a fraude em sede de IRC, enquanto mantém a sobretaxa de IRS.
O grupo de trabalho constituído entre o Governo, PS e o Bloco de Esquerda para propor alterações nos diversos impostos vai continuar a trabalhar no pós-Orçamento do Estado, mas com uma baixa. Trata-se de Glória Teixeira, a perita independente convidada pelos bloquistas para integrar a equipa, que bateu esta quarta-feira com a porta. Motivo: "Ausência de critérios mínimos de transparência" sobre as opções políticas que foram tomadas - e com as quais não concorda.

Foi através de um e-mail a Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, que Glória Teixeira, Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pôs termo à sua colaboração técnica.

Convidada pelo partido em Março para auxiliar a discussão (os grupos sectoriais integram elementos do BE, PS, Governo e convidados independentes de cada um dos lados), Glória Teixeira foi surpreendida com as opções de política fiscal que constam da proposta do Orçamento do Estado para 2017.

Entre os motivos do descontentamento está o facto de o Governo ter decidido manter a pesadíssima carga fiscal sobre trabalhadores dependentes, através da sobretaxa de IRS, e ignorar a luta contra a fraude e abuso fiscais em sede de IRC, à revelia do que tinha sido discutido no grupo de trabalho, sabe o Negócios.

No e-mail que dirige a Catarina Martins, Glória Teixeira alude ao processo de que fez parte para concluir que "não houve uma colaboração séria por parte do Governo", dizendo que ficou sem saber quem é responsável por quais propostas do Orçamento do Estado, e quais os critérios que presidiram à sua escolha. A manifestação de surpresa face à solução final da proposta de Orçamento sugere que boa parte das propostas que lá constam não nasceram no seio do grupo de trabalho, foram, antes, adaptações ou inovações que o Governo resolveu introduzir, ou deixar de fora.

A professora universitária lembra a Catarina Martins que em qualquer país civilizado, as propostas fiscais apresentadas vêm sempre acompanhadas com a indicação da sua fonte ou proveniência e respectiva exposição ou fundamentação.

A equipa das Finanças sai, em seu entender, descredibilizada, não só por não ter prestado a tal "colaboração séria" que se impunha", mas também devido ao facto de a situação do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais desacreditar o País e quem com ele se relaciona.

Em jeito de corolário, Glória Teixeira considera que a sua experiência é reveladora da "falta de transparência do Governo no âmbito do processo legislativo em Portugal".

O grupo de trabalho para rever a fiscalidade, constituído pelo BE e o Governo tinha por objectivo apresentar uma bateria de propostas de alteração aos diversos códigos para serem aproveitados para a proposta de Orçamento do Estado para 2017.

Os trabalhos deste grupo são para continuar, nomeadamente para passar a pente fino o Estatuto dos Benefícios Fiscais, mas, no que ao OE diz respeito, documento, contudo, relevou-se parco em alterações - o Governo chama-lhe o orçamento da "estabilidade fiscal" - e traz uma surpresa de última hora, que acabou por impor-se como solução para financiar o aumento em 10 euros das pensões de reforma até 633 euros de Agosto em diante.

Na área do IRC, as medidas são poucas e, embora não haja nenhuma especialmente poderosa, é mostrada preocupação relativamente à falta de financiamento e subcapitalização do tecido empresarial. E nada se estabelece sobre práticas fiscais abusivas das grandes empresas, numa altura em que a nível internacional o tema domina as agendas políticas, quer ao nível da OCDE quer ao nível europeu.

Aliás, num levantamento feito pela Comissão à escala europeia, e para o qual Glória Teixeira colaborou enquanto perita independente, eram identificadas dez brechas no código do IRC que permitem o chamado planeamento fiscal agressivo.


Costa: “Pode ser muito impopular o vencimento, mas não arrisco a má gestão da Caixa”

António Costa não respondeu à questão durante o dia, mas acabou por ser confrontado com ela durante uma sessão de esclarecimento ao seu partido sobre o Orçamento do Estado para o próximo ano.

A noite desta quarta-feira era para explicar o Orçamento do Estado para 2017 aos socialistas, mas António Costa não escapou ao assunto do dia — que tinha contornado à tarde no Parlamento — dos salários da nova administração da Caixa Geral de Depósitos. A indignação com os vencimentos conhecidos há dois dias surgiu de uma mulher da plateia de socialistas e o líder do partido deixou a questão para o fim da sessão: “Pode ser impopular o vencimento, mas eu não arrisco a má gestão da Caixa”.
“É uma vergonha o salário do presidente da Caixa Geral de Depósitos. Como é possível alguém ganhar tanto dinheiro assim?”, perguntou a militante do partido (tratou António Costa por “meu camarada”) que participava na conferência organizada pela Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do PS, provocando manifestações de desagrado na sala do Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, cheia de socialistas. António Costa não fugiu à questão, como fez durante o dia, e — apesar do esgar que fez quando ouviu a palavra “vergonha” — argumentou:
A Caixa concorre no mercado como todos os outros bancos e tem de trabalhar no mercado como trabalham os outros bancos. Não é possível que tenha um ordenado alinhado pelo vencimento do primeiro-ministro [como pretende do PCP] e não pelo vencimento normal praticado na banca”.
Aliás, Costa disse mesmo que a capitalização da Caixa foi autorizada para que o banco pudesse “funcionar normalmente no mercado e ser o grande estabilizador do nosso sistema financeiro e dar segurança a todos”.
Na pele de secretário-geral do PS, o primeiro-ministro ainda gracejou: “Infelizmente o ordenado do primeiro-ministro é inferior ao praticado na banca”. Para logo a seguir acrescentar: “Se queremos uma Caixa bem gerida, com capacidade técnica e independência, temos de oferecer aos gestores da Caixa as mesmas condições dos gestores dos outros bancos. Se não, estamos a ter um banco a concorrer em condições de mercado inferiores”.
Promessas, pensões e nova taxa (e ainda uma velha)
Foram cinco minutos finais que acabaram por marcar a sessão onde Costa garantiu aos socialistas que “não há nenhuma proposta neste Orçamento que contrarie o que constava no programa eleitoral do PS”. E justificou desde logo os temas mais quentes, detalhando que a nova taxa adicional de IMI vai permitir seis anos extra de equilíbrio para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e que a sobretaxa se mantém além do dia 1 de janeiro do próximo ano (ao contrário do que o Governo tinha aprovado no final do ano passado), mas a proposta do PSD e do CDS era pior.
Na intervenção que fez no início do encontro de socialista, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, em Lisboa, António Costa passou em revista algumas das principais medidas do Orçamento do Estado, dedicando mais tempo ao aumento das pensões, que detalhou dizendo que houve algumas pensões que “apesar do congelamento não tiveram atualizações extraordinárias”, que há pensões mínimas que “nunca tiveram atualização e agora vão ter” e ainda que “não se pode confundir pensões baixas com carências de recursos”.
Em matéria de pensões, neste caso de pensões futuras, o líder socialistas deu uma garantia: seis anos extra de alívio para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Como? Com a receita da taxa adicional do IMI que vai servir para “fortalecer o Fundo” e garantir “não o pagamento das pensões de 2017, mas das pensões futuras”, disse Costa, fazendo contas à nova receita:
Permitiu alargar em seis anos o Equilíbrio do Fundo de Estabilização da Segurança Social, para mais de metade da década de 40 deste século”.
Já quanto à sobretaxa de IRS — que afinal vai manter-se — Costa nem chegou a ser questionado pelos socialistas que o viram aprovar no final do ano passado uma lei a definir que a cobrança acabava totalmente no dia 1 de janeiro de 2017. Mesmo assim, o socialista antecipou argumentos, começando pela parte do copo meio cheia: “Fazer um Orçamento implica ter objetivos e fazer escolhas. Podíamos ter decidido não criar o adicional do IMI ou não acabar com a sobretaxa para ninguém”. Mas logo a seguir lembrou que apesar de a sobretaxa só deixar de existir, para todos os escalões, em dezembro de 2017, “a proposta da direita era manter a sobretaxa até ao final da legislatura”.
E também explicou que a lógica em matéria fiscal foi “não aumentar os impostos que todos pagam e aumentar os que só alguns pagam”, referindo-se especificamente às alterações aos impostos sobre refrigerantes ou sobre os cartuxos de balas. Sobre a duplicação da taxa aplicada ao alojamento local (para a aproximação ao arrendamento normal), Costa justificou-a com o bom desempenho do setor do turismo, considerando que isso não afetará o mercado: “Está aí o turismo para puxar pelo alojamento local”. Uma posição que, momentos depois, havia de ser partilhada também perante o auditório pela secretária de Estado do Turismo, que Costa convidou a falar sobre este tema e que ainda acrescentou que até agora “apenas 15% do rendimento era tributável” e passou a 35%. “Este ano já foram legalizadas “10 mil unidades de alojamento local”, contabilizou ainda Ana Mendes Godinho.
Num resumo, Costa disse que o Orçamento que apresentou tem cinco marcas:
Aumentar o rendimento disponível das famílias – aqui o primeiro-ministro inclui o fim faseado da sobretaxa de IRS ao longo do ano, a extinção da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, a atualização dos escalões de IRS de acordo com a inflação, a continuação do aumento do salário mínimo, o desbloqueio da contração coletiva, mas principalmente do aumento das pensões: tanto a atualização de acordo com a lei de bases (de acordo com a inflação) como o aumento extraordinário de dez euros em agosto (excluindo pensões mínimas).
Voltar ao investimento – “aumentar o investimento público” e “melhorar o investimento privado” ;
Reforçar a sustentabilidade da Segurança Social – o objetivo é reforçar as fontes de financiamento da Segurança Social e é neste ponto que Costa refere a criação do Adicional ao IMI e em como a receita que daí vier será usada para aliviar, em seis anos, a pressão sobre o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social;
Competitividade – a “chave é investir na ciência e na cultura”, garantiu o líder socialista;
Dinamizar a economia – aqui o socialista admite que o “contexto não é favorável”, mas justifica a desaceleração do crescimento da economia com a revisão em baixa.
O socialista ainda guardou uns minutos para falar dos “compromissos assumidos com o PCP, Bloco de Esquerda e Verdes” que “não contrariam” o programa do PS e que cumpriu “tudo” desses acordos que seguram o Governos socialista no Parlamento. E que, apesar das divergências em matérias europeias entre os parceiros, o Governo “cumpriu as regras que estão em vigor e continuará com a redução do défice nominal e estrutural. Cumpriremos os compromissos com a União Europeia”, disse a mais de uma centena de socialistas que o ouviam.

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