Cavaco
pagou metade do IMI que devia ter pago durante 15 anos
JOSÉ ANTÓNIO
CEREJO 01/10/2016 – PÚBLICO
A
casa de Albufeira do ex-Presidente da República foi reavaliada pelas
Finanças no ano passado. O valor patrimonial quase duplicou face ao
que constava da caderneta predial em 2009. Os dados fornecidos por
Cavaco não eram verdadeiros.
Em 2009 a Autoridade
Tributária considerava que a casa de Cavaco Silva, Gaivota Azul, na
praia da Coelha, concelho de Albufeira, tinha um valor patrimonial de
199.469 euros. Em 2015, os mesmos serviços fiscais reavaliaram a
mesma casa e chegaram a um valor muito diferente: 392.220 euros.
Uma consequência
dessa reavaliação foi um enorme aumento do imposto a pagar por
Aníbal Cavaco Silva. O Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) devido
este ano pelo proprietário da moradia da Coelha quase que duplica os
valores habitualmente pagos desde 2000. O ex-Presidente da República
deverá já ter desembolsado 1372 euros, quando em 2010, por exemplo,
se ficou pelos 797. Mas se a Câmara de Albufeira não tivesse
reduzido no ano passado a taxa do IMI de 0,5 para 0,35%, este ano
teria de pagar 1961 euros – mais 146% do que pagou em 2010.
O enorme agravamento
fiscal sofrido pelo antigo presidente do PSD não foi, porém, o
resultado do “brutal aumento de impostos” que atingiu a maioria
dos portugueses em 2012. Neste caso, o contribuinte deixou apenas de
beneficiar do facto de, em 2000, ter fornecido às Finanças dados
errados quanto à casa, a sua área e características, que fizeram
cair para perto de metade os impostos por ele devidos.
Isto porque, com
base nos elementos fornecidos ao fisco em 2000, ano em que o imóvel
foi inscrito na matriz, o seu valor patrimonial tributável – sobre
o qual incide a taxa do IMI estabelecida pelos municípios entre um
mínimo de 0,3 e um máximo de 0,5% – foi fixado pelas Finanças
muito abaixo do que devia ter sido se os dados fornecidos fossem os
reais.
De acordo com a
caderneta predial obtida pelo PÚBLICO em 2012 e emitida nesse ano, a
moradia, denominada Gaivota Azul, tinha um valor patrimonial de
199.469 euros pelo menos desde 1999. Para chegar a esse valor, as
Finanças serviram-se de uma declaração (antigo Modelo 129)
entregue pelo contribuinte, conforme determinava a lei então em
vigor. Essa declaração descreve uma propriedade composta por uma
moradia com uma área coberta de 252 m2 e uma área descoberta de
1634 m2. Só que essa moradia, como o PÚBLICO revelou no início de
2011, nunca existiu. A Câmara de Albufeira aprovou o seu projecto
com uma área bruta de construção de 318 m2, em dois pisos, e
emitiu a respectiva licença de construção em 1994, quatro anos
antes de Cavaco adquirir a propriedade. Essa casa, todavia, nunca foi
construída. Mas foi sobre essa ficção que o contribuinte Aníbal
Cavaco Silva pagou a Contribuição Predial entre 2000 e 2003 e o
IMI, imposto que a substituiu, desde então, até 2015.
A Gaivota Azul,
essa, conforme consta do projecto aprovado em 1997, ainda em nome da
empresa então proprietária, tem uma área de implantação de 464
m2, uma área bruta de construção de 620 m2 e três pisos. Ou seja:
quase o dobro da área bruta de construção e da área de
implantação que serviram para determinar o valor patrimonial, a
Sisa e a contribuição predial/IMI a pagar.
A caderneta predial
da Gaivota Azul actualizada no ano passado pelas Finanças e ainda em
vigor veio entretanto clarificar o essencial, sem deixar margem para
dúvidas: o imóvel sobre o qual Cavaco foi taxado durante 15 anos
não tem nada a ver com aquele de que é proprietário.
Conforme se lê na
caderneta predial actual, a que o PÚBLICO teve recentemente acesso,
a Gaivota Azul (Lote 18 da Urbanização da Coelha) foi mais uma vez
avaliada em 2013, sendo-lhe atribuído o valor patrimonial de 392.220
euros, já em 2015. Os dados inscritos no documento são agora os
verdadeiros (464 m2 de implantação, 620 m2 de área bruta de
construção e três pisos). Como consequência, o IMI devido este
ano subiu para 1372 euros.
O PÚBLICO dirigiu
várias perguntas a Cavaco Silva há duas semanas, mas, tal como fez
em 2011, o ex-Presidente nada respondeu.
De acordo com o que
se lê na caderneta predial, a nova avaliação que fez aumentar o
valor patrimonial, agora com base em elementos verdadeiros, teve
origem numa declaração modelo 1 do IMI (que substituiu o antigo
modelo 129) entregue em Fevereiro de 2013. Isso significa que a
reposição da verdade poderá ter sido da iniciativa do próprio
contribuinte. No entanto, o facto de em 2012 ter havido uma avaliação
geral de todos os imóveis que nunca tinham sido avaliados depois de
2003, determinada pelo Governo e apenas com intervenção do fisco e
dos municípios, também torna plausível a hipótese de o impulso da
correcção ter partido dos serviços das Finanças. Uma coisa é
certa: a avaliação geral de 2012 levou a um aumento médio de 34%
no valor fiscal dos imóveis em Portugal, uma percentagem muito
inferior ao aumento de 97% registado na Gaivota Azul.
Esta e outras
questões, entre as quais o facto de a área total do terreno agora
inscrita na caderneta ser de 1638 m2, quando ela é de 1891 m2, tal
como constava da caderneta anterior e consta do registo predial,
continuam por esclarecer.
O PÚBLICO também
não conseguiu apurar se as Finanças exigiram a Cavaco Silva o
diferencial entre os impostos por ele pagos desde 2000 e aqueles que
devia ter pago.
Na impossibilidade
de aceder aos processos de avaliação, os dados inscritos na actual
caderneta predial tornam ainda mais intrincado todo este caso e mais
incompreensível o teor do comunicado emitido pela Presidência da
República em Fevereiro de 2011. Na sequência das notícias
divulgadas pelo PÚBLICO e pela Visão, e logo a seguir às eleições
presidenciais desse ano, o comunicado garantia que Cavaco pagou 8133
euros, em data não indicada e a título de imposto de Sisa, pela
permuta, realizada em 9 de Julho de 1998, através da qual se tornou
dono da Gaivota Azul.
Nessa data, Aníbal
Cavaco Silva trocou com a Constralmada, uma empresa de que era sócio
o seu amigo Fernando Fantasia (construtor civil que detinha parte da
OPI 92, uma das sociedades envolvidas no escândalo BPN) a sua
vivenda Mariani, em Montechoro, pela Gaivota Azul, no empreendimento
da Aldeia da Coelha (cujo loteamento também tinha sido promovido por
um amigo de infância de Cavaco Silva, e seu colaborador em São
Bento, Teófilo Carapeto Dias).
Na escritura, Cavaco
e a empresa de Fernando Fantasia atribuíram a ambas as casas, ainda
que muito diferentes, o mesmo valor: 135 mil euros. Como se tratou de
uma permuta directa, em que as duas casas foram avaliadas pelos
respectivos donos com o mesmo valor, a transacção, numa primeira
fase, ficou isenta de imposto de Sisa.
Logo a seguir,
porém, as Finanças desencadearam um primeiro processo de avaliação
da Gaivota Azul, obrigatório por lei, tendo em conta que moradia
estava omissa na matriz, não dispondo por isso de valor patrimonial
atribuído aquando da escritura.
Cavaco Silva foi
então informado de que devia pagar Sisa, uma vez que a Gaivota Azul
era mais valiosa do que a Mariani. A Sisa devida, à taxa de 10%, foi
calculada pelo diferencial de 81.330€ entre o valor patrimonial que
as Finanças atribuíram à Gaivota Azul e o valor patrimonial da
Mariani. Como o valor patrimonial da Mariani à data da escritura era
de apenas 7876 euros, terá de se concluir que as Finanças começaram
por avaliar a Gaivota Azul em menos de 90 mil euros.
Todavia, os dados
inscritos na caderneta predial de 2012 evidenciam que o valor
patrimonial desta moradia, fixado em 2009 em 199.469 euros, teve
origem numa reclamação apresentada por Cavaco Silva no início de
2000 – meses depois da avaliação que deu origem ao pagamento da
Sisa de 8133 euros – contra o resultado de uma segunda avaliação,
provavelmente motivada pelo facto de a casa ter sido entretanto
concluída.
Para que Cavaco
tenha reclamado do valor desta última avaliação em 2000,
reclamação à qual juntou o projecto autenticado pela Câmara de
Albufeira da casa que nunca foi construída, presume-se que o valor
da segunda avaliação fosse igual ou superior a 199.469 euros.
Ou seja: as Finanças
já avaliaram a casa de férias do ex-Presidente pelo menos três
vezes nos últimos 18 anos e o seu valor sofreu um acréscimo de mais
de 300 mil euros. Numa primeira vez chegaram à conclusão de que a
casa valia menos de 90 mil euros (1999), um ano depois aumentaram
esse valor e o próprio Cavaco Silva reclamou da nova avaliação que
acabaria por ser fixada em 199.469 euros. Finalmente, no ano passado,
a Gaivota Azul sofre nova apreciação significativa, valendo agora,
para a Autoridade Tributária, mais de 392 mil euros.
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