sexta-feira, 5 de agosto de 2016

O Brasil, depois dos Jogos


O Brasil, depois dos Jogos

Direcção Editorial
05/08/2016 – 00:30

Quando a festa acabar, impõe-se despoluir o ambiente político

Talvez nunca tenha havido uns Jogos Olímpicos envolvidos em tanta polémica, em que o país hospedeiro estivesse a viver uma crise social e política tão grave e em que as expectativas sobre a forma como a organização vai assegurar o bom funcionamento de um evento desta magnitude fossem tão baixas. Mas, no fim, talvez acabe por dar tudo certo, porque, como diz Luiz António Simas no texto de Kathleen Gomes, o brasileiro "é meio bipolar" na sua incapacidade de moderar emoções: "ou ele acha que nós somos os maiores que ninguém segura, ou então a gente se sente a mosca que fica no cocó do cavalo do bandido". Então, quem sabe se quando a festa começar todas as desgraças não serão esquecidas e o rufar dos tambores do samba acabe por deixar para trás o Zika e a dengue, a poluição impensável da baía de Guanabara, os desalojados da favela expulsos pelos bulldozers, os hospitais sem condições, a falta de transportes... um rol feito da realidade de um quotidiano em que não faltam razões para a revolta e que (também) explica a violência das ruas.

Mas talvez nunca como agora a consciência colectiva dos brasileiros esteja ciente de que a festa é apenas uma ilusão, uma cortina de fumo que não vai apagar a dimensão dos problemas com que eles estão confrontados e que só eles podem resolver. O maior de todos é, sem dúvida, a crise política, que é sistémica porque toca os três poderes — legislativo, executivo e judicial —, e à qual se junta o peso insustentável de uma corrupção que condiciona toda a sociedade, promovendo as desigualdades, a discriminação e o atraso social.

A face visível desta crise é o controverso processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff e a sua substituição por Michel Temer, um político sob investigação sentenciado à condição de inelegível por oito anos pelas autoridades judiciais. Talvez por isso o poder instituído nem queira ouvir falar de novas eleições, único método de legitimação política e, consequentemente, a fórmula sem a qual não é possível despoluir o ambiente. Só para começar.

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