"Vamos ser implacavelmente do contra; vamos ser implacavelmente independentes"
Bonecos do Contra-Poder dão uma ajudinha à reflexão e crítica políticas
Por Maria Lopes in Público
São simples bonecos manipulados mas a sua língua é bem afiada. Voltam agora na SIC Notícias e na SIC Radical, mais longe das audiências, para mais uns retratos da política portuguesa
Só regressaram ontem à noite à televisão, mas os bonecos do Contra-Poder já têm uma ameaça de processo. Um político não terá gostado de se ver entrevistado pela voz de um boneco na antena da SIC Notícias e avisou que tenciona ir para tribunal. Mas isso é uma espécie de elogio para os autores. Frederico Pombares, um dos três guionistas, diz que o objectivo é que "desta vez os políticos não queiram ficar com os bonecos". "A nossa ideia não é ser irónico ou sarcásticos. É tão-só fazer rir", acrescenta Henrique Dias, que se assume, com Pombares e Roberto Pereira, como os "únicos responsáveis pelos disparates".
"Vamos ser implacavelmente do contra; vamos ser implacavelmente independentes", prometia ontem a produtora e dona da Mandala, Mafalda Mendes de Almeida, na apresentação e estreia do programa que passa por volta das 21h na SIC Notícias e na SIC Radical (e depois repete durante o dia). A produtora não se cansa de repetir que o programa, a abordagem (vão ter mais espaço nas redes sociais, por exemplo) e os bonecos são novos. Mas a verdade é que o Contra tem já um longo historial de sucesso que não é de esquecer. Começou pela SIC com os velhinhos Jornalouco (diário) e Cara Chapada (semanal), e depois deu o salto para a RTP1, onde durante 15 anos caricaturou a sociedade e, em especial, a política portuguesa com o Contra-Informação.
O conceito bebeu, então, inspiração no britânico Spitting Images. Os bonecos do Contra rapidamente ganharam vida própria - e fãs e inimigos. Mafalda Mendes de Almeida confessou muitas vezes ter recebido cunhas e pedidos directos e indirectos de personalidades que queriam ter o seu boneco. Mas não era boneco quem queria - só quem merecia.
Para já, 20 mereceram. São personalidades novas - ou não tivesse Portugal um novo Governo e não estivesse sob o jugo de outros protagonistas internacionais. Frederico Pombares gosta especialmente de escrever para Maquiavel Relvas - cujo vídeo a cantar o Grândola, vila morena, divulgado na Internet para servir de teaser para o programa tem feito sucesso - e para Ai Jesus, o treinador benfiquista. Entre os novos personagens estão os indispensáveis Caco Coelho, Vítor Rapar, Asseguro, Não Dá Cavaco e Lengalenga Merkel - os originais, presume-se, não necessitam referências.
A actualidade, a matéria-prima por excelência - e que "é cada vez mais sumarenta", vinca Mafalda Mendes de Almeida -, é analisada logo de manhã, nos jornais, sites, noticiários. "Temos que ter a informação correcta, por mais estranhas e disparatadas que as coisas sejam, para a podermos extrapolar" para o terreno do humor, diz Henrique Dias. As vozes são de João Canto e Castro, Mila Belo, Bruno Ferreira e Rui Pimpão; a realização é de Filipe Portela, e os bonecos saem todos das mãos de Pablo Bach.
A estreia do Contra-Poder - os membros do Governo foram convidados, mas nenhum compareceu - é uma medida do memorando, dizia ontem Cacos Coelho e quanto a custos,
Vítor Rapar lamentava que "o programa vai custar muito porque eles não vão poupar ninguém". "Os tempos não podiam ser mais propícios" para um programa com a filosofia do Contra- Poder, diz o director da Sic Notícias. "A realidade pode ser uma concorrente muito séria para quem quer fazer humor", afirma António José Teixeira.
Uma receita que é preciso aplicar à política. O politólogo André Freire considera que o humor político permite "determinadas liberdades que não se podem ter fora dos limites do humor, sobretudo na forma como os políticos são tratados". É saudável essa "dessacralização dos políticos e a reflexão crítica e mordaz sobre o universo da política e dos políticos" que este tipo de humor possibilita.
Num momento em que as pessoas "andam desencantadas com os políticos e estão, ao mesmo tempo, mais mobilizadas" para iniciativas informais, o humor político terá até mais receptividade, prevê André Freire. Para os protagonistas reais, estas caricaturas podem até ter algum impacto: o politólogo lembra o caso de Cavaco Silva que teve aulas de dicção com Glória de Matos na sequência da sua caricatura. Em última instância, o humor pode ser sempre um contra-poder: "É um elemento de estímulo à reflexão e à crítica política e das políticas."
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