A
saída limpa e o défice sujo
As
receitas extraordinárias têm sido o balão de oxigénio de todos os
ministros das Finanças, sem excepção. Só que à medida que os
anos passam e a dívida do país aumenta – e ela aumentou uns
espantosos 9,5 mil milhões de euros só em 2016 –, a situação
vai-se agravando de forma dramática.
João Miguel Tavares
António Costa nunca
perde uma oportunidade para sublinhar que a famosa saída limpa do
programa de assistência da troika, em Maio de 2014, foi uma fraude,
e que Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque andaram a fazer o
teatrinho do bom aluno. Ainda recentemente afirmou isso mesmo numa
entrevista à RTP, a propósito da situação em que se encontra a
Caixa Geral de Depósitos: “O que aconteceu no passado foi
maquilhar uma situação que permitisse anunciar uma saída limpa.
Assim que a saída limpa aconteceu, começaram a surgir os
problemas.” Essa ideia já tinha sido expressa em Março de 2016:
“A saída limpa saiu muito cara a Portugal, tal a forma como o
governo anterior escondeu e adiou a resolução de problemas
fundamentais no sector financeiro.” E também em Dezembro de 2015,
em pleno caso Banif: a venda do banco não aconteceu quando deveria
só para a saída limpa não ser perturbada. Daqui podemos tirar duas
conclusões. Conclusão um: “a saída limpa de 2014 foi maquilhada”
é um dos mantras políticos favoritos de António Costa. Conclusão
dois: António Costa não aprecia maquilhagens.
Eu compro
parcialmente a conclusão número um. Admito que muitos problemas, em
particular os da banca, foram empurrados com a barriga para Portugal
fazer o número do país cumpridor em 2014, e conseguir uma saída do
programa à irlandesa, e não à grega. Mas se compro parcialmente a
conclusão número um, tenho alguns problemas com a consistência da
conclusão número dois. Será que António Costa não gosta mesmo de
contas maquilhadas, em geral, ou apenas censura maquilhagens alheias,
enquanto despeja o stock inteiro da Sephora sobre as suas próprias
contas? Expliquem-me, por favor, como é que um homem tão íntegro
na sua matemática macroeconómica, tão defensor da transparência
das contas do Estado, tão naturista no princípio da nudez das
finanças públicas, consegue apresentar um défice de 2,3% para
2016, ao mesmo tempo que garante nunca ter sido obrigado a executar
qualquer plano B e o seu ministro das Finanças jura a pés juntos
que a redução do horário de trabalho da função pública para as
35 horas custou zero euros aos cofres do Estado? Isto não é
maquilhagem? Claro que não – e Michael Jackson nunca fez uma
operação plástica na vida.
Não é por acaso
que a defesa que António Costa fez dos seus próprios números há
uma semana no Parlamento foi uma desgraça. É porque este 2,3%, “o
défice mais baixo da democracia”, não significa coisa alguma para
qualquer pessoa ou instituição que olhe com seriedade para as
contas do país. É por isso que os ratings das agências não mexem
e continuamos com a cabeça enfiada no lixo. O Fórum para a
Competitividade garantiu que sem PERES, sem medidas pontuais e sem
cortes brutais no investimento público – ou seja, se o PS tivesse
realmente cumprido o seu magnífico programa de governo – o défice
em 2016 teria ficado nos 3,4%. De estrutural este défice tem zero.
Dir-me-ão: não é a primeira vez que isto acontece. Com certeza. As
receitas extraordinárias têm sido o balão de oxigénio de todos os
ministros das Finanças, sem excepção. Só que à medida que os
anos passam e a dívida do país aumenta – e ela aumentou uns
espantosos 9,5 mil milhões de euros só em 2016 –, a situação
vai-se agravando de forma dramática. A saída de 2014 não foi tão
limpa quanto a venderam, de facto. Mas enquanto este governo andar
por aí vamos ter défices sujos todos os anos.
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