JP Morgan avisa: a democracia é um problema a resolver
Daniel Oliveira in Expresso online
8:00 Quarta feira, 10 de julho de 2013
Em 2014, instituições europeias, FMI e a banca nacional deterão 80% da dívida soberana portuguesa. O que quer dizer que os credores privados internacionais, que em 2008 detinham 75% da nossa dívida, se puderam, à custa dos nossas sacrifícios e dos contribuintes europeus, livrar dela. Daqui a um ano terão apenas 20%. Foi este o verdadeiro resgate dos últimos anos. Um resgate à banca internacional. Não serviu para pagarmos as nossas dívidas. Até devemos mais do que antes. Serviu para que elas mudassem de mãos. Ou sendo transferidas para dentro do País ou sendo transferidas para instituições europeias e internacionais que têm os instrumentos políticos para nos obrigar a pagar tudo até estarmos exauridos. Coisa que, lamentavelmente, faltava a estes credores internacionais que são, vale a pena recordar sempre, os grandes responsáveis pela crise financeira que criou as condições para a insustentabilidade das dívidas públicas.
Entre as maiores instituições financeiras internacionais está a JP Morgan. É líder mundial em serviços financeiros e uma das maiores instituições bancárias dos Estados Unidos. Um ano depois de ter sido considerada a maior empresa do mundo, pela Forbes, teve perdas bilionárias em operações de crédito desastrosas, sendo alvo de investigações do FBI e da autoridade dos serviços financeiros do Reino Unido. É uma das principais beneficiadas pelos contratos swap feitos pelas empresas públicas portuguesas e tem a seu cargo a pasta da privatização dos CTT. Foi um dos maiores criadores de derivativos de crédito, fundamentais para perceber a crise que começou em 2008. É por isso interessante saber o que pensam estes senhores. Não apenas sobre a situação económica da Europa, mas sobre política. E sobre qual a melhor forma de regime para estas empresas poderem continuar a prosperar às custas da nossa desgraça.
Num relatório de 28 de Maio sobre a zona euro, a JP Morgan reconhece que há duas dimensões na relação política e institucional com esta crise: a europeia, que passa por novas instituições para a zona euro, e as nacionais, que, dependendo, ao contrário da primeira, do voto e da democracia, cria mais problemas. A Alemanha pensa, recorda a instituição financeira, que os problemas financeiros, legais, constitucionais e políticos das Nações terão de ser resolvidos antes de uma maior integração, onde se inclui a criação dos eurobonds. É na intervenção ao nível nacional, e não no espaço europeu, que estará o primeiro passo para reolver a crise do euro. Porque são os bloqueios nacionais para as reformas necessárias que fazem a Alemanha temer que qualquer processo de integração traga a crise para a sua própria casa. Só poderá haver mutualização do fardo desta crise quando os países que a sentem mais fortemente resolverem os seus problemas estruturais que estiveram, na narrativa alemã, na origem de tudo isto.
Até aqui, nada de novo. É a tese da própria Alemanha. Interessa, agora, saber que bloqueios são estes e em que momento estamos da sua resolução. Há a dívida pública, que não pode ultrapassar os 60% do PIB e os défices estruturais, que têm de se ficar pelos 0,5%. Tirando a Alemanha, Luxemburgo, Estónia, Áustria e Finlândia, o resto da Europa está a meio caminho. Ainda há muita austeridade para aplicar. O "ajustamento" das economias, para que sejam mais competitivas e melhorem as suas balanças comerciais, também ainda não terá chegado ao fim. Resolver o problema do mercado imobiliário (aquele que a banca alimentou durante décadas), em Espanha e na Irlanda, estará, dizem os peritos da JP Morgan, a um quarto do caminho. Quando à desalavancagem dos bancos, e olhando para os 36 maiores da zona euro (que correspondem a 60%), a JP Morgan está satisfeita. Como se sabe, o empenho da Europa em salvar o sistema bancário foi assinalável. Quanto às "reformas estruturais", apontam-se como pecados europeus a rigidez das leis laborais (a que, como de costume, atribuem as altas taxas de desemprego de longa duração), o excesso de intervenção do Estado na economia e o excesso de burocracia. Pede-se, acima de tudo, liberalização das leis laborais e maior flexibilidade nas decisões judiciais. Mais uma vez, nada de novo: a agenda é conhecida.
Resta a reforma política, onde, segundo a JP Morgan, está quase tudo por fazer. E é aí que o discurso se torna mais interessante. As constituições dos países periféricos terão, segundo o olhar da JP Morgan, demasiadas "influências socialistas". E o seu sistema político tem uma marca do peso dos partidos de esquerda, fortalecidos depois da queda dos regimes fascistas. Entre essas marcas estão "governos fracos", "Estado central fraco em relação às regiões", "proteção constitucional dos direitos laborais" e "direito de protesto contra alterações indesejadas ao status quo político". Traduzindo por miúdos: temos excesso de democracia. O que tem levado os governos que têm de fazer reformas fiscais e económicas a ter de lidar com constrangimentos constitucionais (Portugal), com o poder excessivo das regiões (Espanha) e com o crescimento de partidos populistas (Itália e Grécia). São necessárias reformas políticas para vencer estas influências nefastas do socialismo e da esquerda, onde se inclui o direito ao protesto. Felizmente, celebra a JP Morgan, há um "reconhecimento", por parte dos governos europeus, deste problema.
Claro que todo o esforço necessário para vencer a crise, que o sistema financeiro criou e para o qual nos insinua como receita o enfraquecimento das democracias nas periferias da Europa (escrevi aqui ontem que a democracia nos tirava credibilidade junto dos mercados), pode ir por água a baixo se as "reformas políticas" não forem feitas com firmeza. Diz a JP Morgan, que tudo pode desmoronar se houver um colapso político dos governos que estão a fazer "reformas" na Europa do sul, um colapso do apoio ao euro e à União Europeia, a vitórias eleitorais de partidos antieuropeístas radicais ou uma ingovernabilidade em estados membros afectados pelo desemprego. Por enquanto, descansa-nos a JP Morgan, nenhum destes cenários parece provável a curto prazo.
Não é possível, têm os senhores da JP Morgan toda a razão, levar esta revolução social e política a bom porto em democracias constitucionais em funcionamento pleno. Democracias em que, por exemplo, os governos tenham de dividir poder, o direito ao protesto e a proteção dos direitos laborais tenham lugar. Concordando com os especialistas da JP Morgan, mas pondo-me, seguramente por excesso de "influência socialista", do lado da democracia, só posso concluir isto: ou combatemos da ditadura da banca, vergonhosamente representada por políticos sem escrúpulos e eurocratas sem legitimidade, ou teremos de lidar com os governos autoritários com que os rapazes da JP Morgan sonham. Que cada um faça a sua escolha.
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