"A experiência de Lisboa devia poder ter projecção noutras instâncias".
António Costa O candidato socialista a Lisboa quer fazer da capital uma cidade anticrise. Com mais pessoas, mais emprego, menos impostos e ensaiando consensos com outras forças políticas. Mas não garante se fica até ao fim
Aos 52 anos, António Costa é, pela terceira vez,
candidato à Câmara de Lisboa. Olhado como uma eterna reserva para a liderança do
PS e até para a liderança de um governo, o socialista recusa-se a fazer leituras
da crise. Mas diz que a sua gestão é alternativa às políticas de Passos
Coelho.
Que sucessos tem para apresentar como presidente?
Nestes anos, conseguimos provar que é possível ter uma estratégia de intervenção na cidade que permita compatibilizar a consolidação das nossas finanças municipais com uma estratégia que apostou na valorização dos serviços públicos, na educação, nas creches, grande investimento nos espaços públicos e a reorientação da actividade municipal, designadamente na área do urbanismo, para recentrar na área da reabilitação urbana. E, sobretudo, uma visão da cidade como um conjunto. Uma cidade que tanto valoriza o Terreiro do Paço como valoriza a Mouraria, a Bica ou os bairros municipais.
O que não conseguiu fazer?
Infelizmente, nunca se consegue fazer tudo. O maior insucesso, claramente, é não ter ainda conseguido do Estado a transferência das competências relativas aos transportes públicos e ao policiamento do trânsito, que é algo absolutamente essencial para a gestão da cidade.
Um dos desafios de cidades como Lisboa é atrair habitantes para o centro...
É o objectivo de Lisboa. Lisboa é o concelho do país que em quatro décadas mais se desertificou. Mais nenhum concelho do país perdeu 50% da população. Entre 1961 e 2001, Lisboa perdeu 50% da sua população. Daí que tenhamos uma prioridade muito clara, que está no nosso Plano Director Municipal, na Carta Estratégica e no Documento Lisboa 2020, onde se enuncia de forma simples: mais pessoas, mais empregos, melhor cidade. Nós temos de ter melhor cidade para atrair empresas e pessoas, temos de ter mais empregos para ter mais pessoas e precisamos de mais pessoas para que haja mais emprego. Os Censos de 2011 revelam que esta última década foi a primeira em que se inverteu a diminuição do número de famílias na cidade de Lisboa. Pela primeira vez em 50 anos tivemos um crescimento do número de famílias. E esse, verdadeiramente, é o critério mais relevante que o número de habitantes. Hoje temos menos fogos devolutos, mais casas ocupadas, mais famílias a residir, apesar de ainda não termos mais população.
Mas na Baixa a habitação está a ser substituída por hotéis e o comércio a fechar.
Primeiro: qual é o ponto de partida? É uma Baixa desertificada. Porque ao longo de décadas foi sendo ocupada pelas companhias de seguros e bancos, expulsando as pessoas. Esses serviços foram-se deslocalizando para os Taguspark e esses edifícios foram ficando vazios. Aquilo a que temos vindo a assistir na Baixa é uma dinâmica nova, da reocupação dos espaços devolutos na Baixa. Essa dinâmica traduz-se em vários factores. Tem, por um lado, uma renovação do ciclo comercial, que está neste momento a acelerar-se com a nova lei das rendas, que, de facto, pôs a faca na garganta a muitos estabelecimentos comerciais que não têm condições de sobreviver com a nova lei das rendas. E começa a assistir-se na Baixa - e se não estivéssemos no contexto de crise económica em que estamos seria mais notório ainda - a um processo a que já assistiu no Chiado, na Rua Nova do Almada, na Rua do Carmo e a que já se assiste na Rua do Crucifixo, que é a entrada na Baixa de um novo tipo de comércio, diferente do que existia antes. Ao mesmo tempo, está a verificar-se uma reocupação dos prédios vazios. Gostava de chamar a atenção para o seguinte: desde o PDM de 1994 que o uso urbanístico habitação é compatível com o uso urbanístico hotelaria. Aquilo que dá vida ao centro da cidade tanto pode ser uma coisa como a outra.
Considera que é o mesmo ter um hotel ou um prédio com pessoas a viver nele?
Entre ter habitação de luxo, como temos no Chiado, ou ter ocupação hoteleira, desde os hostels mais premiados a hotéis de cinco estrelas, aquilo que contribui para a dinâmica, não tenho dúvida que o turismo contribui significativamente. E o turismo é uma das bases económicas fundamentais da cidade de Lisboa. O que não podemos ter é uma Baixa deserta à espera desse milagre que é o centro da Baixa passar a ter o custo de metro quadrado compatível com rendas acessíveis. Isso tem de acontecer, sim, noutras zonas. E por isso nós temos de olhar para a Baixa como um conjunto. E chamo a atenção para o seguinte: o novo PDM favorece a instalação dos usos habitacionais. E as políticas que temos adoptado na Baixa também o favorecem. Quando decidimos estabelecer em parte do antigo Tribunal da Boa Hora um jardim-de-infância e uma escola do primeiro ciclo, é porque sabemos que não haverá famílias na Baixa, se não houver escola. Quando decidimos fazer no antigo Mercado do Chão do Loureiro não só um parque de estacionamento mas também um supermercado, decidimos por saber que não é possível habitar na zona, se não houver um comércio que abasteça as pessoas no dia-a-dia. O que fizemos foi fixar qual o grau de terciarização da Baixa de forma a preservar espaços para uso habitacional ou usos compatíveis como o da indústria hoteleira.
Há quem diga que a Câmara de Lisboa equilibrou as contas à custa de acordo com a administração central e com o Governo Sócrates, como os terrenos do aeroporto, e que por sua vez é condescendente com a empresa pública Estamo. Como vê essa acusação?
Isso é um disparate! Primeiro, as contas da câmara estão hoje equilibradas porque tivemos coragem, logo em 2007, de cortar na despesa e temos tido uma gestão rigorosa da câmara. O ano passado atingimos o nível de endividamento líquido a 0%, reduzimos o IMI num contexto em que todos os impostos estão a subir no país, somos, segundo o INE, a entidade que mais investimentos está a realizar em todo o país. E aumentámos todos os apoios quer à cultura, quer à acção social. Um exemplo: enquanto o Governo aumentou as rendas sem criar subsídio de renda, nós estamos a criar subsídio municipal de renda para as pessoas que não têm condições de suportar o arrendamento.
E os terrenos do aeroporto?
O contencioso com o Estado sobre os terrenos do aeroporto iniciou-se em 1989, com o presidente Nuno Krus Abecasis. Ao longo de anos muita gente tentou, sem conseguir, resolvê-lo. Nós conseguimos e fizemo-lo depois de conseguir registar em nome da câmara todo o perímetro aeroportuário. Vendemos os terrenos ao Estado pelo preço das avaliações. Não foi nenhum favor que o Estado fez. Já tinha feito a opção de privatizar a empresa e não podia fazê-lo sem ter comprado. E isto não foi com o Governo Sócrates, foi com este Governo.
E a Estamo?
A Estamo é uma empresa pública à qual o Estado tem vendido vários activos imobiliários. Temos imposto sempre uma regra fundamental que é a do interesse da cidade. Apreciamos o conjunto das iniciativas, exigindo o conjunto das contrapartidas e das cedências que são exigidas a qualquer promotor. Isso tem permitido ficar com um conjunto de activos que de outra forma iriam ser eliminados. Dou um exemplo: o Estado vendeu à Estamo o Complexo Desportivo da Lapa, um conjunto de piscinas e área desportiva que é único naquela zona da cidade. Esses activos reverteram para a câmara como compensação pelas urbanizações que querem fazer. No conjunto dos hospitais que ficarão disponíveis com a construção do Hospital de todos os Santos, foi essencial classificar primeiro todos os elementos classificados, o Miguel Bombarda, o famoso Panóptico e outros elementos. É claro que para o município é mais interessante planear áreas, porque é assim que definimos uma estratégia para a cidade e não ficamos ao sabor deste ou daquele promotor.
O número dois da lista voltar a ser um militante do PS, Fernando Medina, não é uma cedência ao aparelho do PS?
Desde 2007 tenho feito as listas mais abertas possíveis, abertas a independentes, a outros partidos que queiram vir connosco, a cidadãos, a associações cívicas. Agora há-de perceber que numa lista do PS haja militantes do PS.
Certo, mas um socialista em número dois é para garantir uma sua eventual saída, ou seja, propõe-se cumprir o mandato para que vai ser eleito?
Há seis anos que me faz essa pergunta e todos os dias a tenho desiludido.
Está a assumir um compromisso para quatro anos?
O que eu não quero é responder sistematicamente à mesma pergunta. Admito que não se tenha cansado de a fazer, eu já me cansei de lhe responder.
Como vê a decisão do Presidente de manter o Governo e aceitar a remodelação?
Esta entrevista é como presidente de câmara.
Como candidato, num encontro com o candidato do PS à Câmara do Porto, disse que se tinham perdido 15 dias com a tentativa de acordo.
Se um dia abri uma excepção, não a vou transformar numa regra.
Não quer mesmo fazer nenhum comentário?
O maior comentário que eu posso fazer sobre isto é o seguinte: provámos em Lisboa que é possível uma política anticrise que consolide as finanças públicas. Essa experiência devia poder ter projecção noutras instâncias, podia e devia. Não podemos continuar nesta coisa absurda que é considerar que ou fomentamos a recessão ou fomentamos o endividamento, quando temos e podemos ter uma estratégia virtuosa que consolide as finanças, crescendo, gerando emprego, gerando riqueza e reforçando a coesão social. Essa é a prioridade e é nessa prioridade que queremos concentrar-nos aqui em Lisboa no próximo mandato, com um conjunto de políticas que tem um fim fundamental - Lisboa ser uma cidade anticrise.
Enquanto presidente de câmara é notório o esforço que fez para não gerir a câmara apenas com o partido que suporta a sua eleição. É vantajoso para a gestão de uma câmara, como seria para a gestão do país, que as diferentes forças políticas fossem capazes de entender-se sobre assuntos importantes do interesse comum?
Claro. Isso é absolutamente essencial. Eu tive uma experiência muito positiva na minha vida que foi a coligação Por Lisboa. Lamento que essa experiência não tenha sido possível de renovar até agora. Tem sido possível renovar com outras forças do panorama político essa experiência. Em 2007 houve acordo com Sá Fernandes e o movimento de Helena Roseta. Em 2009, foi possível fazer um acordo já com todos e este ano foi possível renovar esse movimento. E, ao longo do mandato, grande parte das decisões fundamentais tomadas em câmara foram tomadas com um consenso alargado. Acho que é não só necessário como útil e importante haver acordos alargados. Não podemos ter uma política fiscal, se a cada ano, a cada mandato, puder ser alterada. Para as políticas fiscais terem influência no comportamento das pessoas, na atracção de empresas e na atracção de residentes, as pessoas têm de confiar que a alteração do IMI não foi para aquele ano, mas tem de ter condições de puder durar no tempo e de ser estável. Só assim se podem criar condições de confiança. Um plano director municipal, que é para dez anos e três mandatos, não pode ser aprovado por uma maioria conjuntural.
Se António Costa na câmara consegue, porque não se consegue a nível nacional?
Não sei. Posso apenas dizer que é uma boa prática que temos que era bom que pudesse ser aplicada. Em 2007, quando aqui cheguei, grande parte da vereação não falava com a outra metade da vereação, os processos-crime era de uns contra os outros e havia de facto uma situação de quebra de diálogo absoluta. Hoje, com as naturais divergências, existe um clima muito sadio de relacionamento, desde o PCP ao CDS.
A diferença é a sua capacidade de diálogo?
Deixo a resposta para si. Agora que valorizo como importante esse contacto valorizo. Porque uma cidade não se faz por inspiração de príncipe de um presidente de câmara - faz-se por um trabalho de equipa, faz-se em concertação com as outras forças políticas, faz-se em concertação com os agentes económicos, com os agentes sociais, com os agentes culturais.
Os resultados das autárquicas poderão ter uma leitura nacional ou deverão ser lidos só à luz das diferentes câmaras?
Nas eleições autárquicas toda a gente faz as contas como lhe dá jeito. Aqui em Lisboa há uma escolha clara: saber se as pessoas querem continuar a estratégia que em absoluto contraciclo foi capaz de desenvolver uma estratégia de crise, ou se querem exportar também para Lisboa as políticas que a nível nacional têm dado os resultados que têm dado. Essa é a escolha fundamental que temos nas próximas eleições.
Qual é o seu objectivo eleitoral? A maioria absoluta?
Ganhar para a câmara, para a assembleia municipal, para as juntas de freguesia. Espero manter as condições de governabilidade e reforçar.
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