segunda-feira, 15 de julho de 2013

Genros ... Filhos ... e conterrâneos ... Gestor Público e militante do PSD / "Novo presidente do Porto de Sines fez a Transtejo perder meio milhão."

Empresa à qual a Transtejo terá de pagar os danos causados por uma decisão proposta pelo seu antigo presidente foi à falência. Gestor nega que essa decisão tenha sido tomada para beneficiar amigos seus


Novo presidente do Porto de Sines fez a Transtejo perder meio milhão

Por José António Cerejo
15/07/2013 in Público


O Supremo Tribunal de Justiça condenou a Transtejo, no ano passado, a pagar uma indemnização de mais de meio milhão de euros a uma empresa que explorou um restaurante, em 2005 e 2006, no terminal fluvial do Cais do Sodré. A decisão teve como fundamento a violação, pela transportadora pública, da exclusividade que atribuíra à empresa lesada, e entretanto falida, para que só ela pudesse vender bens alimentares naquele terminal.
A violação dessa exclusividade resulta da concessão a terceiros, pela Transtejo, de um espaço nobre do terminal, onde foi instalado um quiosque concorrente do restaurante - o que, no ano seguinte, motivou o fecho deste, devido à quebra abrupta das receitas. Embora esse facto não tenha sido referido em tribunal, a concessão que levou à condenação da transportadora foi dada aos genros e a uma filha de um amigo e conterrâneo do então presidente da Transtejo, João Franco, que dias antes da abertura do quiosque se tornou administrador do Porto de Sines.
No fim do mês passado, o Governo de Passos Coelho nomeou este gestor público e militante do PSD como presidente do conselho de administração daquele porto, substituindo Lídia Sequeira, a independente que até aí dirigia a equipa da qual ele fazia parte desde 2005.

Uma concessão "obscura"

O amplo restaurante/snack-bar que a empresa Actual abriu no início de 2005, meses depois da inauguração do terminal do Cais do Sodré, tinha uma vista soberba para o Tejo. E foi a garantia de que nenhuma outra empresa do ramo seria autorizada na estação fluvial que levou a Actual a propor-se pagar à Transtejo uma renda mensal de cerca de oito mil euros e a investir 171 mil euros em obras e equipamentos.
Mas duas semanas antes de o restaurante abrir, em Fevereiro de 2005, já João Franco estava a propor ao conselho de administração a que presidia a concessão de um espaço concorrente, um quiosque de venda de cafés, refrigerantes e sandes, a Rui Carmo, um dos três candidatos à sua exploração. Em resposta ao PÚBLICO, a actual administração da Transtejo afirma que as três propostas recebidas "foram apresentadas de modo espontâneo", sem consulta ao mercado, e que foi aceite a da firma Conceitos de Café, representada por Rui Carmo, por ser "economicamente mais vantajosa".
A documentação arquivada na empresa confirma a apresentação de propostas por parte de três concorrentes, em Janeiro de 2005, sendo que Rui Carmo, em nome da Conceitos de Café, começou por entregar a segunda mais alta, propondo-se pagar uma renda mensal de três mil euros, ligeiramente inferior à de uma firma madeirense que ofereceu 3025 euros no dia 18 de Janeiro. Nesse mesmo dia, porém, chegou por email uma segunda proposta de Rui Carmo com o valor de 3500. Dois dias depois, João Franco propôs ao conselho a "adjudicacção obviamente à proposta de valor mais elevado".
Apercebendo-se da situação, de que teve conhecimento particular, o gerente da Actual manifestou à administração da Transtejo, logo em Março, oralmente e por escrito, a sua oposição à instalação do quiosque, lembrando a exclusividade negociada. E qualificou a "nova concessão" de "obscura em todos os seus contornos", nomeadamente por não ter sido alvo de consulta nem publicitação, afirmando-se vítima de um "logro comercial" e salientando que a firma não poderia sobreviver sem a exclusividade negociada.
Dois meses depois, protesto idêntico foi dirigido à secretária de Estado dos Transportes, acrescentando a Actual que a "nova concessão" tinha sido concebida "num segredo anormal, ao ponto de a direcção comercial [da Transtejo] não estar autorizada a revelar o nome da sociedade a quem foi dada a concessão".

Condenação em tribunal

Paralelamente foram desencadeadas várias acções judiciais, mas no final de 2006 a empresa viu-se obrigada a fechar o restaurante e a despedir os seus 14 trabalhadores, tendo deixado de pagar as rendas à Transtejo ainda em 2005. Em Março do ano passado, o principal destes processos teve o seu epílogo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que reconhece à Actual o direito a ser indemnizada, "porquanto lhe foi criada pela ré [Transtejo] a expectativa legítima de que não iria ter qualquer estabelecimento comercial concorrente com o seu naquele terminal". Todavia, contrariando a tese da queixosa, que alegava ter cessado o pagamento das rendas devido à conduta da Transtejo, os juízes condenaram-na também a pagar os montantes em dívida até ao fim do contrato, que só terminou em 2010.
A sentença, que vai no mesmo sentido das da primeira instância e da Relação, não aponta os montantes em causa, mas, segundo o advogado da Actual, esta deve ter a receber perto de 600 mil euros, incluindo os valores que ficou a dever aos seus fornecedores, enquanto a Transtejo terá direito a perto de 500 mil.
Acontece que a Actual faliu entretanto, uma vez que o seu único objecto consistia na exploração daquele restaurante, e o administrador da insolvência, nomeado pelo Tribunal de Comércio, diz que não tem verbas disponíveis para accionar o processo de execução da sentença do Supremo Tribunal de Justiça.

Necessidade de receitas

Contactado pelo PÚBLICO, João Franco afirmou desconhecer o desfecho judicial do caso, uma vez que deixou a Transtejo em Junho de 2005, mas garantiu que o único motivo que levou a empresa a concessionar o espaço do quiosque foi a "necessidade de obter receitas". Acerca da firma a quem foi entregue o negócio afirmou que não sabia nada sobre ela, nem conhecia os seus sócios. Questionado sobre se sabia que eram de Peniche, cidade onde tem uma casa e de onde a sua família é natural, o actual presidente dos portos de Sines, Portimão e Faro acabou por confirmar que, de facto, conhecia "o genro do senhor Nicolau". José Nicolau é um dos maiores empresários de Peniche, com actividade em múltiplos sectores, nomeadamente nos congelados.
"A empresa dele [do genro] manifestou-se interessada e o quiosque foi-lhe adjudicado porque se tratava da melhor proposta", acrescentou João Franco, sem especificar a qual dos dois genros de José Nicolau se referia e rejeitando quaisquer ligações entre essa decisão e o facto de ser amigo de pessoas da empresa. "Se o critério fosse esse, devo dizer que sou muito mais amigo e há muito mais tempo do dono da Actual [do que do dono da Conceitos de Café]", justificou o gestor.
A Conceitos de Café foi criada por Rui Carmo, um dos genros de José Nicolau, por uma irmã da mulher e pelo marido desta, e só foi oficialmente registada dois meses depois de João Franco ter feito aprovar a proposta que lhe deu a exploração do quiosque. Rui Carmo disse ao PÚBLICO que só conheceu João Franco depois da adjudicação do espaço e que não se recorda das circunstâncias em que apresentou a sua proposta.

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