Sá da Costa. A livraria centenária despede-se dos leitores
Por Carolina Pelicano Falcão
publicado em 20 Jul 2013 in (jornal) i online
Hoje à noite é lançado o "Manifesto Contra o Desastroso
Encerramento das Livrarias da Cidade de Lisboa"
Quando as portas da livraria Sá da Costa abriram, ontem, já
o Chiado vivia o seu rotineiro reboliço de turistas e música brasileira ao
vivo, apesar de pouco passar das 10h30. Mais um dia em que a livraria estava
ali, a fazer parte da rotina matutina, como já fez, com toda a certeza, de
tantas outras, a pensar nos 100 anos de vida que celebrou no passado dia 10 de
Junho.
Mas, a fugir à rotina, esteve precisamente a manhã de ontem,
coisa que facilmente se notava pela presença dos jornalistas que às portas da
livraria se foram amontoando, com os seus tripés e microfones. O motivo da
azáfama tem sido tema presente nos últimos dias: tudo indica que, na próxima
segunda-feira, a livraria Sá da Costa encerre as suas portas. O motivo não são
as férias de Verão mas sim o processo de insolvência a que está ancorada há já
dois anos.
Quando entramos na livraria somos recebidos por um sorriso
sarcástico, e uma sentença certeira sai, tão automática como se já estivesse
preparada para ser resposta às perguntas que o senhor atrás do balcão
adivinhava: "A livraria está insolvente há mais de dois anos. Agora está
sujeita às decisões do tribunal. Não percebo a distracção dos jornais."
Ainda assim, arriscamos mais uma pergunta. Afinal, o que
conduziu a Sá da Costa a esta situação? "É uma situação antiga que levaria
muito tempo a falar", diz--nos o mesmo senhor, ainda atrás do balcão, de
caneta na mão e a olhar para o papel onde escrevia, denotando a pouca vontade
com que estava para conversas. Seria o proprietário?
"Não. Sou um dos funcionários que cá ficou para manter
a livraria aberta nestes dois anos. Tem pouco significado dar a minha
identificação. A questão não está nos nomes, está no país que temos. Se fosse
um país culto ou houvesse essa pretensão não estaríamos nesta situação."
A livraria Sá da Costa parece, pois, estar condenada a
seguir o rumo de outras duas livrarias lisboetas, também elas antigas, a
Portugal e a Barateira, que no ano passado foram igualmente forçadas ao
encerramento.
Desde 2010 que a livraria Sá da Costa foi posta à venda,
"A tentativa de solução foi apresentada em tribunal. Se quer que lhe diga
não houve grande interesse das entidades públicas e privadas." O fim da
livraria "é uma perda grave para a cultura e para o país. Para nós,
funcionários, é secundário. Estamos no desemprego", graceja, agora em
cumplicidade com uma colega de trabalho, que, entretanto, acabava de chegar.
AGORA JÁ ERA: "Muita gente de dinheiro e da área da
cultura sabia o que se estava a passar. Agora é tarde de mais. E pode citar-me
se quiser." Estas palavras pertencem a Susana Pires. Está na livraria há
12 anos. "Nessa altura, esta era uma livraria generalista. Depois, tivemos
de acorrer aos pequenos editores e passámos a vender livros de fotografia, de
design, de poesia, de filosofia, de teoria da arte. E provou-se que se vende.
Aliás, aguentaríamos a livraria se fosse só por isso. E aguentámos durante três
anos, com tudo pago. O que aconteceu aqui foi um problema de passagem de
administração, que deu cabo da livraria."
Ficamos por aqui. As movimentações de jornalistas continuam,
num entra e sai que tem como barulho de fundo os "clicks" das
máquinas fotográficas. Susana fala enquanto vende livros e passa facturas aos
que constarão como últimos clientes. Entre eles uma turista, alta e loira, que
compra um mapa de estradas do Algarve e que espelha no rosto a expressão de
quem não percebe nada do que se está a passar. Mas vá lá, ainda teve direito a
desconto.
E O DIA SEGUE: O espanto que tinha a turista perante a
movimentação e respectiva fauna que povoava a livraria parece ter sido
partilhado por um terceiro funcionário que entretanto atraca no local. À
semelhança do nosso primeiro interlocutor, impõe um sorriso amargo de quem não
quer conversas. "Vamos falar com a administradora hoje", é tudo o que
nos diz, seguido de "Já bebeste café?". Dirigia-se a Susana.
E quando já nos preparávamos para fechar o caderno de notas,
Susana solta num suspiro: "Sabe que não estou triste? É um alívio, ao
menos já acabou. A solução seria talvez um grupo de pessoas com algum dinheiro.
Aqui é tudo uma questão de dinheiro. Eu não sou uma pessoa romântica, sou
realista. De outra maneira não se consegue. Está tudo a desaparecer. Se subires
o Chiado é tudo franchisings."
Uma jornalista de microfone na mão entra e pergunta: "É
possível falar com o gerente?" Susana sorri. "O gerente somos todos,
é só escolher o que acha que ficará melhor na fotografia."
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