Paulo Gaião in Expresso
Álvaro: o inocente que revelou palhaços.
Henrique Raposo
8:00 Sexta feira, 26 de julho de 2013 in Expresso online
A atmosfera que rodeou Álvaro Santos Pereira merecia um
estudo de caso. De forma inconsciente, o ex-ministro conseguiu a proeza de
atrair contra si um conjunto de vícios que caracterizam bem as elites da ditosa
pátria. Comecemos pelo mais evidente: a snobeira. Quando pediu para ser tratado
por "Álvaro", este homem cometeu o maior dos pecados no país dos
doutores, retirou a importância aos cargos e títulos para grande irritação da
porcelana que exige ser tratada por "V. Exa." Pior: ao cheirar esta
inocência tão americana, os cínicos profissionais de Lisboa atacaram como uma
alcateia de hienas gozonas. Que ganda totó, pá. Nestas cabeças provincianas que
se julgam moderninhas, Álvaro não procurou introduzir em Portugal um trato
pessoal simples e até igualitário no sentido americano. Nada disso. Ele apenas
mostrou que é um totó, um fraco, um saco de boxe. E assim foi: uma multidão de
palhaços pomposos passou dois anos a socar o totó que veio do Canadá, esse
sítio atrasado onde as pessoas, vejam bem, só são tratadas pelo nome próprio.
Além da snobeira, a inocência de Álvaro desafiou a ética
almoçarista que rege a pátria. É no circuito almoçarista que se decidem as
prebendas, numa espécie de contrabando de intrigas, boatos e boutades. Sim, é
verdade que este professor das Américas não conhecia o país (os gráficos não
são o país) e, por essa razão, nunca devia ter sido ministro da economia. Mas
Álvaro não foi passado a ferro por causa disso. O ministro-sempre-a-prazo foi
desprezado porque descurou a Lisboa do almocinho, da palmadinha, do empurrãozinho,
ó Álvaro, dê lá um jeitinho naquela cena que a gente sabe, ah?
Mas a sua maior blasfémia terá sido outra: Álvaro nunca
falou com acidez e quis dizer coisas positivas sobre Portugal. Imperdoável, de
facto. Numa conferência, Álvaro afirmou, e bem, que os portugueses deviam ter
orgulho nos seus produtos, porque esse orgulho é fundamental na hora das
exportações. A título de mero exemplo, o pastel de nata surgiu nesse
raciocínio. Com a previsibilidade das cadelinhas de Pavlov, o cinismo
queirosiano reagiu de imediato e o exemplo transformou-se numa caricatura
desonesta. Como é que ele se atreve a dizer coisas positivas sobre Portugal?
Não sabe ele que Portugal é uma trampa? Exportar pastéis de nata?, que ideia
parola. Será que também quer exportar o frango assado ? Desta forma, a
caricatura do pastel reduziu um homem bem-intencionado à figura de palhaço
nacional. Dias depois, descobriu-se que um sujeito já tinha transformado o
pastel de nata numa espécie de donut que faz as delícias dos chineses e, agora,
uma série de empresas portuguesas está mesmo a tratar da exportação do pastel
de nata. Quem é o palhaço?
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