( ...) "terão a Secretaria de Estado da Cultura e a Câmara de Lisboa analisado devidamente as formas de se evitar este amargo desfecho? Apesar dos severos constrangimentos orçamentais, há sempre formas de mobilizar vontades e encontrar saídas que a lei não reprove, desde que esteja em causa o interesse colectivo, a memória patrimonial e a salvaguarda de um inequívoco bem cultural, que ultrapassa largamente uma abordagem que seja meramente comercial e judicial do assunto. Terão, porventura, essas duas instituições públicas conversado sobre o assunto, na perspectiva de poderem encontrar uma solução? Fica a pergunta."
Quem deixou morrer a Livraria Sá da Costa?
Uma cidade sem livrarias é, em certa e dramática medida, uma cidade morta.
Lisboa começou, há muito, por perder os seus cafés de referência, aqueles que
foram a "casa" dos modernistas, dos surrealistas, dos neo-realistas e dos
outros. Quando esses espaços se transformaram em dependências bancárias, as
cidades, com Lisboa à cabeça, puseram os olhos na calçada e entristeceram em
silêncio. Depois começaram a fechar as livrarias, designadamente as de bairro,
engolidas pela voragem triunfal das grandes superfícies comerciais.
Uma livraria, queira-se ou não, é sempre mais do que
um mero espaço comercial, pois a mercadoria com a qual opera tem a ver com o
espírito de quem lê, com a sua visão do mundo, com a sua capacidade de
compreender e comunicar com o outro. Ainda mais assim é quando as livrarias têm
história e memória e contribuem para singularizar a geografia e a identidade das
cidades.
Ainda assim, foram resistindo algumas livrarias de referência, não obstante as grandes dificuldades que as fustigavam. Uma delas era a Livraria Sá da Costa, indissociável de uma longa e brilhante história editorial. Deveria estar a comemorar este ano, com orgulho e alguma solenidade, o seu centenário, recordando o verdadeiro panteão de grandes figuras da nossa vida intelectual que nela faziam tertúlia, alternando com a Bertrand, no outro lado da rua, ali mesmo no coração do Chiado.
Declarada insolvente pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, apesar do estoicismo de um punhado de funcionários que, com abnegação e criatividade, a tentaram manter a respirar, promovendo iniciativas que mantivessem vivo o espaço, fecha agora as suas portas, deixando Lisboa e todos quantos amam os livros mais tristes e mais pobres.
Uma assembleia de credores, não tendo aprovado o plano de viabilização apresentado em 2 de Julho passado, lavrou-lhe a sentença de morte.
Foi conturbado o caminho percorrido até se tornar inevitável a execução desta sentença, passando por leilões do fisco e por uma venda judicial. As tentativas efectuadas no sentido de evitar este epílogo dramático revelaram-se infrutíferas. E a dinâmica da cidadania funcionou, tendo sido lançado, com quase mil assinaturas, um manifesto contra o encerramento da Livraria Sá da Costa.
Tendo presente o que aconteceu ainda recentemente em França com o programa de apoio à rede de livrarias de proximidade e às pequenas estruturas do movimento editorial lançado pela ministra da Cultura daquele país, empenhada em preservar uma extensa e bem implantada rede de cerca de 2500 livrarias em todo o território nacional, impõe-se a pergunta: terão a Secretaria de Estado da Cultura e a Câmara de Lisboa analisado devidamente as formas de se evitar este amargo desfecho? Apesar dos severos constrangimentos orçamentais, há sempre formas de mobilizar vontades e encontrar saídas que a lei não reprove, desde que esteja em causa o interesse colectivo, a memória patrimonial e a salvaguarda de um inequívoco bem cultural, que ultrapassa largamente uma abordagem que seja meramente comercial e judicial do assunto. Terão, porventura, essas duas instituições públicas conversado sobre o assunto, na perspectiva de poderem encontrar uma solução? Fica a pergunta.
Se, como escreveu George Steiner, há cafés que definem e fortalecem a identidade das cidades europeias, essa visão não será por certo menos válida para as livrarias históricas, de que Portugal tem ainda alguns magníficos exemplos, com antiguidade, representatividade e visibilidade, inclusive como suportes da promoção turística das cidades.
Se isso estivesse ao seu alcance, não tenho dúvidas de que Fernando Pessoa se levantaria da mesa escultórica concebida por Lagoa Henriques e desceria uns metros para impedir que a Livraria Sá da Costa fechasse, e talvez se lhe juntassem alguns dos seus heterónimos mais conhecidos. Já seria uma pequena multidão.
Ao fechar de vez as portas, a Livraria Sá da Costa entristece e envergonha Lisboa, tornando ainda mais notórios e preocupantes os efeitos desta crise na nossa malha urbana e em particular numa zona de excelência para o turismo. E será conveniente que Pessoa fique firme no bronze da obra que o eterniza, pois ninguém pode prever o que ainda está para vir. E só resta saber se este fechar de portas é mesmo "irrevogável" ou se ainda fica alguma janela entreaberta como acontece mesmo com governos agonizantes.
Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores
“O Chiado está em transformação determinada por ciclos
económicos e sociológicos …Outrora Zona Chic de Comércio de Alta Qualidade e de
Identidade Local em dialéctica permanente com sinergias Literárias e Culturais
… Zona de Cafés e Clubes … de Tertúlias e compras Bon Chic Bon Genre … está
agora a substituir esta Identidade Centenária por um novo ciclo comercial
conduzido por cadeias internacionais dispostas a pagar quantias altíssimas por
alugueres.
São as “leis do mercado”dirão muitos … e é verdade que a dinâmica
financeira da Oferta-Procura-Oferta determina as transformações …
No entanto, em todas as Cidades Europeias existem Zonas onde
estão situados estabelecimentos de valor Patrimonial-Arquitectónico
insubstituível, e que precisamente, no seu conjunto, garantem e contribuem para
o Carácter e Identidade - Prestigio que definem a Zona e o seu Valor Comercial.
Ora … é aqui que entra como factor determinante o conceito
de uma Visão Estratégica, aquilo que se chama Internacionalmente , Urbanismo
Comercial.
Não se trata de substituir ou apropriar-se das sinergias
comerciais … mas, de estratégicamente aconselhar, estimular pedagógicamente,
acompanhar com verdadeiro interesse , ao mesmo tempo que se garante e
salvaguarda o Património de interiores e exteriores de importantes e
insubstituíveis estabelecimentos Históricos."
António Sérgio Rosa de Carvalho
Quem deixou morrer a Livraria Sá da Costa?
Ainda assim, foram resistindo algumas livrarias de referência, não obstante as grandes dificuldades que as fustigavam. Uma delas era a Livraria Sá da Costa, indissociável de uma longa e brilhante história editorial. Deveria estar a comemorar este ano, com orgulho e alguma solenidade, o seu centenário, recordando o verdadeiro panteão de grandes figuras da nossa vida intelectual que nela faziam tertúlia, alternando com a Bertrand, no outro lado da rua, ali mesmo no coração do Chiado.
Declarada insolvente pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, apesar do estoicismo de um punhado de funcionários que, com abnegação e criatividade, a tentaram manter a respirar, promovendo iniciativas que mantivessem vivo o espaço, fecha agora as suas portas, deixando Lisboa e todos quantos amam os livros mais tristes e mais pobres.
Uma assembleia de credores, não tendo aprovado o plano de viabilização apresentado em 2 de Julho passado, lavrou-lhe a sentença de morte.
Foi conturbado o caminho percorrido até se tornar inevitável a execução desta sentença, passando por leilões do fisco e por uma venda judicial. As tentativas efectuadas no sentido de evitar este epílogo dramático revelaram-se infrutíferas. E a dinâmica da cidadania funcionou, tendo sido lançado, com quase mil assinaturas, um manifesto contra o encerramento da Livraria Sá da Costa.
Tendo presente o que aconteceu ainda recentemente em França com o programa de apoio à rede de livrarias de proximidade e às pequenas estruturas do movimento editorial lançado pela ministra da Cultura daquele país, empenhada em preservar uma extensa e bem implantada rede de cerca de 2500 livrarias em todo o território nacional, impõe-se a pergunta: terão a Secretaria de Estado da Cultura e a Câmara de Lisboa analisado devidamente as formas de se evitar este amargo desfecho? Apesar dos severos constrangimentos orçamentais, há sempre formas de mobilizar vontades e encontrar saídas que a lei não reprove, desde que esteja em causa o interesse colectivo, a memória patrimonial e a salvaguarda de um inequívoco bem cultural, que ultrapassa largamente uma abordagem que seja meramente comercial e judicial do assunto. Terão, porventura, essas duas instituições públicas conversado sobre o assunto, na perspectiva de poderem encontrar uma solução? Fica a pergunta.
Se, como escreveu George Steiner, há cafés que definem e fortalecem a identidade das cidades europeias, essa visão não será por certo menos válida para as livrarias históricas, de que Portugal tem ainda alguns magníficos exemplos, com antiguidade, representatividade e visibilidade, inclusive como suportes da promoção turística das cidades.
Se isso estivesse ao seu alcance, não tenho dúvidas de que Fernando Pessoa se levantaria da mesa escultórica concebida por Lagoa Henriques e desceria uns metros para impedir que a Livraria Sá da Costa fechasse, e talvez se lhe juntassem alguns dos seus heterónimos mais conhecidos. Já seria uma pequena multidão.
Ao fechar de vez as portas, a Livraria Sá da Costa entristece e envergonha Lisboa, tornando ainda mais notórios e preocupantes os efeitos desta crise na nossa malha urbana e em particular numa zona de excelência para o turismo. E será conveniente que Pessoa fique firme no bronze da obra que o eterniza, pois ninguém pode prever o que ainda está para vir. E só resta saber se este fechar de portas é mesmo "irrevogável" ou se ainda fica alguma janela entreaberta como acontece mesmo com governos agonizantes.
Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores
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