quarta-feira, 17 de julho de 2013

Negociações endurecem.

Pedro Mota Soares, ontem, à chegada à sede do PSD

Os riscos de uma negociação

Editorial / Público
Um bom acordo seria um mandato para renegociar com a troika. Será isso o que o Presidente pretende?
Tudo permanece incerto. Em cima da mesa continua um risco de implosão do sistema político, tão ou mais grave do que a ameaça de insolvência financeira que paira sobre o país. Tudo isto em consequência de uma proposta de acordo presidencial que surgiu demasiado tarde e numa circunstância demasiado complicada para todos os partidos envolvidos. Em particular o PS, mas também a maioria. As eleições teriam sido uma forma transparente de resolver o problema. Condenariam um Governo que brincou com as instituições. E permitiriam que fossem os partidos e um Governo legitimado pelo voto a reconstruir um consenso que agora o Presidente quer impor pela força. Limitando, à partida, as opções disponíveis para cada partido.
Um bom acordo seria evidentemente útil para o país. Mas que acordo seria esse? Um acordo em que fosse possível alterar a forma como as reformas estruturais serão aplicadas, de forma a não estrangularem a economia, limitando-as e faseando-as no tempo e jogando com a boa vontade dos nossos credores para nos ajudar. Um acordo de regime para vários anos em Portugal seria uma bênção para a zona euro e a zona euro estaria muito provavelmente disposta a aliviar a carga da austeridade, cujo efeito desastroso já é compreendido pelos nossos credores. Por isso, este acordo deveria ser um acordo para renegociar os termos do memorando e conciliar as reformas estruturais com o crescimento económico.
Isto seria um bom acordo para o país, independentemente de quem cede. Um mau acordo seria aquele em que as reformas estruturais se mantivessem sob a forma dos actuais cortes de 4,7 mil milhões, como pretende a maioria, que são uma receita garantida para o desastre. É uma fronteira que o PS não pode aceitar. Não se pode exigir a António José Seguro que rejeite um acordo qualquer que ele seja. No entanto, é razoável questionarmo-nos sobre se há condições, neste momento, para um acordo desta natureza. Nomeadamente se ele cabe nos horizontes do que pensa o Presidente da República.

A solução presidencial eliminou à partida qualquer hipótese de uma solução dentro do sistema partidário, que seria possível mediante eleições. Os partidos foram obrigados a negociar sob constrangimento. Uma parte do país aplaudiu, por força do sentimento antipartidos. Em caso de falhanço negocial, será fácil demonizar os partidos. Não se pode excluir que dos estilhaços desta negociação surjam cisões partidárias ou uma radicalização de posições entre as forças partidárias que torne entendimentos futuros ainda mais difíceis ou mesmo impossíveis.


Negociações endurecem e põem PS sob pressão.


Chegados à fase de analisar os contributos de cada partido para tentar alcançar um acordo tripartido, PSD, PS e CDS levaram os trabalhos pela noite dentro. Crescem as pressões, internas e externas, sobre os socialistas
Sinais de nervosismo por todos os lados. No dia em que as negociações entre PSD, PS e CDS passaram à análise detalhada dos contributos escritos dos três partidos, o ambiente político agitou--se e toda a pressão foi colocada em cima do PS. No Parlamento, Luís Montenegro garantia que o PSD estava aberto a fazer cedências ao PS, ao mesmo tempo que reafirmava que a bancada estava coesa e pronta para cumprir a legislatura. No PS, multiplicaram-se as vozes a avisar António José Seguro dos riscos de fazer um acordo com a direita (ver texto na página 4). O PCP e a CGTP avisavam que haverá um "castigo do povo ao PS, se houver alinhamento à direita". E, em sentido contrário, um grupo de empresários lançava um apelo para que os partidos se entendam, para permitir o regresso rápido aos mercados.
À mesa das negociações, entretanto, desta vez na sede nacional do PSD, as delegações dos três partidos e o observador da Presidência debruçavam-se sobre os papéis. A reunião a três começou por ser adiada duas horas, e nesse intervalo PSD e CDS reuniram-se a sós. Às 21h30 saiu fumo cinzento, com um comunicado vago a informar apenas que os trabalhos eram interrompidos e retomados uma hora depois. Mas a principal preocupação era apaziguar os ânimos: durante a tarde, vários órgãos de comunicação social davam conta de que o PS se queixava da intransigência dos partidos da maioria. "As delegações reafirmam que as negociações, embora exigentes, estão a decorrer sem intransigência e com espírito de abertura", sublinhava o texto conjunto.
O entendimento dentro do Governo é que se está perante um cenário de tudo ou nada: os três pilares avançados pelo Presidente da República são cumulativos, ou seja, ou se cumprem todos em simultâneo, ou o acordo, mesmo que exista, não é válido. Isso mesmo terá explicado Cavaco Silva aos partidos, nas reuniões que teve com cada um no dia seguinte à sua comunicação ao país.
A maioria faz passar a mensagem de que não se tem poupado a esforços e que tem total abertura para envolver o PS nas negociações permanentes com a troika, com vista a discutir a flexibilização das metas e até a alteração das medidas para atingir essa metas, definidas ou a definir. Os trabalhos já entraram num detalhe tal que, na terça-feira, esteve presente a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, e é admitido que sejam chamados técnicos e especialistas à mesa negocial.
Maria Luís Albuquerque terá estado a falar sobre os cortes necessários nas diversas áreas da despesa do Estado. Um caminho difícil para o PS, que já avisou não estar disposto a manter o rumo da austeridade.
Na véspera da discussão e votação de uma moção de censura, a reunião da bancada do PSD - a primeira desde o início da crise política - foi dominada pela prudência. No final, o líder parlamentar do PSD disse que o grupo "está coeso" no objectivo de cumprir a legislatura, mas não fechou a porta a aproximação de posições com o PS - e cedências -, lembrando que essa é a essência de uma negociação. "Os deputados do PSD estão muito coesos no propósito de cumprirmos a nossa legislatura, no propósito de levarmos a nossa governação pela frente, de resto, numa altura em que começa a haver sintomas consistentes de que o cam percorrido até aqui tem resultados", respondeu aos jornalistas, após ter sido questionado sobre se os deputados estão disponíveis para encurtar em 15 meses o mandato como propôs o Presidente da República. Depois de referir os dados divulgados ontem pelo Banco de Portugal, Luís Montenegro acrescentou que os deputados "se identificam" com o trajecto feito nos últimos dois anos, embora "estejam disponíveis para aproximar posições com os deputados do PS".
Desfecho à vista?
O dia de hoje era apontado como o expectável para alcançar um acordo. Se assim for, Passos Coelho já o poderá anunciar no conselho nacional de hoje à noite - que já estava marcado há várias semanas -, embora fontes sociais-democratas admitam que seja preciso convocar uma reunião da comissão política para ratificar o texto. O PS marcou também para esta noite uma reunião da comissão política, mas deixando em aberto a possibilidade de a adiar, em função da situação política. E o CDS pode também convocar o seu órgão homólogo para discutir um eventual acordo.
A incerteza sobre o desfecho das negociações entre os três partidos levou ontem a alterações no calendário parlamentar. O Governo e a maioria PSD-CDS propuseram - e o PS aceitou - congelar a votação final de propostas de lei sobre a administração pública prevista para o próximo dia 24 e a marcação de mais um plenário extraordinário para dia 29 de Julho. A decisão foi tomada na conferência de líderes de ontem, com protestos das bancadas do PCP e do BE.
Em causa estão duas propostas de lei sobre o horário de trabalho e a requalificação de funcionários públicos. O ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, justificou o pedido de mais um plenário com a natureza política do Parlamento. "A Assembleia da República é um órgão político e não pode estar alheado do processo que está a decorrer", afirmou aos jornalistas, referindo-se às negociações entre "o Governo e os partidos" - o que contraria o comunicado conjunto em que é garantido que o executivo "não participa" nas reuniões. Foi então decidido manter o plenário de dia 24, embora com alterações de conteúdo, e agendar mais uma sessão extraordinária, marcada a título indicativo para dia 29, já que não há certezas sobre o momento do desfecho das negociações. A data até pode ser adiada. Uma decisão que motivou a contestação das bancadas do PCP e BE, que queriam manter a sessão plenária de dia 24 por considerarem que a Assembleia da República não pode estar "refém" de negociações "entre o PS e o Governo" e que o Parlamento "não pode ficar suspenso" devido a estas conversações. com Maria Lopes




Empresários apelam a partidos: "entendam-se" urgentemente.


O cerco não pára de apertar em torno do PSD, PS e CDS-PP à medida que o calendário avança. Ontem, um grupo de 20 empresários fez um apelo aos três partidos para que se entendam, nos termos que conseguirem estabelecer, para que o país consiga cumprir as metas a que se propôs com os credores, de forma a poder voltar aos mercados e recuperar a sua autonomia dentro de um ano. Entre os signatários estão, por exemplo, Daniel Bessa, Francisco van Zeller, João Bento, João Talone, Alexandre Relvas, Rui Vilar e Vasco de Mello. "Entendam--se, nos termos que só os próprios determinarão, condicionados, para que o exercício cumpra os objectivos pretendidos, ao acordo das entidades que hoje nos financiam, enquanto não conseguirmos dispor da autonomia que só poderá ser assegurada por um regresso pleno aos mercados financeiros", exigem.
Na carta de três parágrafos, os empresários lembram que em dois anos de memorando, apesar dos resultados positivos nas contas externas, há objectivos apenas parcialmente alcançados em áreas como as finanças públicas e as reformas estruturais, ao passo que as medidas adoptadas provocaram "um rasto de sofrimento (de que o desemprego constitui o exemplo maior)". Um esforço que não deve ser desperdiçado; por isso, os empresários afirmam que "o tempo não é de recuar mas de avançar, de forma concertada, cumprindo a [sua] parte".
Rui Vilar disse ao PÚBLICO que a iniciativa partiu do "sentimento de urgência em que se saia deste impasse e se encontrem as condições para que os problemas financeiros e económicos possam começar a ser ultrapassados". A crise política das últimas semanas é "extremamente negativa para a percepção do país no exterior". Por isso, um acordo seria um "princípio da solução", acredita Rui Vilar, que realça, no entanto, que esta está "nas mãos dos partidos, mas também do Presidente da República". "Todos têm que assumir as suas responsabilidades."
Os empresários consideram que as exigências de Cavaco Silva aos partidos estão "em linha com os anseios mais profundos" da população, ainda que se corra o risco de aqueles não chegarem a acordo, "em prejuízo de todos nós" - e é esse cenário que querem evitar com este apelo.
O ex-líder do PSD Luís Marques Mendes defendeu ontem que os partidos têm de fazer um "acordo a sério e não apenas de generalidades e banalidades" para não defraudar o país. O também conselheiro de Estado espera que seja uma "decisão rápida", uma vez que o caso já se está a prolongar e "as expectativas das pessoas estão muito elevadas". Quanto mais tempo demorar, maior será o choque, se o acordo falhar. "Correm o risco de ficarem todos, mas todos, mal na fotografia", incluindo o Presidente, avisa. "Esta é crise política má, que podia e devia ter sido evitada e que deve ser resolvida com rapidez."
Na génese desta crise está uma opção errada do Governo: não ter feito a reforma do Estado no início da legislatura. "Foi muito mais austero sobre as pessoas e as empresas e menos sobre o Estado, fazendo o ajustamento mais pelo lado da receita de impostos e menos pelo corte da despesa estrutural." As grandes reformas como a do Estado "ou se fazem nos primeiros dois anos de governação, ou já não se fazem, porque se deixa de ter apoio". E o espaço de manobra do Governo é agora "muito diminuto".
Anteontem à noite, também o ex-Presidente da República Ramalho Eanes disse acreditar que a iniciativa de Cavaco de pedir este "compromisso de salvação nacional" para cumprir o programa de ajuda externa, ainda que "ousada," é a "correcta" e poderá permitir que o país saia desta situação de crise. Ramalho Eanes considerou "indispensável" a reforma do Estado, mas ela tem de ser feita num "ritmo" adaptado ao da sociedade. Avisou que os governantes não se podem esquecer que "em todas as mesas tem de haver o pão necessário, o mínimo necessário". Caso contrário, há "o perigo de uma explosão social", embora até aqui os portugueses se tenham portado bem neste campo - "demasiado bem", fez questão de vincar.

Um acordo, ao 18º dia?
18/07/13 00:35 | António Costa in Diário Económico online

Portugal pagou ontem o juro mais elevado desde Outubro de 2012 na emissão de Bilhetes de Tesouro (BT) a 12 meses, ou seja, os investidores estão a dizer-nos duas coisas: desconfiam do que aí vem e, pior, recuámos mais de dez meses no trabalho que já foi feito por causa de uma crise política que entra hoje no 18º dia.

 Vale a pena fazer um pouco de história. O que sucedeu em Portugal desde Outubro do ano passado? Em primeiro lugar, o Governo foi obrigado a renegociar as metas de défice da ‘troika', depois de um orçamento de cortes temporários e aumento de impostos que falhou os objectivos. Vítor Gaspar anunciou ao país, no dia 15 de Outubro, "um enorme aumento de impostos", um verdadeiro confisco legalizado por lei do Parlamento. Esta obsessão - e a recusa em perceber que o acordo com a ‘troika' estava esgotado - permitiu manter, a custo, uma trajectória de credibilização externa do país e, por causa disso, o regresso aos mercados, de forma assistida, com emissões a cinco e dez anos. Logo a seguir, a anunciada reforma do Estado, ou melhor, o corte de despesa estrutural de 4,7 mil milhões de euros, que ainda não saiu do papel, mas serviu para assustar, e motivou mais duas greves gerais.
Bastaram pouco mais de duas semanas de crise para os credores - aqueles que poderão resolver uma coisa muito prosaica que é a necessidade de financiamento do país no pós-‘troika' - mostrarem que tudo isto foi (quase) em vão. E ‘isto' tem responsáveis, com nome e apelido.
O método de Cavaco Silva serviu apenas, até agora, para agravar uma crise política com consequências presentes e futuras imprevisíveis. Há muitas dúvidas e poucas certezas. Depois de várias reuniões - com ministros e Presidente à mesa - há sinais, mas apenas sinais, de que os partidos do Governo e o PS podem entender-se e, agora, há uma espécie de tentativa de limitar os danos do ponto de vista mediático. Quem vai aparecer, perante o seu próprio partido, e o seu eleitorado, a ceder menos.
A avaliação vai ser muito fácil de fazer. Depois de Cavaco Silva ter ‘entalado' os três líderes, responsabilizando-os pelo que suceder, há uma medida para perceber se há um acordo de salvação nacional de facto e de direito, isto é, se resiste à primeira votação no Parlamento. O Governo anunciou cortes de 4,7 mil milhões de euros para o período 2013/2015, negociados com a ‘troika', como condição para levar até ao fim o acordo, e o país até ao programa cautelar.
A ideia de que o Governo, este ou outro, podem dispensar cortes no Estado nos próximos três anos é apenas pueril ou, pior, demagógica. António José Seguro já não pode alinhar na ideia de que é contra a austeridade, porque vai precisar da ‘troika', desta ou de outra quando e se chegar ao poder. Dito isto, se conseguir assegurar um compromisso do Governo - para o qual contará seguramente com o apoio do CDS - para reduzir este plano de cortes, e ainda por cima, garantir eleições dentro de um ano, poderá sempre justificar o acordo, em nome do país. Pedro Passos Coelho, claro, ganha um ano de vida política com outra estabilidade, em nome do país.
Ora, o Presidente assumiu um risco enorme, para si, mas sobretudo para o país. Porque, agora, qualquer coisa que seja apenas um acordo de princípio não vai chegar para satisfazer as exigências de Cavaco Silva, mas, sobretudo, da ‘troika'. E, nesse momento, será necessário voltar a ler com atenção os primeiros 12 minutos da intervenção de Cavaco Silva para nos prepararmos para o pior, que nos espera.

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