domingo, 28 de julho de 2013

A chanceler Angela Merkel é "uma metáfora do povo alemão".


João Lopes Marques Quando sentiu na pele as consequências do discurso "moral" de Angela Merkel, despertou para o impacto da chanceler na Europa e mergulhou na vida da mulher "mais poderosa do mundo"
João Lopes Marques, de 41 anos, é um português radicado na Estónia. Jornalista, divide-se entre Talin, Lisboa e outras cidades europeias. O seu livro O Plano Merkel - Como Angela Merkel Decide o Nosso Futuro tenta explicar que a política da chanceler alemã "é política interna".

O que fez um mediterrânico radicado no Norte da Europa interessar-se pela figura de Angela Merkel?
Foi Merkel querer dominar e conquistar um espaço que eu pensava que era nosso. O meu europeísmo, o meu optimismo sobre a Europa. A Europa benigna com que cresci, vivi e estudei. Investi metade da minha vida na Europa. Fui parar à Estónia, numa lógica europeísta. Escrevi muito sobre a Europa na Estónia e para os estónios, sobre o nosso conceito de Europa mais a ocidente e menos a leste. E, de repente, chega uma senhora que vem negar categoricamente tudo aquilo que eu pensava e esperava da Europa. Passando ela a ser parte da minha vida diária e da minha luta diária. E começo a escrever sobre esta Alemanha, esta Europa alemã, como Ulrich Beck escreve.

No livro, escreve que o que a espoleta são as conversas que tem no Norte da Europa sobre a aparente fractura entre o Norte e o Sul.
É o que eu mais noto. Houve um momento que teve que ver com o nascimento da minha filha no Verão de 2011, em que eu estou no meu pub, em Talin, às dez da noite, a jantar com um amigo português, que me visita para conhecer a minha filha. E na cidade onde eu vivo há seis anos, a trabalhar, alguém me pergunta de onde eu sou. Eu respondo "de Portugal". E essa pessoa, nos seus 45, 50 anos, vestida com aqueles fatos do Tirol, os calcões de cabedal tipicamente alpinos, diz-me: "Ah, portugueses, eu sou austríaco". E saca do seu cartão Visa e começa a exibi-lo no pub: "Vejam lá, querem que eu pague a vossa dívida?" E aí eu senti-me humilhado... Ele personalizar em mim essa coisa da dívida afectou-me muito. Senti revolta pelo estereótipo. Acho que lhe respondi qualquer coisa "muito obrigado pelo interesse em pagar as minhas contas". E virei-me para o empregado do balcão, o Cris, que conhecia há muito tempo, apontei para o homem e disse: "Aquele senhor quer pagar a nossa conta". E fui-me embora. Aquele senhor ainda hoje deve estar a comentar por que é que teve de pagar o jantar àqueles senhores. Há quem veja nisto uma fractura entre protestantes e católicos, à imagem da Guerra dos Trinta Anos, que redefiniu muita coisa na Europa. É isso também, mas não só. Há um braço-de-ferro entre estilos de vida, culturas e geografias.

Mas acha que o objectivo é esse?
Sobre Angela Merkel, há que estar ciente de quatro coisas. A primeira é a sua obsessão com as exportações alemãs. Ela acredita que as exportações são a vaca leiteira da economia, e valem 50% do PIB do país. A segunda é que, por isso, é vulnerável aos lobbies bancários e industriais. Terceira, está sempre do lado dos fortes - Estados Unidos e Israel. Quarta, está a aproveitar-se da fraqueza dos vizinhos na crise pós-2008. Está a cavalgar nela, com uma certa moral ao nível da austeridade que não vai ajudar a resolver o problema do crescimento, do pagamento do serviço da dívida e só vai fazer crescer o problema da corrupção.

Qual é a verdadeira ameaça que Merkel representa para portugueses, espanhóis, gregos, italianos?
Insensibilidade. A falta de espírito, doutrina europeia. A falta de atenção à História. É o que eu chamo "política quântica". É invertebrada, sem visão, não lidera, vai gerindo no mínimo denominador comum. Por isso é que lhe chamam a "chancelerina last minute". E quando tem de tomar uma decisão, para salvar os seus interesses, toma a decisão que é sempre uma bissectriz qualquer.

No livro, tenta demonstrar a forma como Merkel usa a política europeia para ganhar votos na Alemanha.
Ela joga a carta moral porque pode jogar. É dos poucos políticos que o podem fazer, mas o que me choca é que ela fica sempre do lado dos mais fortes.

Num dos capítulos, onde analisa os discursos de Merkel e Schäuble, conclui que, "doravante, só sobreviverão os europeus que passarem por alemães".
O diktat alemão. Quem melhor escreveu sobre isso foi Boaventura Sousa Santos. Esta Alemanha, que se lê em Ulrich Beck, Boaventura, Gertrud Höhler. E o mais preocupante é que os alemães se revêem nela, numa oportunista política. Os alemães olham para eles próprios como uma grande Suíça: sem qualquer responsabilidade na condução dos destinos europeus. Sendo que estamos a falar no Estado mais central, mais populoso e mais industrializado da Europa. Que tem um poder fáctico, que afecta a vida de todos nós.

Mas o que separa Merkel de outros chanceleres alemães?
Por isso é que eu falo de Merkel como a política quântica. Angela Merkel é a primeira política quântica que nos lidera. A mecânica quântica é diferente, não obedece ao resto. Ela trabalhou 13 anos como funcionária do laboratório da Academia de Ciências em Berlim Oriental. Ele tem um pensamento quântico. E é aqui que eu chego ao princípio da incerteza de Heisenberg, que nos diz que um átomo desaparece num determinado momento sem nós sabermos onde é que ele vai reaparecer. É essa a mecânica merkeliana: o pensamento dela está num local, depois vem o silêncio, e depois reaparece noutro local diferente. Isso aplica-se a todos os temas: dívida grega, salvação do euro, energia nuclear.

E não desvenda o plano Merkel porque não consegue?
Não me senti capaz.

Como estará a Europa daqui a uns anos, no pós-Merkel?
Essa é a grande incógnita, a angústia que senti ao escrever este livro e ao ler livros de outras pessoas sobre Merkel. A questão não é Merkel, é o povo alemão. O povo alemão tende a escolher líderes com este perfil. É como se Merkel fosse uma metáfora do povo alemão. O que me custa perceber é como o alemão é tão indiferente, como relativiza tanto a nossa Europa.

1 comentário:

Anónimo disse...

Se não fosse tão séria, seria ridícula, esta "análise política" do Sr. João Lopes Marques. É um exemplo triste duma pessoa que quer aproveitar-se duma onda de populismo nacionalista para fazer dinheiro com a venda do seu livro pseudo-político. E nem sequer tem vergonha de se vender como um defendedor dum grande "europeísmo".

Por exemplo: o que é que nos quer dizer exatamente este exemplo do austríaco que anda de calções de pele pela Estónia? Será que o autor esqueceu-se que os austríacos não podem participar nas eleições alemães? Ou quer dizer-nos que é tudo a mesma malta lá no norte, não se pode distinguí-los, tal como os chineses e japoneses, não é?, e aqueles que acreditam no elefante, como se chamam, ah indianos? Realmente… a ignorância não tem limites.

Esta obsessão com a Merkel só serve para uma coisa: designar um inimigo lá fora para desviar a atenção dos verdadeiros culpados. A Alemanha não é responsável pela dívida pública portuguesa e por isso também não a pagará. Sim, a Merkel e o Schauble são antipáticas, insensíveis e feios, e sim, é injusto que o povo português inteiro tem que sofrer agora pelos crimes dos seus governos anteriores. Mas mais injusto ainda seria se o povo alemão teria que pagar pelos crimes de governos em que nunca tinha direto de votar. Além do fato que a Alemanha nem teria capacidade de pagar as dívidas de todos os outros países europeus altamente endividados, nem perto.

A Alemanha não é a causa e não é a solução para a crise em Portugal. Melhor era aprender de viver com isso e começar a procurar soluções reais em vez de alimentar um discurso de nacionalismo e de vitimização infantil.