domingo, 28 de julho de 2013

A Baixa voltou à moda, mas onde estão os moradores?


 "A vida nocturna e o movimento desta zona da cidade, que atraem Tiago, são também um dos elementos menos positivos da experiência (sim, porque ele diz que "morar na Baixa não é para sempre"). "Haver tanta oferta para sair à noite é conveniente e inconveniente, porque deitamo-nos mais tarde do que devíamos e isto não é vida durante muito tempo", diz, a rir, acrescentando: "Além disso, a minha casa não tem vidros duplos e o ruído é muito, ouvem-se os autocarros e os carros a passar... A longo prazo, é cansativo morar numa parte muito movimentada da cidade".
Esse foi um dos motivos que levaram Rodrigo Brito, um arquitecto de 37 anos, a abandonar a Baixa, depois de lá morar durante três anos e meio. "Fui para o centro porque é uma zona bonita, que não está estragada e tem uma série de serviços abertos todos os dias a qualquer hora. Mas passou a ter muita gente. Gente que só vai para lá à noite e esse excesso de pessoas que, a determinada altura, já fazia com que eu não conseguisse divertir-me ou relaxar, pesou na minha decisão de sair", diz. Rodrigo está "a experimentar" viver em Matosinhos-Sul, mas quer regressar ao Porto, quando as condições financeiras o permitirem. Não para a Baixa, mas para a Foz."

Hoje todos reconhecem que a Baixa portuense mudou, mas não sem alguns problemas
Primeiro, veio a intervenção da Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura, que reconfigurou muitas ruas da Baixa, aumentando o espaço para os peões, tornando vias esquecidas mais apetecíveis. Houve custos associados - muito comércio não resistiu a tantas obras durante tanto tempo -, mas a cidade começou a mudar. Associe-se a isto a energia levada pelas galerias de arte e lojas alternativas que se instalaram na Rua de Miguel Bombarda e arredores, os milhares de novos turistas que a Ryanair começou a despejar no Aeroporto Francisco Sá Carneiro e a aposta da câmara em voltar a colocar o centro da cidade no topo das preocupações, avançando com as operações de reabilitação urbana, e estava criada a receita para que a Baixa voltasse a ser, literalmente, o coração do Porto. Hoje todos reconhecem que a Baixa mudou, mas não sem alguns problemas. A incapacidade de cativar e fixar novos moradores está no topo das questões por resolver.
Os candidatos às autárquicas de Setembro divergem em muitas coisas, mas são unânimes num ponto: o Porto precisa de atrair novos moradores. Com pouco mais de 273 mil moradores, segundo os Censos 2011, o município não tem parado de perder habitantes nas últimas décadas. Ainda assim, o centro da cidade está diferente, tem turistas e visitantes nocturnos, em busca dos restaurantes e bares. "Temos restauração, animação, teatros. Mas precisamos de moradores, está na altura de apostar na habitação", diz o líder da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto, António Fonseca. Não é que eles não tenham surgido, mas ainda são demasiados os edifícios vazios.
Muitos estão demasiado degradados para acolherem alguém, outros foram reabilitados mas são demasiado caros para os bolsos de quem gostaria de os ocupar. Outros ainda foram esvaziados de quem lá morava e estão a degradar-se. Tiago Garrido, de 37 anos e médico dentista actualmente a estudar Filosofia, é natural da Foz, mas mudou-se para a Baixa há três anos. Reside num apartamento alugado, na Praça de Carlos Alberto, depois de muito procurar. "Queria morar no centro, mas só via lixo. Sou um bocado esquisito, queria uma casa antiga, mas as que via ou estavam demasiado degradadas ou estavam reabilitadas e tinham perdido toda a parte antiga por dentro, além de serem muito caras."
Quando encontrou o T2, reabilitado ao abrigo do programa RECRIA, agarrou-se a ele e, três anos depois, não tem dificuldade em fazer um balanço do que é viver na Baixa. "Tenho tudo à mão, a costureira e o sapateiro. Ainda há vida de bairro. Tem muita vida à noite e todas as semanas abre um café ou um bar novo. Há muitas esplanadas, que é uma coisa maravilhosa, e feirinhas por todo o lado", diz.
A vida nocturna e o movimento desta zona da cidade, que atraem Tiago, são também um dos elementos menos positivos da experiência (sim, porque ele diz que "morar na Baixa não é para sempre"). "Haver tanta oferta para sair à noite é conveniente e inconveniente, porque deitamo-nos mais tarde do que devíamos e isto não é vida durante muito tempo", diz, a rir, acrescentando: "Além disso, a minha casa não tem vidros duplos e o ruído é muito, ouvem-se os autocarros e os carros a passar... A longo prazo, é cansativo morar numa parte muito movimentada da cidade".
Esse foi um dos motivos que levaram Rodrigo Brito, um arquitecto de 37 anos, a abandonar a Baixa, depois de lá morar durante três anos e meio. "Fui para o centro porque é uma zona bonita, que não está estragada e tem uma série de serviços abertos todos os dias a qualquer hora. Mas passou a ter muita gente. Gente que só vai para lá à noite e esse excesso de pessoas que, a determinada altura, já fazia com que eu não conseguisse divertir-me ou relaxar, pesou na minha decisão de sair", diz. Rodrigo está "a experimentar" viver em Matosinhos-Sul, mas quer regressar ao Porto, quando as condições financeiras o permitirem. Não para a Baixa, mas para a Foz.
A Baixa tornou-se o centro da animação da cidade e andar nas ruas passou a ser dar de caras com um novo bar, uma mercearia ou uma loja de produtos tradicionais ou de design. Mas passou também a ser um local mais sujo, mais incómodo para viver - as reuniões públicas da câmara tornaram-se o palco das queixas intermináveis dos moradores sobre o excesso de barulho, carros mal estacionados e lixo. Uma cidade mais suja e com graves problemas de estacionamento são queixas que se ouvem a Tiago e a Rodrigo, mas também a Mónica Fernandes, responsável por uma loja de livros e brinquedos didácticos, que abriu há menos de um ano em Cedofeita.
A Rua de Cedofeita, que já foi uma das preferidas dos portuenses para comprar, tarda em aderir à revitalização da Baixa. São poucas as lojas novas, há espaços vazios e outros que, nos últimos anos, abriram e fecharam demasiado depressa. Mas a proximidade com a Rua de Miguel Bombarda e aquilo que designa por "charme mais caseiro" cativaram Mónica, que não se arrepende da escolha. "É sempre um processo longo e os resultados nunca são imediatos, mas estou contente por termos vindo para cá", diz.
A alguns metros de distância, na Travessa de Cedofeita, há um papel colado na montra do que era, até há cerca de mês e meio, uma loja de roupa. Fechou? "Não, apenas mudámos para um sítio maior, na Rua de José Falcão, porque aquele espaço era muito pequeno", explica Ivo Ferreira, responsável pelo espaço. O mais provável, diz Marcelo Aguiar, o proprietário da antiga loja, é que "o futuro do edifício passe por uma mudança de alvará, provavelmente para bar", levando mais uma casa nocturna à estreita via do centro.
Se dependesse de António Fonseca, não abriam mais bares na Baixa. "O Porto já tem noite suficiente. Há demasiada oferta para a procura e a cidade precisa de apostar, agora, na habitação", defende. Nuno Camilo, presidente da Associação de Comerciantes do Porto, também defende que encher o centro do Porto com moradores é essencial. "Esse é, sem dúvida, o grande problema que os próximos executivos terão de enfrentar. As lojas só existem se existir movimento e é preciso conseguir vencer o desafio de convencer as famílias a viverem no Porto, a desenvolverem as suas actividades na cidade".
Até porque a vida não anda nada fácil para o comércio, garante, apesar do movimento imparável de novas lojas. É que também há muitos espaços que fecham. "No país, fecham cem lojas por dia e 25 são no distrito do Porto. E isto, conjugado com a taxa de desemprego, que é a maior do país [17,6%, segundo os últimos censos], com o aumento do IVA e a lei das rendas, está a dificultar muito a vida aos comerciantes", diz.
Na Baixa, diz, esta conjuntura podia ser combatida com mais estacionamento ("o que existe tem preços exorbitantes") e com mais moradores. E, já agora, com a recuperação daquele que é um dos grandes ícones da Baixa: o Mercado do Bolhão.
No Porto, não há candidato que não prometa trazer mais habitantes para o centro e reabilitar o Bolhão. Degradado, esvaziado de vendedores, mas ainda um verdadeiro íman a cativar turistas e curiosos, com algumas velhas resistentes a chamar "ó morzinho" e a "queridinha", o mercado é uma verdadeira metáfora da cidade e da sua Baixa. Daquilo que já foi feito e do que ainda falta fazer.

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