A questão da confiança
A maioria e o Presidente parecem mais interessados na relegitimação do que nas sementes do diálogo
Na ressaca da comunicação do Presidente no domingo, o
país move-se, um pouco como um sonâmbulo, procurando deitar contas a três
semanas de ansiedade sem precedentes na história democrática portuguesa. Há um
desejo de respirar de alívio e esquecer o que se passou. Por isso se fala de
confiança. Mas em modos eventualmente excessivos. É obscura a razão que levou o
Presidente a anunciar ao país que o Governo tenciona apresentar uma moção de
confiança. Esse anúncio competia, como é evidente, aos partidos da maioria, que
ontem anunciaram que esta será votada na próxima segunda-feira. O afã do PSD e
do CDS em procurarem esse voto de confiança é também excessivo e, de algum modo,
contraproducente. Tal como aconteceu na moção de censura apresentada por Os
Verdes na semana passada, o PS votará contra o Governo. Dito de outra maneira, a
moção de confiança contradiz palavras em que Cavaco Silva e Passos Coelho
coincidiram. Os dois afirmaram que sobraram sementes das negociações falhadas
entre os três partidos e que o diálogo, afinal de contas, não é uma conversa
acabada. Não seria melhor procurar encontrar formas de manter a continuidade
desse diálogo em vez de avançar para uma moção de confiança que nada adianta?
PSD e CDS não podem esquivar-se à responsabilidade de terem provocado a crise
das últimas semanas. E, no regresso a uma estranha normalidade em que nos
encontramos, deviam sobretudo procurar reconquistar a confiança do país. Não foi
só a credibilidade externa de Portugal que ficou abalada, foi também a
credibilidade interna das instituições democráticas. E não é certo que as
condições para o diálogo a três tenham ficado melhores. A crise, não vale a pena
ter dúvidas, vai continuar. Não há moções que cheguem para esconder esta
evidência.
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