Eleições? Foram no sábado
Por João Miguel Tavares
09/07/2013
Portugal continua a dar novos mundos ao mundo, agora no domínio da teoria política: no espaço de uma semana, o Governo PSD-CDS liderado por Pedro Passos Coelho e com o programa de austeridade de Vítor Gaspar caiu, para ser substituído por um novo Governo CDS-PSD liderado por Paulo Portas e com o programa de crescimento de António José Seguro. Confuso? Oh, sim. Mas diante disto não há como exigir eleições antecipadas - elas já aconteceram no último sábado. O povo é que, coitado, não teve oportunidade de participar.
Eu devo confessar que o queixo caiu-me aos pés há oito dias e ainda não tive oportunidade de o apanhar. Aquilo a que assistimos até agora foi algo nunca visto: uma mudança de Governo, de primeiro-ministro e de política com a legislatura em andamento. Uma coisa tipo poço da morte, com os irmãos Pedro & Paulo em equilibrismos alucinados em cima de uma mota em alta velocidade - reparem, agora sem mãos! E não é que depois de sete piruetas e quatro saltos mortais eles continuam em pé? Eis o maior mistério de todos: é possível que um conflito irresponsável e absolutamente inadmissível venha a dar origem a um Governo mais coeso do que anteriormente, valorizando pelo caminho o papel institucional de um Presidente da República cuja popularidade andava pelas ruas da amargura.
O que aconteceu na semana passada pode muito bem ter sido o momento Alexander Fleming da legislatura: de uma série de amostras a apodrecer em cima da bancada saiu a penicilina. É verdade que existe uma boa dose de optimismo neste meu raciocínio, e que é possível que o futuro Governo venha a ser apenas um placebo para enganar o zé-povinho. Mas uma coisa Pedro & Paulo já conseguiram: contra todas as probabilidades, o novo Governo vai ser aprovado por Cavaco e ganha um segundo fôlego que nem sequer fez por merecer. É como se dois suicidas se apaixonassem a meio da queda e acabassem por cair em cima de uma pilha de colchões. A questão é: como foi possível este milagre?
Bom, eu diria que é a vantagem de termos três partidos do arco governativo sem uma ideologia perceptível. Todos eles são liberais às terças, socialistas às quartas, pelo crescimento às quintas e pela austeridade às sextas. Hoje pode ser-se uma coisa e amanhã outra completamente diferente sem qualquer revolta nas bases eleitorais. O que conta para PSD, PS e CDS é a gestão do dia-a-dia, uma ideia muito vaga do sítio onde gostariam de estar a cada quatro anos e a distribuição de lugares pelos fiéis. Donde, a manutenção do poder é muito mais importante do que seguir uma linha de actuação clara e ideologicamente demarcada.
O mau disso, claro, é a inexistência de qualquer estratégia de longo prazo para o país. O bom disso é que se tornam possíveis estas impressionantes guinadas de direcção sem que o Governo chegue a capotar. Eu gosto muito daquela frase de Séneca que diz (é um queixume): "Para barco sem rumo não há vento favorável". Mas um barco sem rumo tem, pelo menos, esta vantagem: é-lhe indiferente o sítio para onde gira a vela. E num momento em que estamos absolutamente à mercê de um vento que não controlamos, talvez essa versatilidade não seja tão inútil quanto isso. Votar em Setembro de 2013 não resolveria o que quer que fosse, e as sondagens revelam-no: a maior parte dos portugueses não quer eleições. É possível que acabemos na mesma esgotados e à deriva? Sim, é. Mas antes mais tarde do que já.
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