sábado, 6 de julho de 2013

Um Novo Ciclo ? Dossier / O Voo do Corvo.


Passos e Portas tentam redimir os seus erros com novas promessas. Deviam tê-las feito há uma semana

Editorial / Público / Os pecados originais do "novo ciclo"



O primeiro-ministro e o futuro vice-primeiro-ministro mostraram-se ontem ao país no papel do pecador disposto à redenção. A hora foi de fé, de promessas e de compromissos. Pedro Passos Coelho não poupou nas palavras: "renovação", "acordo sólido", "reforço do compromisso", "novo ciclo", "esperança", "obrigação". O futuro próximo pretende fazer tábua rasa do passado recente. A hora é de sarar feridas e alimentar a esperança de que a coligação cumprirá a legislatura. Paulo Portas revoga a obediência à sua "consciência" e ficar no Governo deixou de ser um "acto de dissimulação" politicamente insustentável e pessoalmente não exigível, como prometera na sua carta de demissão. Passos parece ter esquecido a "surpresa" dessa demissão e perdoa, prometendo até corrigir o seu comportamento em matéria económica. O tempo em que queria ir além da troika finou-se. O primeiro-ministro é hoje um homem novo, abjurou a receita da austeridade total e promete "valorizar a política económica" que trará crescimento e emprego.
Com uma nova orgânica, um novo compromisso e uma reorientação das prioridades, o Governo apresenta-se assim como portador de um tempo novo. Afinal, era fácil encontrar no cadáver do que se extinguiu as bases para a ressurreição. Paulo Portas tinha afinal poder para influenciar o primeiro-ministro e o primeiro-ministro abertura para acolher as suas propostas. A demissão de Portas surge-nos assim de uma forma ainda mais absurda e injustificável. E deixa no ar dúvidas sobre se o Governo restaurado tem condições políticas para merecer a confiança dos portugueses. Vinho novo em odre velho não costuma dar resultado.
As dúvidas começam com a fragilidade política de Paulo Portas. Na nova orgânica do Governo, Portas sobe, mas na apreciação dos cidadãos a sua reputação nunca esteve tão baixa. Depois, as suas novas responsabilidades, que, além da coordenação económica, abrangem a relação com a troika, deixam a nova ministra das Finanças (e de Estado) numa posição difícil. Como é que Maria Luís Albuquerque, cuja escolha, diz a carta de demissão de Portas, não se fez nem de forma "cuidadosa" nem "consensual", poderá trabalhar sob a sua orientação?
Por definição, um Governo que desfaça a orgânica populista da sua primeira versão, que conte com nomes prestigiados como os de Pires de Lima ou Jorge Moreira da Silva e que enterre de vez a ideia de que a austeridade extrema é a chave do futuro tem melhores condições do que a versão que entretanto faleceu. O seu problema é ter a marca do fatalismo, de existir por pressão externa, de manter no poder personalidades que na última semana protagonizaram gestos irreflectidos que delapidaram parte da credibilidade que o país tão duramente tinha conquistado. Será que Passos e Portas serão capazes de superar estes pecados originais?


As cinco incógnitas do novo acordo de coligação



Cargo de vice-primeiro-ministro tem zonas sombrias. Por Leonete Botelho
in Público


Ao ficar com a coordenação das pastas económicas, o CDS fica com o monopólio dos assuntos económicos do Governo?
Se se confirmar que, na remodelação que se segue, o CDS assume a pasta da Economia, o segundo partido da coligação fica, de facto, com o domínio absoluto das pastas económicas do Governo. No actual figurino, o CDS já concentra o mega-ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, além da Segurança Social. Se esta situação se mantiver (ainda que sem o Ambiente) e mesmo que o Trabalho se desloque da Economia para a Segurança Social, o partido de Paulo Portas, com ele na coordenação superior, ganha um peso inédito na definição das políticas económicas em Portugal.

Como vai o Governo articular--se internamente sobre a coordenação com a troika?
Não será fácil: a representação oficial de Portugal junto da troika sempre foi feita pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças, que representam o país nos importantes centros de decisão europeus. Ao criar uma figura intermédia nesta hierarquia, é provável que se crie ruído. Maria Luís Albuquerque terá de reportar a Paulo Portas ou a Passos Coelho? Portas acompanhará ou substituirá Passos Coelho nas reuniões? A primeira análise é política: revela que, depois de ter pedido a demissão por não concordar com a escolha de Albuquerque para as Finanças, Portas só aceitou ficar, se estivesse num patamar superior à antiga secretária de Estado.

Ao dar ao CDS a coordenação com a troika, Passos adopta as críticas de Portas sobre as políticas seguidas e a Europa?
Também aqui vai ser preciso esperar para ver se há uma inflexão no discurso do primeiro--ministro, que tem sido um convicto defensor das políticas de austeridade. Isto, enquanto Portas se tem mostrado muito crítico quanto a algumas propostas, tendo mesmo traçado linhas vermelhas, como no caso da TSU e da sobretaxa sobre pensionistas. O pior que poderia acontecer era o Governo passar a ter dois discursos sobre o programa de ajustamento e as políticas europeias. No Parlamento Europeu, os eurodeputados do CDS já defenderam a mutualização de parte da dívida e os eurobonds, propostas que Passos nunca assumiu, embora o seu ministro adjunto já o tenha feito.

O cargo de vice-primeiro-ministro esvazia o de ministro adjunto do primeiro-ministro?
Mesmo que Paulo Portas não assuma a coordenação política do Governo, hoje da responsabilidade de Miguel Poiares Maduro, o facto de passar a existir um outro coordenador para as matérias económicas vai exigir, pelo menos, que todos se dêem muito bem. Além disso, o Governo tem ainda outro ministro encarregue de coordenar o Conselho de Ministros - o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares. Passos terá de assumir a coordenação dos coordenadores.

Passos Coelho perde poder no Governo?
Para manter o Governo de coligação, Passos Coelho foi obrigado a partilhar poder com o novo vice-primeiro-ministro. Mas ao atribuir-lhe tão decisivas responsabilidades numa coligação que esteve por várias vezes em risco de ruptura por incompatibilidades políticas e pessoais, a situação é, no mínimo, arriscada. Há 30 anos que Portugal não tem experiência de um governo com um vice-primeiro-ministro, pelo que não é fácil tirar lições do passado.

Tem este Governo condições para chegar ao fim da legislatura?
Esta é a pergunta de um milhão de dólares. Até há uma semana, Paulo Portas preparava-se para dizer no congresso do CDS que só garantia o apoio ao Governo até ao fim do programa da troika, em Junho de 2014. Depois dos últimos acontecimentos, com a relação de confiança tão desgastada e as divergências tão visíveis, resta saber como vão reagir também os credores, os mercados e os eleitores, a começar já nas autárquicas. Se os dois líderes têm responsabilidades maiores agora, certo é que a evolução dos acontecimentos vai depender em grande parte do contexto económico europeu e do programa que se deverá seguir ao da troika.



Portas sobe a vice-primeiro-ministro mas fica amarrado à troika e ao PSD.

Por Sofia Rodrigues
07/07/2013

Com o acordo ontem apresentado por Passos Coelho, o líder do CDS sai com o poder reforçado, mas perde margem para criticar políticas. A ministra que o levou a demitir-se acaba por ficar sob a sua alçada

Quatro dias depois de fazer a ruptura com o Governo, Portas consegue uma espécie de negócio-chave na mão: sobe a vice-primeiro-ministro, passa a ser o negociador do memorando com a troika e o coordenador das políticas económicas. Fica acima da ministra das Finanças e com influência no seu maior dossier - o relacionamento com a troika -, mas aceita a governante que contestou para o cargo.
No anúncio do acordo, ontem, em Lisboa, Passos Coelho remeteu para o Presidente da República a divulgação das outras alterações no Governo, de nomes e de orgânica. E afirmou a convicção dos dois líderes de que o acordo garante "a estabilidade até ao fim da legislatura".
Certo é que Paulo Portas deixa o Ministério dos Negócios Estrangeiros para ser vice-primeiro-ministro, uma pasta que não existe em Portugal há quase 30 anos, e torna-se o negociador do memorando de entendimento, processo que até agora era liderado pelo ministro das Finanças. Ao que o PÚBLICO apurou, Nuno de Brito deverá ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros. Jorge Moreira da Silva (vice-presidente do PSD) foi convidado para integrar o Governo, assim como António Pires de Lima, que deverá ficar com a Economia.
Na nova arquitectura do Governo, o líder do CDS fica com a chave do mote do novo ciclo governativo: terminar o programa de ajustamento financeiro e estimular a economia. Mas também fica com o outro lado da moeda: o risco de ficar sem o discurso anti-troika que o CDS vinha a fazer nos últimos tempos. Desde o passado Outono que os centristas começaram a defender que o Governo devia fazer uma negociação política e não meramente técnica com a troika. E, mais recentemente, no debate do Orçamento Rectificativo de 2013, alinhado com o PSD, sustentou que é a vez dos credores fazerem um esforço por Portugal, depois dos sacrifícios dos portugueses terem ido para lá do aceitável. Era também público que o CDS defendia uma revisão da meta do défice para 2014, considerada desfasada da realidade.
A aposta de Portas, ao aceitar este dossier, é precisamente que as instituições internacionais passem a ser mais compreensivas com as derrapagens nas contas, tendo em conta o arrefecimento da economia. Já a coordenação das pastas económicas era uma ambição pública do líder do CDS desde há vários meses.
Depois de quatro dias em que os dois partidos "trabalharam arduamente" para ultrapassar a situação, Passos Coelho usou o plural para falar da nova fase do Governo, embora o compromisso não tenha sido selado em público com um aperto de mão. "Queremos agora iniciar um novo ciclo da vida nacional, que desejamos que coincida com a viragem da situação económica", afirmou, ao lado de Paulo Portas.
O PSD e o CDS vão apresentar um manifesto sobre política europeia que incluirá a proposta de concorrer às próximas eleições europeias de 2014 numa lista única. A decisão de uma pré-coligação entre os dois partidos vai ser antecipada, já que Portas tinha remetido uma decisão até ao final do ano, mas deu sinais de que o CDS poderia ir sozinho.
Um modelo de Governo com vice-primeiro-ministro já não se via desde os anos 1980. O último foi Carlos Mota Pinto que, no XI Governo Constitucional (1983-1985), assumiu o cargo num Governo liderado por Mário Soares, acumulando esta pasta com a da Defesa Nacional.
Antes, no mesmo Governo e por apenas dez dias, as duas pastas tinham estado nas mãos de Rui Machete. Também Freitas do Amaral foi vice-primeiro-ministro, e por duas vezes: a primeira num executivo liderado por Francisco Sá Carneiro, em 1980, em que acumulava com a pasta dos Negócios Estrangeiros, e no VIII Governo Constitucional (1981-1983), liderado por Francisco Balsemão, desta vez assumindo também o Ministério da Defesa.
"Não espero que se revejam"
Depois do choque e da perplexidade dos centristas confrontados na terça-feira com o pedido de demissão de Paulo Portas, o líder do CDS começou a dar explicações aos militantes sobre a sua decisão. No Conselho Nacional de sexta à noite, marcado para adiar o congresso, o líder do CDS justificou o motivo de não ter falado com nenhum dos seus colaboradores antes de avançar para a demissão. "Questões de consciência não se partilham", disse, admitindo não esperar que se "revejam" na decisão. E reconheceu o mal-estar no partido: "Não fico nem ficarei nada incomodado que não a compreendam e que a critiquem."
O líder do CDS, Paulo Portas, admitiu que a sua decisão podia levar a "renunciar a qualquer espécie de actividade política quer ao nível do Governo quer ao nível do partido".
A intervenção de Portas não convenceu os centristas do Movimento Alternativa e Reponsabilidade, a ala crítica da actual direcção. "Muitas vezes, os críticos da decisão lhe pediram para explicar o que lhe passou pela cabeça, mas Paulo Portas não explicou nada", afirma Gonçalo Moita, representante daquela corrente. Para o centrista, o líder do partido, ao não esclarecer totalmente a decisão da demissão, passou uma imagem de instabilidade. "Se houve uma motivação não conhecida, pode haver uma outra que o leve a tomar a mesma atitude daqui a um mês", afirmou. Só num ponto houve consenso: "A necessidade de garantir a estabilidade governativa."

Para governar, não chega ter sentido politiqueiro, é preciso estar preparado.


07/07/2013 - 00:00 in Público



Não poupa Gaspar nem Portas por se terem demitido, duvida da capacidade de liderança de Passos, diz que Paulo Macedo é um exemplo de rigor e que a Sócrates e Relvas faltou preparação. O país visto pelo político que, desde 1974, mais anos passou no Governo. Lurdes Ferreira e Manuel Carvalho.



Valente de Oliveira (São João da Madeira, 1937), que passou por cinco governos de três primeiros-ministros do PSD (Mota Pinto, Cavaco Silva e Durão Barroso), assume o afastamento em relação à actual linha do PSD e deixa no ar severas críticas ao funcionamento dos partidos. Entrevista realizada na sexta-feira.



Já conseguiu perceber o que se passou na política portuguesa na última semana?
Não, não consegui. Mas fiquei muito preocupado. Alguém me disse que a demissão do ministro Vítor Gaspar foi muito digna. Eu acho que foi muito pouco oportuna. Quando as pessoas vão para os lugares, têm de estar preparadas para engolir sapos. Muitos sapos. Se ele efectivamente estava desconfortável, deveria ter a medida do abalo que criava quer nacional quer internacionalmente: o abalo nas bolsas, nas relações externas, abalo nos credores, nas instâncias da troika... O primeiro-ministro devia tê-lo segurado o mais possível.



Essa leitura é extensível à demissão de Paulo Portas?
Evidentemente que é. Eu não sei o que se passou. Não sei se houve comunicação entre o chefe da coligação com o outro chefe do partido coligado para escolherem uma pessoa tão importante como é a figura do ministro das Finanças. Aquilo foi o quê? Ele foi para casa a remoer o facto de não ter sido consultado e teve aquela reacção, ou não foi mesmo consultado?



O que acha que aconteceu?
Não sei, ninguém sabe, imagino que só eles é que sabem. A carta do ministro Gaspar tem um remoque no final relativamente à capacidade de liderança do primeiro-ministro, que me deixa muito preocupado. Já não são impressões minhas, só. É uma coisa que até ao seu grande executor causou impressão.



Estamos numa fase em que a solução está nas mãos do Presidente da República. Que sugestões lhe daria?
Nenhumas. Acho que o problema está muito mais atrás. Os partidos são fundamentais na formulação da vontade política de uma colectividade. Mas os partidos em Portugal têm um modo de gerar o seu escol que precisa de ser profundamente revisto. Dentro dos partidos temos de ser muito mais rigorosos para permitir a ascensão de dirigentes.



O problema está no escol gerado pelos partidos?
O escol gerado pelos partidos não traduz uma nata, uma camada preparada, conhecedora, responsável. Corresponde mais a uma lógica das juventudes de há 20 anos. Isto passa-se em todos os partidos, porque a lógica é geral. Temos de rever profundamente a maneira como é segregado o escol dentro dos partidos, que é o que chega à governação. Não chega ter sentido politiqueiro, é preciso estar preparado. Nós vemos o que aconteceu a gente que mostrou que a sua preparação não era a mais sólida...



Está a falar de quem?
Estou a falar de [José] Sócrates e de [Miguel] Relvas e posso continuar. Mas bastam estes dois. Isto tem de ser para gente com uma sólida formação profissional, não precisa de ser científica. Tem de ser profissional no sentido dos instrumentos de análise, de reflexão, se sabe pensar, se sabe ter contactos com o exterior... Há outros países da Europa em que isso não acontece, em que não se segregam esses valores, como acontece em Itália. Muitas vezes perguntei por que é que a Itália suportava tanta mudança de governo. Porque tinha uma administração solidíssima, de gente que não queria ir para a política mas assegurava o bom funcionamento da administração, das universidades, das instituições empresariais.



Não temos esse tecido institucional?
Temos este mau costume de substituir os altos funcionários, que é uma tradição americana e espanhola. Mas países que têm pouca capacidade para financiar uma administração devem tratar dela, mantê-la neutra e apartidária, rigorosamente fora dos jogos partidários. Sou suspeito porque fui eu quem fundou o INA (Instituto Nacional de Administração) no tempo do professor Mota Pinto. O INA foi feito para despartidarizar e para contribuir para o robustecimento de uma administração competente. Que usasse os melhores exemplos das administrações, como os da holandesa, inglesa e francesa, que mantêm uma longa tradição de competência para analisar os dossiers, para preparar as decisões, para fornecer aos ministros alternativas. Acabou por ser extinto, irresponsavelmente extinto.



Itália chegou a uma situação de perigo e foi necessário ir buscar Mario Monti fora dos partidos. Esse exemplo é bom para Portugal?
Não há duas situações iguais e não me atrevo a dizer o que o Presidente tem de fazer.



Então qual é a solução para o estado actual do país?
Só há uma solução a prazo. A responsabilidade de qualquer acto neste conjunto de circunstâncias é que não há soluções de curto prazo. Não há quem consiga com uma única medida, com uma varinha de condão, resolver uma situação tão complexa. Temos de dizer a nós próprios que os partidos são fundamentais para se formar a vontade colectiva.



Mas, como poderia haver mais rigor na selecção do escol que gere o país?
Não pode ser uma lei. Tem de vir de dentro dos partidos. Por exemplo, não se eleger qualquer pessoa para quadros das concelhias ou distritais. Tem de haver alguém com o sentido de rigor que diga "não podemos aceitar tudo". Há histórias chocantes de ascensão dentro dos partidos. Como há quem diga que esteve lá, não gostou e foi embora.



O cenário de eleições antecipadas seria um cenário de irresponsabilidade?
Eu não gostava de ter eleições antecipadas, mesmo que fossem feitas daqui a três meses... Neste momento não somos totalmente soberanos. Respondemos a uns senhores que nos emprestam dinheiro se fizermos isto, aquilo e aqueloutro. E nós prometemos cumprir. Não comandamos totalmente os nossos destinos. Viu-se isto esta semana: os juros subiram, a bolsa desceu. Qualquer coisa que se faça neste momento é de uma sensibilidade enorme.



A colectividade tem de aceitar os erros e actos irresponsáveis de quem governa? Isso não é uma degradação dos valores da democracia representativa?
É. Isso é uma degradação. Mas de há uns anos para cá temos vindo a ter uma qualidade de vida pública progressivamente degradada. Há um ou outro exemplo de grande rigor e competência - não tenho dúvida nenhuma em indicar o exemplo do ministro da Saúde. Temos estrelas que deviam ser valorizadas e o ministro da Saúde é uma delas.



Há na política um problema geracional em consequência de ela estar a ser exercida pelos jovens que, como disse, há 20 anos estavam nas juventudes partidárias?
Eles estão cada vez menos jovens. O que têm é o mesmo comportamento de há 20 anos. E isso é que me preocupa.



Fazia sentido voltar a pedir o empenho das pessoas que estiveram no poder nos anos 1990 ou 80?
Não, de maneira nenhuma. Essa geração está hoje com setenta e muitos, uns bem de cabeça e de saúde, outros já com limitações. Isto tem de fluir naturalmente. A passagem de testemunho de uma geração para outra deve fazer-se.



Em Portugal não foi feita ou não foi bem feita?
Não foi bem feita.



Foi um político com muita influência nos anos 1980 e 90. Está a fazer mea culpa?
Isto não tem a ver com a actuação de um ministro. Não vou fazer mea culpa, vou até fazer o contrário: tenho a consciência tranquila a esse respeito porque dirigi uma organização, a Comissão de Coordenação do Norte, que deu 12 ministros e todos eles bons, uns do PSD outros do PS. Não sei de nenhum que não tivesse desempenhado bem as suas funções. Essa responsabilidade eu penso que me desincumbi dela a muito contento.



Não estará o país na actual situação por ter apostado mais no efémero do que na capacidade produtiva do país?
Foi. Mas houve muitas coisas que correram no sentido positivo. Temos muitos centros de excelência. Tive durante dez anos a tutela da ciência e fui muito criticado quando disse que devíamos apostar primeiro na formação e que só depois devíamos construir laboratórios. E foram centenas de bolseiros...
Mas ficamos com muitos cientistas e com pouca economia.
Aí é que está a falha. Ainda não temos instrumentos de transmissão do conhecimento para a aplicação. Fazemos muito bem a investigação, e temos muitos centros que o provam aqui no Porto, mas também em Braga, em Guimarães em Aveiro, só para falar do Norte. Depois não damos o salto para as suas aplicações. Como é que isso se faz? Uma das maneiras é dar meios aos que investigam, porque eles não vão investigar toda a vida. É dar meios a esse núcleo e dizer "agora vamos arranjar forma de desenvolver as ideias que tem". Digo isto com uma convicção segura: não há uma única via para o fazer. Vamos ter de fazer isto de muitas maneiras. De resto, esta dificuldade não é só nossa. Também existe na Espanha, em Itália ou na França.
Nas jornadas entre a Associação Empresarial de Portugal e o Museu de Serralves vamos ter um painel que pretende exactamente saber como se transforma o conhecimento em negócio. Assim mesmo, em negócio.



Não se sente co-responsabilizado pelo facto de se ter dado prioridade à infra-estrutura, ao betão?
Devíamos interpretar mais as condições em que as decisões foram tomadas. Quando fui ministro, saía depois do Conselho de Ministros, à quinta ou à sexta, e ia pelo país. Aquilo que as pessoas queriam, o que reclamavam primeiro eram as acessibilidades. Era uma questão de se interpretar a vontade pública e de dar possibilidade a essas zonas. A estrada entre Paços de Ferreira e o Porto, que são 30 ou 35km, não se podia fazer em menos de uma hora. Eu fazia reuniões com autarcas e com os governadores civis e as suas prioridades eram comunicar: "Nós não podemos ficar neste fundo, não podemos ficar isolados." Essa discussão das acessibilidades não é de agora. Era a discussão entre Fontes Pereira de Melo [ministro das Obras Públicas e líder do Governo na segunda metade do século XIX] e Joaquim Pedro de Oliveira Martins [ensaísta, historiador e ministro das Finanças]. O Fontes dizia "é preciso entrar em comunicação", o Oliveira Martins, mais pessimista, dizia "a estrada que vai para lá também vem para cá e as pessoas acabarão todas por vir para Lisboa". São discussões recorrentes. Se me perguntarem se se exagerou no betão, eu direi que sim. Exagerou-se, mas já não foi na minha vigência. Isto não é desculpa, mas nós vínhamos de um grande período de dieta de obras públicas. Havia carências.



É possível neste momento depois da turbulência da última semana pensar que conseguimos regressar aos mercados em 2014?
Não podemos deixar de ter esse objectivo e fazer tudo para lá chegar. Não podemos abrandar. Não podemos abdicar do esforço que temos feito. A reputação é muito importante. O que fizemos foi dentro de um quadro e temos de o levar até ao fim.



Do que conhece do próximo pacote de fundos europeus, vê soluções?
Não sei o que está a ser preparado e nunca gosto de voltar aos assuntos onde estive. Mas 2013 não é 1985. Se há alguma coisa a fazer é nos portos, porque mais de 90% do comércio mundial faz-se por via marítima.



Isso inclui o novo porto para a Trafaria?
Isso é uma tolice. Há uma via de comunicação que foi aberta, a segunda circular de Lisboa, que foi óptima para fixar novas indústrias. Todo aquele cordão está cheio de PME que criaram emprego e estabilidade. Se agora toda esta frente vai ter de fazer mais 100, 120km para chegar à Trafaria, digo que muitas delas não aguentam. Os portos, os aeroportos, as estradas, os comboios fazem-se para servir pessoas e movimento de bens. Para fazer esse movimento de bens é preciso saber onde estão. Vamos estragar-lhes as condições de acessibilidade, aumentar-lhes a distância, fazê-los pagar portagem na ponte. Essa é uma obra não necessária, porque há soluções mais baratas.



Por exemplo?
Fazer a ligação subterrânea entre Alcântara-Terra e o local onde estão os contentores. Quando ouço clamar por uma frente de rio de 20 quilómetros, pergunto se está a ser utilizada em 20 quilómetros. E a vida económica? Não pode haver dois quilómetros para contentores?



O país tem condições para fazer uma reforma do Estado e cortar 4700 milhões de euros?
A reforma do Estado é falada há muitos anos. A reforma não deve acontecer de 20 em 20 anos, deve ser contínua e permanente. As pessoas têm de estar permanentemente a olhar para o que podem fazer mais com menos.



A reforma contínua não será uma ideia poética para quem está na máquina do Estado?
A máquina só por si não se reforma, porque ninguém se auto-reforma. É também por isso que tem de haver ministros, para se dirigirem à máquina. É o Governo que tem de impor à administração uma prestação de contas mais rigorosa.



Do ponto de vista estratégico, percebe-se que seja melhor, mas o cenário que temos pela frente é diferente desse.
Não sei se são quatro mil milhões, se são três mil milhões, mas se por acaso uma das condições é emagrecer muito nos gastos, então fazemos como nas famílias: amarramos os dentes e fazemos.



É desejável pensar uma reforma do Estado sem pensar na regionalização?
Não, e penso isso há muito tempo. O país está cada vez mais centralizado, oiço cada vez mais queixas sobre a inacção dos órgãos periféricos do Estado, que nada se resolve se não for em Lisboa. Estou cada vez mais convencido de que o caminho certo é o da regionalização.



Este momento de crise seria um bom momento para colocar a reforma na mesa?
É sempre tempo de fazer uma reforma. Deve-se é analisar se a reforma é boa ou má, se se incumbem as instâncias adequadas das funções que são precisas desempenhar e curar de guarnecer essas instâncias com pessoas devidamente preparadas.



O que lhe parece o chumbo do TC à criação de uma autarquia intermédia, defendida pelo ex-ministro Miguel Relvas?
Eu disse-lhe que não fazia sentido, em 2002, quando pertencia a um Governo onde ele fez uma proposta semelhante. Disse-lhe que não fazia sentido nem sequer em termos terminológicos. Faltava rigor nas definições. Ele nessa altura chamava-lhe áreas metropolitanas. Era tudo fantasia.



Era ministro do Planeamento, em 1995, quando disse não acreditar em medidas como a exclusividade dos deputados. Continua a pensar assim?
Nessa altura obstaculizou-se a permanência no Parlamento de muita gente de categoria intelectual bem conhecida e firmada para se fazer uma acção quase populista de angariação de deputados de todo o país e que não trouxeram acréscimo de inteligência à Assembleia.
O nosso Parlamento devia ser muito mais pequeno, ter as cadeiras que lá estavam no século XIX mas com muitos mais meios para cada um dos deputados, um staff para cada um, esse é que devia ter muita qualidade, porque devia preparar todos os dossiers, alertar para tudo o que se passa e ser muito mais activo do que hoje.



O facto de ter decidido apoiar um candidato independente no Porto e não o do seu partido é uma expressão do seu descontentamento com a vida partidária?
É. Devemos evoluir no sentido da exigência, da qualidade, do rigor. Olhando para o que foi a gestão do outro lado da cidade (em Gaia) ao longo dos anos, aconteceu muito voluntarismo mas também a maior dívida autárquica do país. É uma questão de estilo numa área em que o estilo conta tanto como o conteúdo.



Não o preocupa o risco de ser expulso do seu partido?
Há ocasiões em que somos nós que saímos do partido e há outras em que é o partido que sai de nós.

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