O Governo tornou-se uma vergonha ambulante. Se continuar, será um factor de instabilidade
Editorial / Público
O Governo ainda mexe. Mas não passa de um cadáver adiado. Pedro Passos Coelho pode ter obrigado Paulo Portas a fazer marcha atrás e ter ganho um braço-de-ferro político insólito e sem precedente na nossa história democrática. Mas qual é a consistência política do Governo que lidera? Paulo Portas declarou que a sua demissão era "irrevogável". Passos Coelho nem sequer se dignou aceitá-la (um gesto muito pouco democrático) e culpou publicamente o parceiro de coligação pela crise. Em consequência, Paulo Portas recuou, manteve os seus ministros no Governo e vai "renegociar" o acordo de coligação. Mas irá fazê-lo em posição de enorme fragilidade.Acima de tudo, Paulo Portas perdeu a face.
O abismo que ontem de manhã se abriu nos mercados e nas bolsas foi apenas um aviso sobre os custos que poderiam resultar da enorme irresponsabilidade dos líderes do PSD e do CDS. Os quais vão agora tentar manter uma coligação onde estão a contragosto, em nome dessa entidade sacrossanta que é a estabilidade política. O recuo de Portas surge, é melhor não ter ilusões, depois de a Europa e Berlim terem explicado que esse tipo de brincadeiras não é autorizado. A ida de Passos Coelho, ontem, a Berlim, quando tinha a coligação a desmoronar-se em Lisboa, também quis dizer isso. Ele foi mostrar ao exterior que tudo estava sob controlo (apesar de tudo, fez bem em querer manter as aparências, embora fosse uma mentira colossal) e trouxe do exterior o voto de confiança para que nada mexesse. Portas, que no congresso de Viseu, em 2011, antes de ser governo, tanto clamava contra o "protectorado" europeu, acabou por ser vítima do "protectorado".
Mas a estabilidade tem as costas largas. E o mais importante não é saber se é possível o Governo manter-se a qualquer preço, mas se faz sentido o Governo manter-se. Ora se a estabilidade é o único argumento invocável para manter este triste casamento de conveniência, isso significa que o cimento político que o mantinha deixou de existir. Por isso, o Governo está virtualmente morto. Os seus líderes suicidaram-se. E não é só em nome da tal estabilidade que tocaram a reunir-se e esqueceram as "pequenas divergências" (nas palavras de Passos Coelho) que desencadearam um espectáculo público degradante. É também para evitar um terramoto eleitoral.
Entre a birra de Portas e o raspanete de Passos, este Governo degradou a imagem das instituições democráticas como nenhum outro. E a pergunta é: este Governo deve continuar? É verdade que, se houver acordo, o Presidente deixa de ter margem para dissolver o Parlamento. Mas se a pergunta é colocada em nome da estabilidade política, a resposta só pode ser um claríssimo não. Pela simples razão que o Governo perdeu a autoridade e a legitimidade. E a estabilidade requer um governo legitimado e com autoridade. A vergonha tem limites. E o Governo de Portugal tornou-se uma vergonha ambulante. Se continuar, não será mais do que uma fonte de instabilidade.
Os imaturos
Por Eduardo Oliveira Silva
publicado em 4 Jul 2013 in (jornal) i online
Passos e Portas geraram uma situação só ultrapassável com eleições
Há um ponto que importa enfatizar no meio da gravíssima crise política que vivemos e que não sabemos exactamente como vai evoluir internamente e as consequências externas que pode acarretar. Trata-se da constatação da evidência de que os principais responsáveis da governação não souberam estar à altura das responsabilidades que os portugueses neles delegaram.
Passos Coelho, Paulo Portas e Vítor Gaspar têm necessariamente de ser responsabilizados e censurados pela imaturidade que patentearam e, ao mesmo tempo, pelos erros de governação que foram acumulando, com opções desastrosas ao nível da economia e com jogos de tacticismo político de bastidores que precipitaram a crise.
Gaspar errou nas contas e nas opções económicas. Portas errou ao andar sempre com um pé dentro e outro fora, fugindo sistematicamente aos compromissos e estoirando com o governo para escapar ao envolvimento em dossiês da maior importância. Passos errou porque achou que podia pôr e dispor como se os outros fossem marionetas e mostrou um apego ao poder que nos remete para Vasco Gonçalves. Este comportamento colectivo elevou à condição de grandes estadistas todos os ex-chefes de governo do período constitucional.
Ao ponto a que as coisas chegaram, a antecipação de eleições, com as vantagens e desvantagens que isso comporta, parecem a melhor forma de tentar desbloquear a situação.
As negociações que Passos e Portas vão abrir para os centristas darem cobertura política a outro desiderato podem gerar uma solução governativa formal, mas não substancial.
Um governo (este ou outro) resultante dessas negociações será fatalmente mais frágil e não terá as condições essenciais para gerir o país num clima de estabilidade, muito menos com o mesmo primeiro-ministro à frente dele. Será uma alternativa redutora. E também não faria sentido agora o CDS aceitar Maria Luís Albuquerque ou o primeiro-ministro substituí-la. Nada já faz sentido, nem mesmo a hipótese de o CDS impor o tal ministro de Estado e da Economia que proclamou essencial.
Há momentos em que se deve devolver a palavra ao povo para legitimar soluções. Há agora uma janela de oportunidade que o permite, fazendo coincidir autárquicas e legislativas, como defendeu o PS.
Obviamente que isso criará dificuldades suplementares em relação à situação que tínhamos há uma semana apenas. É evidente também que as eleições não irão trazer nenhuma bonança económica e social. Nada disso. Mas há um ponto para o qual serviriam indiscutivelmente: a validação democrática de soluções políticas futuras.
Até lá, PSD e CDS teriam de decidir se enfrentariam esses actos eleitorais com os actuais líderes ou com outros dos seus notáveis. Mas isso são contas de outro rosário.
Sem comentários:
Enviar um comentário