sexta-feira, 5 de julho de 2013

Crise Política / Dossier / O Voo do Corvo.

O Presidente toma uma posição brutal ao exigir que Portas fique no Governo. Mas tem toda a razão

Editorial / Público

O Presidente da República foi apanhado de surpresa por esta crise governativa. Ignorava o pedido de demissão de Paulo Portas quando elogiou a escolha de Maria Luís Albuquerque para as Finanças. Disse na mesma altura que quem quisesse derrubar o Governo devia apresentar uma moção de censura, em vez de contar com ele. Foi confrangedor o país ter compreendido que o Presidente estava a leste do que se passava. E que ele tinha falado cedo de mais e corria o risco de vir a ter de se desdizer. Para isso não acontecer, será necessário que um outro personagem desta lamentável tragicomédia volte com a palavra atrás. Dito de outra maneira, ou Paulo Portas se desdiz e retira o seu pedido de demissão ou Cavaco Silva faz o contrário do que disse e dissolve o Parlamento. Neste momento, tem mais do que condições políticas para o fazer. Um Governo que lava a roupa suja em público e no qual dois ministros de Estado entram em choque e se demitem, desautorizando o primeiro-ministro, não tem condições para continuar. Aliás, o Presidente teria um amplo apoio da opinião pública se demitisse o Governo. Nesse sentido, e face à gravidade do que se passou, está em posição para o fazer.

Ao convocar os partidos para Belém, o Presidente deu um sinal de que estava disposto a seguir por esse caminho. Ontem, o Presidente tomou uma decisão correcta ao impor a continuação de Paulo Portas no Governo para dar o seu aval ao acordo que os líderes dos dois partidos da coligação afanosamente negoceiam. Trata-se de uma imposição brutal, uma vez que o Presidente está a intervir às claras na esfera do primeiro-ministro. Está ao mesmo tempo a desautorizar Portas e Passos sem qualquer pudor. Faz muito bem.

O que o Presidente está a dizer é que só se comprometerá com um acordo entre os dois partidos da coligação se estiver convencido de que este tem pés para andar. Não pode fazer outra coisa. O país que já dá a Cavaco Silva os piores índices de popularidade de um Presidente na história da democracia não aceitaria que ele se deixasse arrastar para o fundo com o desabamento do Governo. Cavaco não pode admiti-lo. Desde o chumbo de várias normas do Orçamento do Estado pelo Tribunal Constitucional que o Presidente ficou refém do Governo e sem estratégia própria, além de defender a continuidade do executivo que não estava na verdade em condições de garantir.

Agora, recuperou margem de manobra. Mas isso não é o que conta. O fundamental é que, na hora de decidir validar ou não este acordo de coligação (se ele chegar a existir), o Presidente estará a tomar a decisão mais importante da sua vida política, pela qual será responsabilizado pela história. Não é na leitura dos poderes constitucionais nem nos seus próprios cálculos de estratégia pessoal que deve pensar. O político que noutro tempo se gabava de raramente ter dúvidas precisa de estar certo de que o Governo está em condições para continuar e que os partidos que o integram estão dispostos a respeitá-lo. Se tiver a sombra de uma dúvida quanto a isto, Cavaco Silva está obrigado a chumbá-lo. E a dissolver o Parlamento.

Cavaco quer líderes dos partidos num Governo de coligação

Por São José Almeida e Nuno Ribeiro in Público
05/07/2013

Casa Civil da Presidência fez chegar indicação aos dois partidos da maioria de que não aceitaria um governo de coligação em que não estejam os respectivos líderes. Passos e Portas continuam negociações para solução viável

O Presidente da República exigiu que o acordo entre o PSD e o CDS passe obrigatoriamente pela manutenção dos líderes dos dois partidos dentro do Governo de coligação. Mais: logo na manhã de ontem, Cavaco Silva terá pedido à sua Casa Civil que fizesse chegar esta indicação a Passos Coelho e a Paulo Portas.

Ainda que em silêncio perante o país, Cavaco Silva tem tentado conduzir nos bastidores a gestão da crise criada pela demissão do ministro de Estado e das Finanças, Vítor Gaspar, e engrossada pela demissão do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas.
Desde o início do ano que o Presidente tem repetido que reconhece a esta maioria parlamentar toda a legitimidade eleitoral e que não está disponível para facilitar a realização de eleições, por considerar que a situação económica do país e os compromissos perante os credores não permitem que exista o que vê como instabilidade política. Daí que, perante a iminência do desfazer da coligação e mesmo da continuidade do acordo PSD-CDS, mas com o líder do segundo partido da coligação de fora, Cavaco tenha insistido em que não havia margem perante os credores para experiências governamentais.
A questão central que estava assim a impossibilitar ontem uma solução era o facto de Paulo Portas ter assumido publicamente a sua ruptura com Passos Coelho e ter avançado com a sua demissão. E ontem à noite Passos e Portas voltaram a reunir-se para tentar encontrar uma base de acordo e regras de funcionamento que permitissem que Portas se mantenha no Governo. Isto depois de Portas ter tido encontros com algumas pessoas da sua confiança.


A salvar a imagem

O problema central que estava ontem a dificultar a resolução desta crise era a resistência de Paulo Portas a integrar o Governo. Primeiro porque a sua imagem pode sair afectada pelo facto de ter batido com a porta de forma peremptória, tendo posto mesmo no comunicado de terça-feira que a sua demissão era "irrevogável".
Mas, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, o problema não é só uma questão de Portas estar preso à sua palavra. O problema passava ontem também pelo facto de o líder do CDS estar psicologicamente incompatibilizado com a forma de actuar de Passos Coelho como primeiro-ministro, que considera muito centralizada. Isto quando uma coligação é entre dois partido que têm dois líderes, os quais têm de entrar em acordo, sem imposições de parte a parte.
Portas terá assim visto a forma como a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, foi nomeada e o modo como essa decisão lhe foi comunicada como as últimas gotas que fizeram transbordar o copo de água da sua paciência. Isto porque o primeiro-ministro conhecia a discordância do líder do CDS em relação ao tipo de opção que significava fazer subir a ministra a secretária de Estado Maria Luís Albuquerque. E decidiu avançar, tendo avisado Portas de que o ia fazer através de um sms.
Passos com Cavaco

Ontem, após a reunião com o Presidente da República e de ter participado num encontro do Conselho de Defesa Nacional, em Belém, o primeiro-ministro declarou ter-se comprometido com Cavaco Silva para encontrar uma solução para um governo estável. Passos Coelho afirmou que iria "aprofundar" junto de Paulo Portas e do CDS-PP "uma forma de garantir as condições necessárias" com o objectivo de "procurar um reforço" da solução.
Depois de sublinhar que a decisão da demissão de Portas de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros "foi pessoal" e que "não compromete a permanência do CDS no Governo", Passos mostrou-se convicto de que vai ser encontrada uma saída para a actual crise. Uma solução, acentuou, que garanta as condições necessárias para o executivo cumprir o programa de assistência económica e financeira e o regresso aos mercados, "ainda de forma apoiada". Para, prosseguiu, que "os sacrifícios dos portugueses sejam recompensados pelos resultados".
A concluir, o primeiro-ministro referiu "que há também uma avaliação a fazer por parte do Presidente da República, mas essa deverá ser divulgada pelo senhor Presidente". Esta referência de Passos Coelho tem uma dupla leitura. Pode confirmar a intervenção presidencial sobre a necessidade de os dois líderes partidários da coligação estarem no Governo, como também a importância da opinião de Belém sobre a mais que provável remodelação do executivo.
Depois destas declarações, ao princípio da noite de ontem, Passos Coelho e Paulo Portas iniciaram a terceira reunião em 24 horas, o quarto encontro desde a noite de quarta-feira.
Chegado de Berlim, Passos reuniu-se durante a noite de quarta-feira com Portas na residência oficial do primeiro-ministro, num encontro classificado de cordial. Ao fim da manhã de ontem, houve um novo encontro, desta vez na Presidência do Conselho de Ministros que, segundo o gabinete do primeiro-ministro, decorreu em ambiente positivo. A esta reunião, de duas horas, sucedeu-se outra, de cerca de uma hora ao princípio da tarde de ontem em São Bento. E à hora de fecho desta edição decorria a quarta ronda negocial.

"Perguntem aos astros"

De manhã, com preocupações de aparentar alguma normalidade, o Conselho de Ministros reuniu-se como habitualmente, mas sem a presença de Paulo Portas, cuja demissão ainda não foi aceite por Passos Coelho. Na habitual conferência de imprensa, o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, remeteu para o foro partidário os problemas que estão na origem da actual crise política.
A todas as perguntas sobre a crise política Luís Marques Guedes respondeu da mesma forma: as questões da coligação não têm que ver com o Conselho de Ministros e são problemas dos partidos políticos. Até que, questionado novamente sobre se o actual Governo ainda é viável, respondeu: "Perguntem aos astros."
"No momento difícil que o país atravessa, o que se exige é uma responsabilidade muito grande para a preservação e defesa da estabilidade política", afirmou na conferência de imprensa no final da reunião. E revelou confiança na possibilidade de não haver qualquer perturbação dos calendários normais do programa de ajustamento.


Portas estava cansado, farto e sentia-se de esquerda


Por Ana Sá Lopes
publicado em 5 Jul 2013 in (jornal) i online
O CDS revoltou-se contra o seu líder carismático

O que se passou na cabeça de Paulo Portas para decidir, "a título pessoal", rebentar com o governo de um dia para o outro? Até entre os mais próximos é difícil encontrar explicações. Certo, certo, é que há muito tempo Paulo Portas estava farto de ser membro deste governo e chegou a admitir abandonar a coligação em Setembro, na altura do escândalo da taxa social única. Várias vezes se confessou exausto, mas nunca foi levado suficientemente a sério pelos seus pares. A guerra com Gaspar estava a dilacerar o líder do CDS, que se sentia continuamente - para sua própria surpresa - "à esquerda" do ministro das Finanças. A relação de confiança com o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho tinha entrado em modo de não retorno. Os sinais da degradação institucional já eram públicos: Portas faltou à tomada de posse de Miguel Poiares Maduro como ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional em protesto por ter sido posto à margem da remodelação. Passos Coelho não gostou da ausência do parceiro de coligação e fez questão de o manifestar publicamente. A estratégia de "ficar com um pé dentro e outro fora" da coligação que desde o início Paulo Portas levou a peito teve o condão de desagradar profundamente ao primeiro-ministro. Passos Coelho decidiu que, ao contrário do que tinha acontecido a outros ex-líderes do PSD - Marcelo Rebelo de Sousa e Santana Lopes, por exemplo - ele não seria trucidado por Paulo Portas.

A decisão "pessoal" e "irrevogável" de Portas de sair do governo a quatro dias do congresso em que é candidato deixou o partido em estado de estupor. Portas viu-se, pela primeira vez, derrotado internamente e obrigado a recuar. O congresso começa amanhã e é uma incógnita.

CDS desconvoca congresso

Por Agência Lusa
publicado em 5 Jul 2013 in (jornal) i online

A reunião do partido estava prevista para sábado e domingo

O Conselho Nacional do CDS-PP reúne-se hoje para deliberar o adiamento do Congresso marcado para este fim-de-semana por estar em curso o processo para "uma solução de estabilidade no Governo", disse à Lusa fonte da direção.
A comissão executiva e o presidente do Conselho Nacional, Pires de Lima, com o acordo do presidente da mesa do Congresso, Luís Queiró, solicitaram a marcação de um Conselho Nacional para hoje à noite no sentido de deliberarem o adiamento da reunião magna dos democratas-cristãos para 20 e 21 de julho, afirmou a fonte.
"Estando em curso o processo para encontrar uma solução de estabilidade no Governo e dependendo essa solução da avaliação do Presidente da República, e estando marcadas reuniões do Presidente da República com os partidos para a próxima semana, entende-se que se deve adiar o Congresso no sentido de que quando este se realize os congressistas tenham todos os elementos para tomar decisões no Congresso", fundamentou a mesma fonte.

O adiamento proposto é de quinze dias, para 20 e 21 de julho.
O Conselho Nacional do CDS-PP, o órgão máximo do partido entre congressos, reúne-se hoje, sexta-feira, pelas 20:30 na sede democrata-cristã, em Lisboa.

O XXV Congresso do CDS-PP estava marcado para sábado e domingo na Póvoa de Varzim.

Na nota enviada aos congressistas, o presidente da Comissão Organizadora do Congresso, António Carlos Monteiro, afirma que, "naturalmente, o partido reembolsará as despesas de transporte e alojamento incorridas pelos congressistas".
O primeiro-ministro e líder do PSD, Pedro Passos Coelho, e o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros demissionário e presidente do CDS-PP, Paulo Portas, já se reuniram três vezes desde a noite de quarta-feira, tendo o chefe de Governo afirmado que "será encontrada uma forma de poder garantir o apoio político do CDS ao Governo e nessa medida garantir a estabilidade política do país".
As declarações de Passos Coelho à imprensa foram proferidas depois de o primeiro-ministro ter sido recebido em audiência pelo Presidente da República, Cavaco Silva, na quinta-feira.
O presidente do CDS-PP justificou a sua demissão do Governo na terça-feira com a substituição, na pasta das Finanças, de Vítor Gaspar por Maria Luís Albuquerque.
A comissão executiva do CDS-PP reuniu-se na quarta-feira a decidiu mandatar Paulo Portas para reunir com Passos Coelho, e encontrarem "uma solução viável para a governação em Portugal".
Paulo Portas declarou, em comunicado, que a sua demissão era uma decisão "irrevogável", o que foi reiterado pela comissão executiva do CDS-PP.



Pires de Lima defende que eleições transformaria Portugal na Grécia


Por Beatriz Silva
publicado em 5 Jul 2013 in (jornal) i online

António Pires de Lima apelou para que todos contribuam para uma solução para evitar a marcação de eleições antecipadas em Portugal.
"A única coisa que quero dar nota é que espero que esta crise se resolva rapidamente. Entendo que não estamos em condições de processos eleitorais e acho que isso transformaria Portugal numa situação idêntica à da Grécia", disse à Antena 1 o presidente do Conselho Nacional do CDS, acrescentando que tal situação traria "sacrifícios adicionais muito fortes".
"Por isso, espero que todos os responsáveis políticos deste país, também no CDS, obviamente, estejam a altura da difícil circunstância que estamos a viver e dêem o seu contributo. Alegro-me que PSD e CDS já tenham chegado a um princípio de entendimento para assegurar a estabilidade legislativa", concluiu.
Quanto à liderança do CDS, Pires de Lima garante que não tem "nenhuma intenção de liderar qualquer partido político." "Apesar daquilo que se passou na última semana, Paulo Portas é o líder". Contudo, o responsavel não afasta a possibilidade de integrar-se no governo, "caso seja necessário salvar a aliança do governo."


Pior é sempre possível. Agora o pior é quase inevitável


Por José Manuel Fernandes in Público
05/07/2013

É certo que ir para eleições colocar-nos-á no patamar da Grécia - mas será que existe alternativa realista e credível?

A fórmula preferida para descrever o que se passou nos últimos dias é a de que estamos perante garotos irresponsáveis. Devo dizer que a ideia me agrada. Não há qualquer dúvida de que o comportamento dos dois líderes da coligação, sobretudo a forma leviana e birrenta como Paulo Portas agiu, não é facilmente explicável a não ser postulando que nenhum tem a maturidade de adultos, quanto mais de estadistas. Devo ainda acrescentar que a solução tradicional para meter as crianças na ordem - um par de estaladas, perdoem-me os puristas - teria até a grande vantagem de aliviar a nossa fúria. Infelizmente, no entanto, acho que não chega ficarmos por estas explicações mais ou menos pueris, mais ou menos psicológicas. Os problemas são mais graves e mais fundos e não é por os "miúdos" terem agora sido obrigados a sentarem-se à mesma mesa que serão superados. Até porque muito mal já foi feito.
Nenhuma análise do que se está a passar e do que vem aí é possível sem ter bem presente o que se passou na quarta-feira no mercado bolsista e com os juros da dívida pública. O quase pânico desse dia recordou aos mais desmemoriados que Portugal é um país ligado à máquina, um país muito longe de regressar à normalidade. E que a crise do euro, como recordava nesse mesmo dia um cronista do Wall Street Journal, só acabou na imaginação voluntarista dos líderes europeus. Quando nos endividámos ao ponto de ficarmos à beira da bancarrota, colocámo-nos nas mãos dos credores. Aquela quarta-feira de crash mostrou como estamos dependentes deles e dos seus humores. E como Portugal não tem dinheiro para estados de alma e muito menos para jogadas políticas. Não tem o Estado nem têm os bancos, isto é, não tem a economia. Qualquer que seja a solução que vier a ser encontrada é necessário ter isso presente: pior é sempre possível, pior é mesmo o mais provável.
Todo o Portugal, Governo incluído, parecia estar a esquecer-se desta realidade. Tínhamos um caminho a percorrer para podermos, de novo, financiarmo-nos em condições normais. Apesar de toda a dor e de todos os sacrifícios, havia a possibilidade de o conseguirmos. Essa possibilidade começou a esvanecer-se com a saída de Vítor Gaspar e, sobretudo, com o que ela nos revelou sobre o grau de divisões existentes no seio da maioria. Numa carta que vai continuar a ser lida e relida, o importante não é o que lá está ou a auto-análise do ex-ministro das Finanças. O importante é o que ela revela sobre a ruptura entre Gaspar e Passos Coelho (sobre Portas já tudo se sabia) e sobre a verdadeira missão impossível que será a oitava avaliação da troika e a elaboração do próximo Orçamento do Estado.
Num editorial muito pertinente publicado ontem, o Wall Street Journal notava que em Portugal nunca houve verdadeiramente consenso sobre a política de rigor orçamental. Houve apenas resignação. Como não havia alternativa, aceitava-se o que parecia inevitável. Mas não se concordava com nada de nada. A resignação durou por isso pouco tempo e começou a desaparecer por completo há exactamente um ano, no dia em que o Tribunal Constitucional chumbou os cortes dos subsídios aos funcionários públicos. A partir desse momento foi-se sempre de mal a pior, e um dia essa história terá de ser feita. O importante, neste momento, é perceber que o impasse já tinha chegado ao interior do Governo. O que Gaspar nos diz na sua carta é que já não acreditava que fosse possível fazer os ministros aprovar os prometidos cortes de 4,7 milhões, e não custa muito perceber porquê: entre a "linha vermelha" de Portas na chamada "TSU dos pensionistas" e a cedência de Crato a Mário Nogueira, os obstáculos multiplicavam-se. Sem que, subentende-se, a liderança do primeiro-ministro permitisse ultrapassá-los.
É neste quadro que deve ser vista a nomeação de Maria Luís Albuquerque para o Ministério das Finanças. Enfraquecida politicamente pelo caso swap e sem peso político ou académico próprios, a esforçada e eficaz secretária de Estado seria sempre uma má escolha. No máximo, representaria um sinal de que Passos tentava a bissectriz impossível entre uma troika a dar sinais de impaciência, um governo inquieto e dividido e um país a entrar em delírio e em negação. O problema não é pois saber se Maria Luís ia ou não ser capaz de protagonizar a "viragem de política" que todos anunciam - o problema é a enorme falácia que estás por trás dessa "viragem".
Esta semana tanto o Wall Street Journal (WSJ), que já citei, como o Financial Times (FT), ao escreverem editoriais sobre a crise portuguesa, convergiram num ponto: os nossos problemas não começaram em Abril de 2011, quando pedimos ajuda à troika, nem datam apenas dos meses em estado de negação que nos levaram quase à bancarrota. Portugal, recordou o FT, viu a sua base industrial quase desaparecer nas últimas décadas, "e a que resta não é competitivo", pelo que a economia não cresce há mais de dez anos. O WSJ concretizava: crescemos apenas 5% entre 1999 e 2011. Se precisávamos de um resgate para respirar, precisávamos também de reformas para mudar de vida, mas estas ficaram muito aquém do necessário. A triste verdade, e o balanço mais trágico deste Governo, é que há hoje muito poucas novas razões - talvez mesmo só duas razões: a lei do trabalho e a lei das rendas - para alguém querer investir em Portugal. Falta crédito nos bancos mas falta sobretudo um ambiente legal, institucional e político capaz de levar um investidor a preferir vir para Portugal em vez de ir, por exemplo, para a República Checa, para a Irlanda ou mesmo para a Turquia. É esta triste realidade que vem bem reflectida nos editoriais dos dois mais influentes jornais económicos da Europa. Não me parece que sejam essas as percepções quer da oposição quer do que resta do Governo. Dos dois lados só se vê, mesmo que em graus diferentes, vontade para aliviar o actual aperto sem outro real objectivo que não seja o de não nos sentirmos tão apertados. O que vier depois logo se vê.
Claro está que aqueles que, com esta crise, voltaram a perder toda a vontade de nos emprestar dinheiro só podem estar cépticos e a ver-nos a seguir o caminho da Grécia. Eu, por mim, também vejo cada vez menos hipóteses de escaparmos a esse destino. Não creio que esta maioria, mesmo que consiga recauchutar-se num novo governo, tenha condições, tenha sequer vontade, de beber até ao fim o cálice da troika para depois se poder ver livre dela. Não creio, também, que seja possível inventar, no actual terreno minado, um qualquer "governo de salvação nacional", mesmo com muitas mudanças de protagonistas. E sei que a realização de eleições, com toda a incerteza associada, é o caminho mais rápido para um segundo resgate e para mais austeridade, num cenário muito à grega. Ou seja, todas as soluções terão custos políticos, económicos e sociais elevados. Muito elevados mesmo.
Sem possibilidade de alcançar qualquer tipo de consensos, creio que talvez o melhor acabe por ser tentar de novo a acalmação pela resignação. E isso talvez exija eleições o mais depressa possível, até porque aquilo que acabaremos por pagar em mais sofrimento cale os discursos sobre soluções mágicas "à la Hollande". Nunca pensei defender que, às vezes, quanto pior, melhor, mas desta vez teremos mesmo de conhecer o pior de muitas quartas-feiras negras para, talvez, hipoteticamente, ultrapassarmos a idade infantil - a idade infantil do país, das suas elites e dos seus políticos e governantes. Estes falharam para além do imaginável. Que venham outros, pois o pior já está garantido.

Sem comentários: