sexta-feira, 5 de julho de 2013

O PÚBLICO tem tentado contactar o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Miguel Guedes, desde a manhã de quarta-feira, para esclarecer que tipo de "considerações técnicas" levaram ao cancelamento da autorização de aterragem em Lisboa, e obter um comentário sobre a acusação do Presidente da Bolívia de que Portugal suspendeu o sobrevoo e proibiu a aterragem devido a "suspeitas infundadas" de que Edward Snowden seguia a bordo, mas ainda não obteve resposta.


América Latina a uma só voz contra "agressão e humilhação" de Morales.

Evo Morales foi recebido como um herói quando chegou a La Paz: "Povo e Forças Armadas, boa noite. Pátria ou morte!"
Por Alexandre Martins in Público
05/07/2013

Presidente recebido como um herói e manifestantes queimam bandeira da União Europeia e apedrejam embaixada de França. Washington diz que perguntas sobre voo devem ser feitas aos países europeus

Bandeiras queimadas, pedras arremessadas contra representações diplomáticas e gritos de "racistas!" e "colonialistas!" dirigidos a Portugal, Espanha, França e Itália marcaram a chegada do Presidente da Bolívia a La Paz, etapa final de uma viagem que partiu de Moscovo e que foi interrompida por uma paragem de 13 horas em Viena, na Áustria.
Depois de ter sido impedido de sobrevoar o espaço aéreo francês e italiano e de aterrar em Portugal, Evo Morales foi recebido como um herói quando desceu as escadas do avião presidencial, ao fim da noite de quarta-feira. "Povo e Forças Armadas, boa noite. Pátria ou morte!", lançou o Presidente da Bolívia. A resposta das pessoas que o aguardavam no aeroporto completou o lema popularizado por Fidel Castro e serviu também para traduzir a onda de indignação que percorre por estes dias a Bolívia e grande parte da América Latina: "Venceremos!"
Morales agradeceu o apoio dos líderes dos países latino-americanos e aproveitou para estender a frente na guerra diplomática com os Estados Unidos e a Europa. "Sinto que é uma flagrante provocação a todo o continente, não apenas ao Presidente. Usam o seu agente do imperialismo norte-americano para nos amedrontarem e intimidarem", declarou. Depois, as críticas directas aos países europeus envolvidos na polémica: "Vi de perto como algumas potências se unem para continuarem a planear políticas com políticos que apenas matam à fome e em guerras. Políticos que nunca pensam em povos, que pensam neles próprios, em pequenos grupos, em oligarquias, em hierarquias e monarquias, tudo menos nos povos do mundo."
Em frente à Embaixada da França em La Paz, apoiantes de Evo Morales queimaram bandeiras da União Europeia, lançaram pedras ao edifício e acusaram o país de ser "colonialista". Numa das fotografias, era visível um cartaz com a inscrição "Portugal, Espanha e França, a mesma porcaria!"
No caminho para La Paz, Morales recebera o apoio indignado dos principais líderes da América Latina. "Definitivamente estão todos loucos. Um chefe de Estado e o seu avião têm imunidade total. Não se pode aceitar este grau de impunidade", escreveu no Twitter a Presidente da Argentina, Cristina Kirchner. O seu homólogo do Equador, Rafael Correa, usou a mesma rede social para mostrar a sua indignação. "Horas decisivas para a Unasur: ou nos reafirmamos como colónias, ou reivindicamos a nossa independência, soberania e dignidade. Todos somos bolivianos!", escreveu.
Rafael Correa referia-se à União das Nações Sul-Americanas, cujos membros marcaram uma reunião de urgência para ontem, ao fim da tarde. "É uma humilhação de uma nação irmã e do continente", acusou a chefe de Estado da Argentina, que confirmou a presença na reunião, na cidade boliviana de Cochabamba, tal como os líderes do Equador, Venezuela, Uruguai e Suriname.
Uma das vozes mais duras foi a do Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que considerou o caso "uma agressão perigosa, desproporcionada e inaceitável". Citado pelo El Universal, Maduro disse que a "agressão" contra Evo Morales mostra "o nível de desespero dos Estados Unidos", e afirmou mesmo que irá rever as relações com Espanha: "O que é que eles pensam, que os países sul-americanos são seus escravos?"
EUA descartam culpas

A Bolívia acusa Portugal, Espanha, Itália e França de terem agido a pedido dos Estados Unidos por suspeitas de que o antigo analista informático Edward Snowden seguia a bordo do avião presidencial, mas Washington atirou ontem a responsabilidade para os países europeus. "As decisões foram tomadas por países individuais e essa pergunta deve ser feita a esses países", afirmou ontem a porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, na conferência de imprensa diária. A responsável confirmou apenas que a Casa Branca manteve contactos com países a quem Edward Snowden pediu asilo.
Desde que o trajecto do voo do Presidente Evo Morales de Moscovo para La Paz foi alterado, na terça-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português apenas se referiu ao caso uma vez, na quarta-feira, em comunicado: "No dia 1 de Julho, segunda-feira, às 16h28, foi comunicado às autoridades da Bolívia que a autorização de sobrevoo e aterragem, solicitada para o percurso de regresso Moscovo-La Paz, estava cancelada por considerações técnicas." O PÚBLICO tem tentado contactar o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Miguel Guedes, desde a manhã de quarta-feira, para esclarecer que tipo de "considerações técnicas" levaram ao cancelamento da autorização de aterragem em Lisboa, e obter um comentário sobre a acusação do Presidente da Bolívia de que Portugal suspendeu o sobrevoo e proibiu a aterragem devido a "suspeitas infundadas" de que Edward Snowden seguia a bordo, mas ainda não obteve resposta.
Ontem, o grupo parlamentar do Partido Comunista Português exigiu a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros na Comissão de Negócios Estrangeiros, "o mais urgentemente possível". O deputado António Filipe condenou o que considera ser um "acto contra um país amigo", que é "susceptível de comprometer todas as relações de Portugal com a América Latina".


Dilma quer que Portugal peça desculpa à Bolívia


Por Sara Sanz Pinto in (jornal) i online
publicado em 5 Jul 2013

Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, as presidentes do Brasil e da Argentina, criticaram a atitude dos países europeus envolvidos e exigiram um pedido de desculpa formal

Evo Morales chegou na quarta-feira à noite à Bolívia, após ter ficado 17 horas retido no aeroporto internacional de Viena. Depois de uma vista a Moscovo, o presidente - que recentemente ofereceu asilo ao informático, Edward Snowden, retido na Rússia e procurado por Washington por divulgação de informações secretas - viu-se impedido de aterrar em Portugal, França, Espanha e Itália, para uma escala de reabastecimento até La Paz.
Sob a suspeita de que o seu avião poderia transportar o ex-consultor da Agência Nacional de Segurança (NSA) norte--americana, apenas a Áustria permitiu que a aeronave presidencial aterrasse .
Indignada, a Bolívia apresentou ontem uma queixa às Nações Unidas (ONU). Sacha Llorenti, embaixador do país na organização, afirmou que o reencaminhamento forçado para Viena tinha sido um acto de agressão e uma violação clara do direito internacional. "Embora o avião presidencial tivesse matrícula da força aérea boliviana, tinha as autorizações plenamente aprovadas, e esta Convenção de Chicago estabelece que não se pode restringir o direito de sobrevoo e aterragem de aeronaves de um Estado e também comerciais", defendeu o ex-ministro boliviano dos Negócios Estrangeiros Armando Loaiza.
Após os Estados Unidos terem admitido que tinham entrado em contacto com alguns países sobre a potencial fuga de Snowden, um porta-voz da admnistração de Washington veio dizer que a acção dos governos europeus foi da sua responsabilidade. "As decisões foram tomadas por países concretos e deviam perguntar-lhes a eles, porque as tomaram", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki.
De acordo com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, "as preocupações do governo da Bolívia são compreensíveis" e os países envolvidos devem discutir a questão, "com total respeito pelos legítimos interesses em jogo". "Enquanto governo, apresentámos as nossas queixas a nível internacional. Já o fizemos junto da ONU e, nas próximas horas, vamos fazê-lo junto da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas", afirmou o vice-presidente boliviano, Alvaro Garcia Linera, numa conferência de imprensa em La Paz, criticando o "imperialismo" norte-americano.
Por seu turno, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia considerou ontem que o incidente não foi um gesto "amigável" para a Bolívia. "Além disso, a proibição do direito de um avião sobrevoar [Portugal, França, Espanha e Itália] podia criar uma ameaça à segurança dos passageiros do aparelho, incluindo o chefe de um Estado soberano", acrescentou Moscovo.
Como sinal de "apoio" a Morales, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Equador, Ricardo Patiño, confirmou no seu Twitter, que os líderes da Argentina, Venezuela, Uruguai, Suriname e Equador iam estar presentes numa reunião extraordinária da União das Nações Sul--americanas que decorreu ontem na cidade boliviana de Cochabamba.
As declarações de solidariedade, das presidentes do Brasil e da Argentina, foram muito duras com os governos de Portugal, Itália, Espanha e França. Dilma Rousseff e Cristina Kirchner exigiram aos países envolvidos que fizessem um pedido de desculpa formal às autoridades da Bolívia.
Entretanto, o ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, pediu desculpa, ontem, às autoridades da Bolívia pelo facto de o seu país ter fechado o espaço aéreo impedindo a passagem do avião do presidente Evo Morales.


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