segunda-feira, 8 de julho de 2013
O serviço público de TV não deveria entregar-se ao lençol transmissivo do 'Mega Pic-Nic'.
Quando a Praça do Comércio ocupa o Terreiro do Paço
O serviço público de TV não deveria entregar-se ao lençol transmissivo do 'Mega Pic-Nic'
Por:Eduardo Cintra Torres, ectorres@cmjornal.pt
Invulgar iniciativa comercial duma cadeia de supermercados, o ‘Mega Pic-Nic’ ocupa a praça-símbolo do poder político com a actividade mais desprezada da vida económica portuguesa em décadas: a agricultura. Animais e produtos agrícolas fazem justiça durante um dia ao outro nome do Terreiro do Paço: Praça do Comércio.
A iniciativa põe sob a luz forte do lugar a oposição binária mais presente na vida portuguesa: entre um país de Estado, que é o do Terreiro do Paço, e um país da sociedade civil, que é o da Praça do Comércio. Estão os dois no mesmo lugar, prisioneiros um do outro. O ‘Mega Pic-Nic’ é a ocupação do Terreiro do Paço pela Praça do Comércio.
A iniciativa perturba consciências com uma visão estatista da vida colectiva que não tolera ver a Praça do Comércio sobrepondo se ao Terreiro do Paço. Mas centenas de milhares, que não são do poder mas da sociedade civil, gostam e vão mostrar galinhas a crianças que nunca as viram ao vivo; ou vão aprender a plantar couves, para, à margem da lei, lançarem sementes nalguma leira em encostas duma qualquer SCUT com contrato PPP, quer dizer, com contrato entre o Terreiro do Paço e a Praça do Comércio.
A festa não termina sem show de Tony Carreira. Porquê ele? Por representar a cultura do povo que se opõe à das elites. O apreço, mesmo amor, de centenas de milhares a Carreira é uma manifestação da "luta de classes" de uma parte do povo sobre outra, uma escolha de classe mais do que uma escolha cultural, vencendo pelo número esmagador.
Tony Carreira tem voz fraca, desafina amiúde, as canções são pobres musical e poeticamente, mas isso não interessa para nada: o processo de identificação social é mais forte e leva ao apreço pela sua fraca criação. A televisão segue-o. Presença constante em magazines e noticiários, Carreira já teve em 2013 cinco performances significativas na TV generalista: na TVI, entrevistado por Judite Sousa; na SIC, entrevistado em ‘Alta Definição’; e na RTP três vezes, em ‘Herman 2013’, em ‘5 para a Meia-Noite’ e no ‘Mega Pic-Nic’.
Ao surgir na TV, o ‘Mega Pic-Nic’ perde veracidade – as galinhas deixam de se ver ao vivo – e adquire outra: a promoção duma iniciativa comercial numa emissão longuíssima (quase seis horas) sem valor acrescido e a insistência num artista que, sendo muito popular, não soma valor à cultura popular, mas apenas à "luta de classes" por via do entretenimento, da emoção e da identificação classista. É por isso que o serviço público de TV não deveria entregar-se ao lençol transmissivo do ‘Mega Pic-Nic’. Mas a RTP não é serviço público
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