“Não sabemos
quando a seca vai terminar. Poupem o mais possível a água”
19 fev, 2018 -
15:50 • Olímpia Mairos
Em entrevista à
Renascença, Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas e
presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável,
alerta para o desafio da seca que afeta Portugal e apela à poupança e à redução
das perdas de água nas redes municipais de distribuição.
Se é verdade que
já não é possível travar alguns impactos das alterações climáticas, não é menos
verdade, dizem os especialistas, que o pior ainda pode ser evitado. Em
entrevista à Renascença, Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional
do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), defende uma maior
coordenação entre Espanha e Portugal, no que respeita aos recursos hídricos,
mudanças na agricultura e combate ao desperdício da água.
Filipe Duarte
Santos participou, esta segunda-feira, em Vila Real, no Congresso Nacional
sobre Alterações Climáticas, que se prolonga até quarta-feira e é organizado
pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). A organização envolve
uma equipa multidisciplinar da academia transmontana, que integra estudantes e
professores de Biologia, Biologia e Geologia, Genética e Biotecnologia, Arquitetura
Paisagista e Engenharia do Ambiente, em colaboração com a Ordem dos Biólogos.
Qual é o
principal desafio do século XXI?
É o desafio das
alterações climáticas, uma questão que é conhecida, e que ontem procurava
abordar, em particular através das Nações Unidas e do protocolo de Quioto e,
agora, do acordo de Paris. Mas aquilo que acontece é que há alguns sítios do
mundo, algumas regiões do mundo, em que as alterações climáticas se começam a
sentir de uma forma mais gravosa e temos que encarar esse problema.
Em particular, na
Península Ibérica tem havido um decréscimo de precipitação anual, estamos numa
situação de seca nalgumas regiões de Portugal e Espanha. Outras regiões do
mundo têm sofrido problemas semelhantes e de ventos extremos mais frequentes.
E, portanto, tem que haver uma maior consciência desta problemática de todas as
pessoas, de todos os cidadãos e também dos governos.
Que projeções se
podem fazer em termos de futuro?
Vamos continuar a
ter a diminuição da precipitação média anual, isso é, talvez, um dos aspetos
mais graves, e ventos extremos mais frequentes, como ondas de calor com
precipitação intensa e em intervalos de tempo curto e a subida do nível médio
do mar que afeta as nossas costas, que são particularmente vulneráveis, porque
temos uma parte considerável da nossa costa que é uma baixa arenosa e,
portanto, está em risco de inundação.
Filipe Duarte
Santos. Foto: Olímpia Mairos
Filipe Duarte
Santos. Foto: Olímpia Mairos
O ano de 2017 foi
de seca severa e extrema em Portugal. Este problema pode repetir-se em 2018?
Não sabemos
quando é que esta seca vai terminar. Esperemos que ela termine o mais
rapidamente possível, pode ser que chova abundantemente nos próximos meses, mas
não temos essa capacidade de prever e, portanto, o que podemos esperar é que as
pessoas estejam conscientes da situação em que se está, que usem a água com a
maior parcimónia possível, ou seja, que poupem o mais possível a água, que haja
menos desperdício de água, sobretudo nos sistemas de distribuição da água que
as câmaras municipais fazem no país.
Há perdas que não
são muito explicáveis. Há municípios que têm imensa atenção a esse problema e
tem havido grandes progressos, mas, em outros, ainda são superiores a 50%, uma
situação, de certo modo, incompreensível no contexto atual. Sabemos que há
sítios no mundo que estão numa situação pior do que a nossa, como seja a cidade
do Cabo na África do Sul, que tem os dias contados. Temos que saber que estas
coisas podem acontecer.
Em termos de
políticas, que há a fazer no imediato?
Maior coordenação
entre Espanha e Portugal, no que respeita aos recursos hídricos. Depois, temos
que ver em que medida a agricultura que estamos a ter é compatível com a
precipitação que temos. Temos que nos adaptar a um clima que é não só mais
quente, mas também mais seco.
Não temos, então,
boas notícias em termos de alterações climáticas?
Não, eu diria que
não são. Poder-se-á dizer: mas então como se resolve o problema? O problema, de
facto, resolve-se emitindo menos gases com efeito estufa para a atmosfera. Nós
dependermos menos dos combustíveis fósseis. E isso é o que a Europa tem tentado
fazer e tem tido bastante sucesso nisso e tem metas ambiciosas de redução dos
gases com efeito estufa.
Trata-se de um
problema global. Não basta a União Europeia fazer isso, é necessário que o
mundo inteiro faça isso. E aí é que está o problema. Temos uma enorme
dependência dos combustíveis fósseis. Cerca de 80% das fontes primárias da
energia são combustíveis fósseis: carvão, petróleo e gás natural. É uma
transição que é difícil. Mas, se não se fizer essa transição, o que temos a
esperar é que estes eventos extremos, estas secas extremas nesta região do
mundo, na região do mediterrâneo vão continuar e, possivelmente, até
agravar-se.
Como avalia a
saída dos EUA do acordo de Paris?
Acho deplorável.
É uma política que representa apenas considerar a adaptação às alterações
climáticas e não a mitigação, ou seja, a redução das emissões, e de um enorme
egoísmo em relação a todo o mundo.
Que consequências
podem ter as alterações climáticas na ignição e propagação de fogos florestais?
Os incêndios têm
outras causas para além das alterações climáticas, mas as alterações climáticas
potenciam, sobretudo, porque em 2017 os maiores incêndios foram fora de época,
digamos assim, foram fora da época do verão: ocorreu no fim da primavera e no
princípio do outono.
Sem comentários:
Enviar um comentário