sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

“Não sabemos quando a seca vai terminar. Poupem o mais possível a água”


“Não sabemos quando a seca vai terminar. Poupem o mais possível a água”
19 fev, 2018 - 15:50 • Olímpia Mairos

Em entrevista à Renascença, Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, alerta para o desafio da seca que afeta Portugal e apela à poupança e à redução das perdas de água nas redes municipais de distribuição.
Se é verdade que já não é possível travar alguns impactos das alterações climáticas, não é menos verdade, dizem os especialistas, que o pior ainda pode ser evitado. Em entrevista à Renascença, Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), defende uma maior coordenação entre Espanha e Portugal, no que respeita aos recursos hídricos, mudanças na agricultura e combate ao desperdício da água.
Filipe Duarte Santos participou, esta segunda-feira, em Vila Real, no Congresso Nacional sobre Alterações Climáticas, que se prolonga até quarta-feira e é organizado pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). A organização envolve uma equipa multidisciplinar da academia transmontana, que integra estudantes e professores de Biologia, Biologia e Geologia, Genética e Biotecnologia, Arquitetura Paisagista e Engenharia do Ambiente, em colaboração com a Ordem dos Biólogos.

Qual é o principal desafio do século XXI?

É o desafio das alterações climáticas, uma questão que é conhecida, e que ontem procurava abordar, em particular através das Nações Unidas e do protocolo de Quioto e, agora, do acordo de Paris. Mas aquilo que acontece é que há alguns sítios do mundo, algumas regiões do mundo, em que as alterações climáticas se começam a sentir de uma forma mais gravosa e temos que encarar esse problema.

Em particular, na Península Ibérica tem havido um decréscimo de precipitação anual, estamos numa situação de seca nalgumas regiões de Portugal e Espanha. Outras regiões do mundo têm sofrido problemas semelhantes e de ventos extremos mais frequentes. E, portanto, tem que haver uma maior consciência desta problemática de todas as pessoas, de todos os cidadãos e também dos governos.

Que projeções se podem fazer em termos de futuro?

Vamos continuar a ter a diminuição da precipitação média anual, isso é, talvez, um dos aspetos mais graves, e ventos extremos mais frequentes, como ondas de calor com precipitação intensa e em intervalos de tempo curto e a subida do nível médio do mar que afeta as nossas costas, que são particularmente vulneráveis, porque temos uma parte considerável da nossa costa que é uma baixa arenosa e, portanto, está em risco de inundação.

Filipe Duarte Santos. Foto: Olímpia Mairos
Filipe Duarte Santos. Foto: Olímpia Mairos
O ano de 2017 foi de seca severa e extrema em Portugal. Este problema pode repetir-se em 2018?

Não sabemos quando é que esta seca vai terminar. Esperemos que ela termine o mais rapidamente possível, pode ser que chova abundantemente nos próximos meses, mas não temos essa capacidade de prever e, portanto, o que podemos esperar é que as pessoas estejam conscientes da situação em que se está, que usem a água com a maior parcimónia possível, ou seja, que poupem o mais possível a água, que haja menos desperdício de água, sobretudo nos sistemas de distribuição da água que as câmaras municipais fazem no país.

Há perdas que não são muito explicáveis. Há municípios que têm imensa atenção a esse problema e tem havido grandes progressos, mas, em outros, ainda são superiores a 50%, uma situação, de certo modo, incompreensível no contexto atual. Sabemos que há sítios no mundo que estão numa situação pior do que a nossa, como seja a cidade do Cabo na África do Sul, que tem os dias contados. Temos que saber que estas coisas podem acontecer.

Em termos de políticas, que há a fazer no imediato?

Maior coordenação entre Espanha e Portugal, no que respeita aos recursos hídricos. Depois, temos que ver em que medida a agricultura que estamos a ter é compatível com a precipitação que temos. Temos que nos adaptar a um clima que é não só mais quente, mas também mais seco.

Não temos, então, boas notícias em termos de alterações climáticas?

Não, eu diria que não são. Poder-se-á dizer: mas então como se resolve o problema? O problema, de facto, resolve-se emitindo menos gases com efeito estufa para a atmosfera. Nós dependermos menos dos combustíveis fósseis. E isso é o que a Europa tem tentado fazer e tem tido bastante sucesso nisso e tem metas ambiciosas de redução dos gases com efeito estufa.

Trata-se de um problema global. Não basta a União Europeia fazer isso, é necessário que o mundo inteiro faça isso. E aí é que está o problema. Temos uma enorme dependência dos combustíveis fósseis. Cerca de 80% das fontes primárias da energia são combustíveis fósseis: carvão, petróleo e gás natural. É uma transição que é difícil. Mas, se não se fizer essa transição, o que temos a esperar é que estes eventos extremos, estas secas extremas nesta região do mundo, na região do mediterrâneo vão continuar e, possivelmente, até agravar-se.

Como avalia a saída dos EUA do acordo de Paris?

Acho deplorável. É uma política que representa apenas considerar a adaptação às alterações climáticas e não a mitigação, ou seja, a redução das emissões, e de um enorme egoísmo em relação a todo o mundo.

Que consequências podem ter as alterações climáticas na ignição e propagação de fogos florestais?


Os incêndios têm outras causas para além das alterações climáticas, mas as alterações climáticas potenciam, sobretudo, porque em 2017 os maiores incêndios foram fora de época, digamos assim, foram fora da época do verão: ocorreu no fim da primavera e no princípio do outono.

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