Do desafio do
Presidente e da queda das bolsas
Helena
Garrido
8-2-2018
Os investidores
financeiros estão a ficar nervosos. Más notícias para Portugal que ainda
precisa de mais tempo de bom tempo na economia e nas finanças do mundo.
A queda das
bolsas desta semana é um aviso. Após dois anos de “prosperidade”, os
investidores financeiros começam a ficar nervosos. E os governantes também. Por
cá percebemos que a banca resolveu os riscos de colapso mas ainda tem muitos
problemas herdados do passado – o crédito malparado – e um futuro que ameaça
tirar-lhe, aqui e no resto do mundo, o que dá dinheiro. Assim como se
compreendeu que o Presidente da República tem dúvidas sobre a sustentabilidade
desta recuperação económica, mas o ministro das Finanças claro que não.
Comecemos pela
queda na bolsa. Os mercados financeiros têm aquela terrível característica de
viverem exactamente aquilo em que a maioria acredita. Na segunda-feira, os
norte-americanos regressados do fim-de-semana resolveram que o melhor era darem
umas boas ordens de venda de acções e as bolsas deram um trambolhão,
contagiando depois a Ásia e a Europa na terça-feira. Terão pensado, “vem aí a
inflação” (e com ela o aumento dos juros) por conta de uma subida dos salários
em Janeiro, nos Estados Unidos, superior ao esperado – aumentou 2,9%,
esperava-se 2,7%.
O que se vai
passar exactamente, ninguém sabe. É um pequeno susto e as economias, com
especial relevo para a americana, estão suficientemente sólidas para aguentarem
mais inflação e juros mais altos sem que isso ameace o crescimento? Os bancos
centrais sabem que terão de desligar a máquina do dinheiro, a que têm estado
ligadas as economias do Euro e dos Estados Unidos. A preocupação é como fazer
isso sem ameaçar o crescimento. E a queda dos mercados accionistas, no início
desta semana, mostra que têm razões para estarem apreensivos.
Regressados a
Portugal, o pior que nos podia acontecer era, de repente, os Estados Unidos
serem atirados para uma crise. Como o demonstrou a crise financeira iniciada em
2007, a Zona Euro não conseguiu acabar com a máxima: “quando os Estados Unidos
se constipam, a Europa apanha uma pneumonia”. E sem crescimento na Zona Euro a
economia portuguesa não cresce.
É aqui que vamos
dar à intervenção do Presidente da República na “Banking Summit” esta
terça-feira dia 6 de Fevereiro. Marcelo Rebelo de Sousa descreveu os últimos
dois anos dando como habitualmente uma no cravo, outra na ferradura. Sobre as
finanças públicas, defendeu que, o que temos hoje, vem de um caminho trilhado
pelo anterior Governo. No sector bancário, falando para os banqueiros que devem
aprender lições com o que se passou, citou os cinco casos cujos problemas foram
sendo resolvidos mas sem os nomear, num código que aqui tentamos decifrar.
Lembrou o
Presidente que o ano de 2016 começa com “os efeitos da resolução no final de
2015”, ou seja e traduzindo, o caso Banif. Em segundo lugar assistiu-se à
“indefinição e necessidade de recapitalização de instituição pública” (numa
alusão à CGD). Vivia-se, diz, a “recente frustração de venda de instituição
sucessora de outra resolvida em 2014”, isto é, o fracasso da primeira tentativa
de venda do Novo Banco. Além disso, diz, a “ponderação quanto ao capital e
titularidade de uma quarta” instituição, pressupondo-se que se está a referir
ao BPI e aos problemas que o La Caixa teve para comprar a posição de Isabel dos
Santos e ficar menos dependente de Angola, como exigia o BCE. E, finalmente,
mais uma vez a CGD, quando diz que se assistiu ainda à “querela, que acabaria
por ser também jurídica, no domínio da liderança de uma quinta” instituição
financeira. Escaparam às referências do Presidente o BCP e o Santander Totta.
Tudo foi
ultrapassado. Obviamente que, na lista que fez, o Presidente omitiu um problema
que ainda não está resolvido e que constitui um dos maiores riscos que se conseguem
identificar neste momento: o caso da Caixa Económica Montepio Geral (o outro
risco identificado é a Autoeuropa). Como omitiu o problema que se está a deixar
que seja resolvido pela conjuntura económica e por algumas vendas a fundos, que
são feitos de dinheiro dos bancos, e que se chama crédito malparado.
Mas o importante
está no desafio que o Presidente deixou: “Portugal pode dispor de uma
oportunidade única para se afirmar, virando definitivamente a página das crises
endémicas, dos adiamentos, dos conjunturalismos, das soluções para o imediato”.
A questão que se
coloca é se ainda tem essa oportunidade única ou se a deixou passar. O ministro
das Finanças, que falou na mesma “Banking Summit” no dia seguinte, considera
implicitamente que se aproveitou e está a usar bem o tempo, defendendo que
estamos perante mudanças estruturais.
Mas no sector
bancário estamos longe de ter realizado qualquer mudança estrutural. Os bancos
evitaram basicamente o precipício mas ainda estão muito frágeis, nomeadamente
porque não há, de facto, nenhuma solução para o crédito malparado. A
“plataforma”, como todos a designam, não parece passar disso mesmo, de um nome.
Aquilo que os bancos com problemas estão a conseguir fazer é emagrecer – o que
já é bastante – e aproveitar a boa conjuntura do imobiliário para venderem as
casas ou terrenos com que ficaram na crise. Mesmo a CGD, que no fim da semana
passada revelou ter conseguido obter um lucro da ordem dos 50 milhões de euros,
obteve-o graças à actividade internacional, já que em Portugal registou ainda
um prejuízo da ordem dos 175 milhões de euros.
Sem a casa ainda
arrumada, os bancos enfrentam uma pressão sem precedentes da inovação
tecnológica que foi bastante clara na “Banking Summit”. Correm o sério risco de
verem o negócio que dá dinheiro ser abocanhado pelas tecnológicas financeiras,
enquanto gastam as suas energias, e o pouco dinheiro que ganham, a limpar o
passado e a organizar a casa para responder à fúria regulamentar dos
supervisores.
Se no domínio
bancário estamos ainda longe de ter afastado o perigo, no resto da economia
mantém-se um enorme ponto de interrogação. As finanças públicas têm ainda de
provar que resistem à subida das taxas de juro. Mário Centeno apresenta como
argumento o facto de os juros da dívida pública terem descido, apesar de o BCE
estar a comprar menos. Mas sabe que o desafio ocorrerá no momento em que o BCE
desligar essa máquina de fazer dinheiro e começar a subir os juros.
No sector
privado, a locomotiva está no turismo e na escolha que alguns estrangeiros
fizeram por viver em Portugal, em grande parte pela insegurança, ou dos
tradicionais destinos turísticos ou dos sítios onde viviam. Estamos apenas na
moda ou este movimento veio para ficar? Não sabemos. Mas de estrutural tem
muito pouco.
Com o sector
financeiro ainda neste estado, as finanças públicas dependentes do crescimento
e dos juros baixos e o resto da economia suportada pelo turismo, Portugal está
ainda longe de ter boa parte do trabalho de casa feito para enfrentar uma nova
crise. Um abalo financeiro nos Estados Unidos, que ameace este bom tempo
económico que estamos a viver, é tudo aquilo de que não precisamos nem
aguentamos neste momento. O Presidente pode não o dizer, mas sabe com toda a
certeza que esta oportunidade está em risco de ser perdida, outra vez, como
outras já o foram no passado.
Desafio que
deixou e deixou implicitamente o alerta para a necessidade aproveitar o bom
tempo económico em que vivemos para acabar com a sina das crises.
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