Juntas de Lisboa querem mais poderes, dinheiro e melhores remunerações
Samuel Alemão
Texto
21 Fevereiro, 2018
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Depois de quatro anos a exercerem novas competências, antes depositadas nas
mãos da Câmara Municipal de Lisboa (CML), as juntas de freguesia da capital
querem aprofundar o processo de descentralização. E acham que apenas poderão
realizar as suas funções de forma adequada, respondendo assim às solicitações
dos fregueses, se virem alterado o quadro legal em que operam, reforçados os
orçamentos e alterado o estatuto dos seus eleitos – com a correspondente
revisão da remuneração, permitindo o exercício dos mandatos em regime de
permanência. Pedem, por isso, ao Governo, uma alteração legislativa nesse sentido.
E têm o apoio da CML, que, apesar de qualificar como “enorme sucesso” a
delegação de competências nas juntas, considera que a cidade 2018 é muito
diferente da que existia em 2012.
A reforma agora proposta trata-se, no fundo, da formalização daquilo que
começou a ser ouvido amiúde, aquando da assunção das novas responsabilidades:
as juntas de freguesia da capital passaram a funcionar com “mini-câmaras
municipais”. E a nova dinâmica da cidade, com destaque para o turismo, veio
afinal aumentar-lhes responsabilidades e despesas. Há que agir em conformidade,
pede-se. As exigências fazem parte de uma recomendação e de uma proposta
aprovadas pelo plenário da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), na tarde desta
terça-feira (20 de fevereiro), tendo por base as conclusões do oitavo e último
relatório de avaliação da Reforma Administrativa de Lisboa.
Apesar de os considerandos dessa recomendação da AML à Câmara Municipal de
Lisboa (CML) – que foi redigida em conjunto por Inês Drummond (PS), presidente
da Junta de Freguesia de Benfica, e Luís Newton (PSD), presidente da Junta de
Freguesia da Estrela – fazerem um balanço claramente positivo da
descentralização de competências implementada a partir de março de 2014,
pede-se um aprofundamento do processo. No mesmo texto, refere-se a necessidade
de se rever o “elenco de missões de interesse geral e comum a toda ou parte
significativa da cidade, bem como dos espaços, das vias e dos equipamentos de
natureza estruturante para a cidade”.
Em causa está, alegam os relatores, a distinção das funções que realmente
competem à câmara e às juntas. Estas queixam-se de terem recebidos meios
insuficientes ou já em fim de vida. É dado o exemplo das viaturas afectas ao
serviço de limpeza e de higiene urbana ou dos equipamentos instalados em
escolas. Mas também da sinalização vertical espalhada pela cidade. Solicita-se,
por isso, a criação de uma “nova geração de contratos de delegações de
competências” entre a CML e as juntas.
“O desenvolvimento global da cidade, nomeadamente, com o acréscimo de
actividades várias na cidade, sejam elas de natureza recreativa, cultural,
desportiva e social, bem como o aumento significativo do turismo gerou
necessidades que não eram, de todo, previsíveis à data da Reforma
Administrativa”, lê-se na proposta, antes de se acrescentar: “Entre tais
necessidades, é hoje absolutamente pacífico o reconhecimento da necessidade do
reforço dos serviços de limpeza pela cidade e, particularmente, nas zonas de
maior pressão turística e nocturna.
A este respeito, as Juntas de Freguesia têm vindo a procurar responder de
acordo com os meios que têm ao seu dispor, que urge reconhecer são
manifestamente insuficientes para fazer face às atuais necessidades da cidade”.
Além disso, invoca-se, “a cidade dispõe hoje de um conjunto de novos e
renovados equipamentos, à disposição dos cidadãos, que não existiam ou estavam
inactivos, à data da Reforma, razão pela qual não foram previstos os
respectivos custos de funcionamento, manutenção e conservação”.
Os representantes das 24 juntas de freguesia de Lisboa salientam que já
estão, em grande medida, a assumir tal aumento de despesa não prevista – “em
nome da valorização do seu território e da melhoria da qualidade de vida das
suas populações”. E desejam, por isso, a criação de “contratos
interadministrativos” entre freguesias e CML “com vista à salvaguarda e
necessária articulação dos interesses dos cidadãos, no respeito e consideração
pela coesão social e preservação da qualidade do ambiente urbano”.
Uma das preocupações principais das juntas é a necessidade de ficar bem
claro que os custos com a manutenção dos equipamentos considerados
“estruturantes” para a cidade serão pagos pela autarquia liderada por Fernando
Medina. Mas não se ficam por aqui. Pretendem também que a CML assegure a
“substituição e reforço dos materiais e equipamentos transferidos, que se
revelaram defeituosos ou obsoletos, designadamente na área da limpeza urbana e
prevendo o fornecimento da sinalização vertical”.
Mas, para além destes pedidos à Câmara de Lisboa, as freguesias e a
Assembleia Municipal de Lisboa querem também uma mudança legislativa, que, a
concretiza-se, terá um forte impacto: mais dinheiro, mais poderes e a revisão
do estatuto dos eleitos locais das freguesias da capital, com a respectiva
alteração do seu estatuto remuneratório. A criação de um grupo de trabalho
sobre o processo legislativo da descentralização foi a solução criada pela
assembleia municipal. Este grupo ouvirá a CML e as juntas, com o objectivo de produzir
uma proposta de recomendação para futuras negociações entre o executivo
municipal e o Governo relativas à desejada alteração legislativa.
Independentemente das outras questões e necessidades que venham a surgir no
decurso das audições, já se conhece a parte essencial do caderno reivindicativo
que o grupo de trabalho da AML remeterá para administração central: Ajustamento
dos recursos financeiro; Reforço das verbas; Reforço e clarificação das
competências próprias das Juntas de Freguesia; e Revisão do estatuto dos
eleitos locais das freguesias de Lisboa. Apenas o PCP e o PEV (Partido
Ecologista “Os Verdes”) votaram contra a criação deste grupo de trabalho, tendo
o PAN abstido-se – as restantes forças votaram a favor.
Tendo por base a lei de 2012 que desenhou a reforma administrativa da
cidade – com a redução de 53 para 24 freguesias, em outubro de 2013, e a
descentralização de competências CML para as juntas, em março de 2014 -, os
deputados municipais e as juntas pedem, através do processo agora iniciado, um
ajustamento financeiro que compreenda “as alterações e ajustes identificados
como considerados necessários” e um reforço de verbas que dê resposta à
“regularização de vínculos precários na administração pública”. Ainda com essa
lei como referencial, é solicitado ao Governo o “reforço e clarificação das
competências próprias” das juntas “como forma de se aprofundar o ímpeto
descentralizador em que cidade de Lisboa foi pioneira no país”.
A grande novidade está, contudo, reservada para a quarta e última
recomendação – para já – de alteração legislativa: a revisão do estatuto dos
eleitos locais das freguesias de Lisboa, “nomeadamente no que respeita a
delegação de competências do presidente nos vogais e pessoal dirigente,
alargamento do exercício dos mandatos em regime de permanência e estatuto
remuneratório”. Ou seja, pede-se o alargamento às juntas de um sistema de
funcionamento em tudo similar ao das vereações municipais.
Antes da aprovação, pelo plenário da assembleia municipal, deste grupo de
trabalho para iniciar o processo de revisão da lei, o vice-presidente da
autarquia, Duarte Cordeiro, lembrou o “enorme sucesso” da reforma
administrativa encetada há quatro anos, mas falou na necessidade de a melhorar.
Apesar dos ganhos na melhoria da qualidade de vida da população, disse, “é
absolutamente evidente que uma reforma desta dimensão precisa de ser
acompanhada e reformulada, se necessário”. “Ao fim de quatro anos, há matérias
que carecem de ser modificadas. E isso exige uma reformulação da lei ou novos
contratos”, disse o autarca, referindo-se aos anunciados contratos
interadministrativos – contra os quais votaram também o PCP e o PEV, tendo PAN
e MPT abstido-se.
A criação de uma nova forma de “autorização prévia genérica” para a Câmara
Municipal de Lisboa poder delegar competências nas juntas foi o ponto mais
contestado na sessão desta terça-feira. O Bloco de Esquerda (BE), pela voz do
deputado municipal Rui Costa, considerou mesmo que tal prorrogativa “é ilegal”.
“As delegações de competências têm que ser discutidas uma a uma, aqui na
assembleia municipal”, disse. Já o CDS-PP, através de Diogo Moura, equiparou a
referida autorização prévia a um “cheque em branco”. Por isso, ambos os
partidos, BE e CDS-PP, votaram contra, tal como PCP, PEV, PAN e PPM. O MPT
absteve-se. Duarte Cordeiro considerou esta nova “autorização prévia genérica”
de delegação de competências como uma “forma de agilização”.
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