o projecto inicial da iniciativa de Daciano Costa data de 2001 |
RUA IVENS 31
Azulejos na
Praça da Figueira: um grave atentado de leso-património
A importância deste bloco
deve-se ao facto de ele constituir um arquétipo ainda intacto da primeira fase
da Reconstrução Pombalina.
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO
6 de Fevereiro de
2018, 6:37
Repentinamente,
fomos confrontados com um acto consumado. A fachada tardoz do importante bloco
pombalino, elemento único e da mais alta importância patrimonial, determinante
para a formação das duas praças do Rossio e da Figueira, foi coberta por
azulejos.
A importância
deste bloco deve-se ao facto de ele constituir, juntamente com o outro no Largo
de S. Paulo, já referido por mim em outro artigo no PÚBLICO, um arquétipo ainda
intacto da primeira fase da Reconstrução Pombalina, segundo os parâmetros estabelecidos
por Eugénio dos Santos e Carlos Mardel.
Através dos
tempos, as volumetrias e tipologias dos edifícios das duas praças foram sendo
alteradas, no processo da segunda fase da Reconstrução, ao longo do séc. XIX e
mesmo do séc. XX (Hotel Metrópole, Rossio, 1917). Daí a importância deste
bloco, representante da escala original do projecto da Casa do Risco para a
Praça do Rossio.
Este casus da
proposta dos azulejos para a Praça da Figueira conheceu várias peripécias, com
momentos e episódios mais ou menos obscuros. Assim, o projecto inicial da
iniciativa de Daciano Costa data de 2001, no período do mandato de João Soares,
que simultaneamente se viu confrontado com todo o projecto para o Elevador do
Castelo.
O projecto, que
era caracterizado por uma polémica intervenção de radical afirmação em ruptura
e contraste com o legado patrimonial, através de uma linguagem “de azulejos
azuis e brancos mais escuros nos andares de baixo e mais claros nos pisos de
cima, de modo a criar um efeito degradée”, não foi realizado, e os respectivos
cem mil azulejos foram guardados num armazém em Alcântara.
Em 2004, o
projecto regressa, agora no mandato de Carmona Rodrigues, o que levou a uma
nova proposta de azulejos, agora fabricados na Viúva Lamego seguindo novas
exigências técnicas que se pretendiam mais adequadas. Custo desta nova
operação: entre 350 e 400 mil euros.
Este processo foi
“acompanhado” por Inês Cotinelli, assessora de Carmona entre Novembro de 2003 e
Julho de 2006, filha de Daciano Costa, e também posteriormente sócia-gerente da
empresa Sociedade Daciano da Costa. É de destacar que o atelier Daciano Costa,
depois da morte do titular em 2005, passou a ser dirigido pela arquitecta Ana
Costa.
A “relação” de
Ana Costa com o pombalino foi definida numa intervenção mais do que infeliz na
Rua Ivens (31) em 2013, determinada pelo conhecido “fachadismo” preconizado e
estimulado por Manuel Salgado, em que a fachada era o resultado de um pastiche
totalmente betonizado, criando um bloco monolítico, híbrido, betonizado e
plastificado, produto do nivelamento de duas anteriores fachadas presentes em
dois edifícios originais... Mansardas pombalinas, trapeirão, gaiolas, tudo foi
sacrificado, juntamente com os interiores, com excepção da escadaria e alguns
azulejos. Quanto à fachada tardoz, esta pode-se “perspectivar” a partir do
Largo da Boa Hora, confirmando a promessa de “Apartamentos de Luxo com garagem
e vista deslumbrante”.
Já em 2017, em
função do impacto deste novo projecto para os azulejos na Praça da Figueira,
perante as exigências do Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina
que “prevê a salvaguarda dos revestimentos primitivos das fachadas” que “se
encontravam rebocadas e pintadas”, foi pedido um parecer na DGPC ao conselho
consultivo, que produziu um parecer não consensual, onde dúvidas são exprimidas
sobre o valor desta intervenção para um conjunto de Interesse Público. Para que
serve então o plano de pormenor? Qual é o papel da DGPC na salvaguarda
patrimonial da Baixa?
Na minha opinião,
como reacção a este caso, e tendo em conta a ainda vigente mas cada vez menos
provável intenção de candidatura da Baixa a Património Mundial, a DGPC devia
ter respondido com uma proposta para a classificação deste único e determinante
bloco como Monumento Nacional, garantindo assim a preservação na íntegra das
suas características exteriores e interiores. Porque parece impossível,
simplesmente, restaurar um edifício desta importância, agora, através desta
intervenção “excepcional”, dividido na linguagem das suas fachadas entre Rossio
e Figueira e “desconstruído” esquizofrenicamente e neuroticamente de forma
bipolarizada, num atentado da sua unidade indivisível?
Um grave atentado
de leso-património permitido por todos!
Historiador de Arquitectura
Câmara impõe
azulejos em toda a Praça da Figueira
Depois do
quarteirão da Suíça, os azulejos de Daciano da Costa vão ser aplicados noutras
fachadas da praça pombalina.
JOÃO PEDRO PINCHA
9 de Fevereiro de 2018, 8:49
Os donos dos
prédios da Praça da Figueira vão ser obrigados a colocar azulejos na fachada se
quiserem fazer obras. A Câmara Municipal de Lisboa disse ao PÚBLICO que “os
licenciamentos que estão a decorrer têm como condicionante a aplicação dos
azulejos”, que neste momento cobrem apenas a fachada do quarteirão da Suíça. A
ideia, no entanto, é revestir toda a praça.
Como o PÚBLICO já
noticiou, a câmara decidiu reavivar no ano passado um projecto antigo da
autoria do arquitecto Daciano da Costa, que previa o revestimento azulejar das
fachadas da praça. O primeiro local a receber os azulejos azuis e brancos,
dispostos na diagonal, foi o chamado quarteirão da Suíça, mas a autarquia
confirma que a intenção é continuar. Por isso, a aprovação de todas as
intervenções fica sujeita à utilização destas peças cerâmicas.
Os azulejos,
afirmou a autarquia através do seu gabinete de comunicação, “são os que foram
produzidos em 2001” e que estiveram armazenados até agora. Ou seja: ao
contrário do que a câmara anunciou em 2004, quando o projecto ressurgiu pela
primeira vez, não chegaram a ser produzidos novos azulejos. Esse anúncio tinha
por base um parecer que salientava a importância de as paredes continuarem a
respirar, algo que, concluiu o executivo da época, não era garantido pelos
azulejos de 2001. O PÚBLICO perguntou à câmara como foram ultrapassadas as questões
técnicas referidas no tal parecer, mas não obteve resposta em tempo útil.
Outra informação
dada pelo município é que “não houve qualquer alteração ao projecto do mestre
Daciano da Costa” – isto apesar de a descrição feita em 2001, bem como as fotomontagens
divulgadas na mesma altura, serem consideravelmente diferentes da aplicação
azulejar agora feita. Questionada sobre esta aparente contradição, a autarquia
também não respondeu até ao fecho desta edição. O PÚBLICO também não conseguiu
falar com Ana Costa, filha de Daciano da Costa actualmente à frente do atelier
do pai (falecido em 2005), para esclarecer esta questão.
O projecto dado a
conhecer aos lisboetas em 2001 consistia na colocação de azulejos azuis e
brancos mais escuros nos andares de baixo e mais claros à medida que se subia
na fachada, criando assim um efeito de dégradé. Esse efeito não existe hoje. Os
azulejos estão colocados diagonalmente, de forma aparentemente aleatória.
Tal como já fez
para o quarteirão da Suíça, a câmara oferece os azulejos aos proprietários que
façam obras nos seus prédios. Uma pergunta que ficou por responder é relativa
ao custo total desta intervenção em toda a praça. Também ficou por esclarecer
se vão ainda ser produzidos mais azulejos ou se os que a câmara tinha em
depósito são suficientes. Por fim, o município não elucidou se os três prédios
da praça que têm azulejos mais antigos vão ter de ficar sem eles.
A intervenção no
quarteirão da Suíça foi autorizada pela Secção de Património Arquitectónico e
Arqueológico do Conselho Nacional de Cultura, uma estrutura que funciona junto
da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e que é presidida pela própria
directora-geral, Paula Silva. Este é o único imóvel da Praça da Figueira em que
é preciso autorização prévia da tutela para mexer nas fachadas. Os
restantes estão sujeitos apenas à avaliação da câmara.
O Plano de
Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina prevê que todas as obras que afectem
as fachadas devem ser feitas “de forma a recuperar a aparência original do
edifício”. A maioria dos prédios da praça, incluindo o quarteirão da Suíça, tem
as fachadas pintadas. Esse facto não passou despercebido numa informação
técnica da DGPC produzida antes de o assunto chegar ao Conselho Nacional de
Cultura. Ainda assim, esta entidade pronunciou-se favoravelmente, argumentando
que a proposta “contribui para o reforço das características pombalinas da
Praça da Figueira”.
Depois do
quarteirão da Suíça, os azulejos de Daciano da Costa vão ser aplicados noutras
fachadas da praça pombalina.
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