Manutenção das
árvores da Avenida da Liberdade: uma história muito mal contada
Samuel Alemão
Texto
22 Fevereiro,
2018
Depois da
divergência sobre as causas do embate entre um autocarro de turismo e uma
árvore na Avenida da Liberdade, subsiste o desencontro sobre a responsabilidade
na gestão dos seus espaços verdes, incluindo árvores. Fernando Medina diz que a
Câmara Municipal de Lisboa (CML) reassumirá a gestão do arvoredo, porque a
Junta de Freguesia de Santo António não o quer fazer. Mas, há um ano, numa
reunião de câmara, o vereador da Estrutura Verde, José Sá Fernandes, garantia
que a CML havia acabado de assumir de novo a manutenção dos espaços verdes da
avenida. E por dois anos. Vasco Morgado, o presidente da junta, diz que a
gestão das árvores “é feita pela junta, em consonância com a câmara”, de acordo
com o estabelecido “há pouco mais de um ano”. A avaliação do estado das
árvores, porém, é incumbência da CML, garante. “Eles puxaram para si essa
responsabilidade”. A Plataforma em Defesa das Árvores diz que as da Avenida da
Liberdade têm estado ao abandono. Ou seja: uma confusão.
Afinal, quem tem
assegurado a monitorização e a manutenção do arvoredo na Avenida da Liberdade?
A dúvida persiste, dois dias após um acidente, ocorrido na manhã de terça-feira
(20 de fevereiro), na principal artéria da capital, resultante do embate de um
autocarro de turismo de dois pisos, da Carristur, numa pernada de uma árvore.
Da colisão, cujas circunstâncias estão ainda a ser apuradas por uma perícia
técnica – sendo as primeiras conclusões reveladas na próxima semana -, resultou
uma dúzia de feridos, oito dos quais hospitalizados e estragos avultados no
veículo. Mas, para além das dúvidas sobre as circunstâncias do acidente – com a
Carristur a negar que o veículo tenha saído do eixo da via, contradizendo assim
a versão dos autarcas -, sobra ainda um conjunto de contradições e a certeza de
haver ainda muito por esclarecer sobre a monitorização e manutenção das árvores
na avenida. As declarações dos responsáveis políticos só têm ajudado a aumentar
a confusão.
A começar pelo
presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Fernando Medina (PS) disse aos
jornalistas, ao final da tarde de terça-feira, em Vila Nova de Gaia, que
“aquilo que é uma competência da Junta de Freguesia vai voltar a passar para a
câmara”. E acrescentou: “Os lisboetas têm o direito de se sentir em segurança
(…). Vamos tomar esta atitude visto que a Junta de Freguesia [de Santo António]
não quer exercer essa competência, e até nega tê-la”. Referindo que “o quadro
legal de Lisboa é muito claro”, o autarca anunciou, porém, uma alteração ao
mesmo. “A responsabilidade do abate e manutenção do arvoredo naquela zona da
cidade é da Junta de Freguesia [de Santo António]. Uma das consequências da
descentralização é que quem assume competências tem de as exercer. Se a Junta
de Freguesia não quer assumir, a Câmara vai assumir de novo essas
competências”.
A proclamação
entra, todavia, em contradição com o que o seu vereador da Estrutura Verde
anunciou há um ano. No dia 22 de fevereiro de 2017, numa reunião pública do
executivo municipal, José Sá Fernandes, garantia que havia sido estabelecido um
acordo com a Junta de Freguesia de Santo António para a manutenção dos espaços
verdes da Avenida da Liberdade, árvores incluídas, durante dois anos.
Interpelado, nessa ocasião, durante o período de questões do público ao
executivo, por uma representante do grupo cívico Plataforma em Defesa das
Árvores (PDA), sobre quem seria a entidade responsável pela gestão dessa área,
CML ou junta, Sá Fernandes foi claro: “O contrato que a Câmara de Lisboa,
entretanto, assumiu prevê a manutenção durante dois anos. Portanto, durante os
próximos dois anos, o responsável pela manutenção dos espaços verdes da Avenida
da Liberdade vai ser a Câmara Municipal de Lisboa”.
O vereador
tentava assim tranquilizar a representante da Plataforma, Fátima Castanheira,
que, na altura, disse ter tido a informação de que a CML “havia recuperado,
muito recentemente, a gestão dos canteiros e das árvores” naquela artéria da
cidade. E, de seguida, a mesma activista questionava: “Esse resgatar é para
manter ou é provisório? Por que razão a CML não a considera [à Avenida da
Liberdade] como um espaço estruturante do Corredor Verde de Monsanto? Algo que
nos parece evidente e que, naturalmente, esclareceria a questão da titularidade
da avenida, uma vez que esta passaria a ser da esfera da Câmara de Lisboa em
definitivo”. O pedido vinha acompanhado por uma “Petição pela reintegração da
Avenida da Liberdade no Corredor Verde de Monsanto”, entregue na altura.
Nessa mesma
reunião pública, antes de dar conta do contrato para o reassumir temporário de
responsabilidades da autarquia nos espaços verdes da avenida, Sá Fernandes
anunciava já terem sido feitas intervenções de beneficiação “em todo este
corredor” e, naquele momento, a CML havia mesmo assumido “vários melhoramentos
na Avenida da Liberdade”. O autarca elencava arranjos nos lagos e nos canteiros
das zonas ajardinadas, para além de terem sido “plantadas árvores nas caldeiras
em falta”, muitas das quais no lugar das palmeiras – abatidas devido à praga do
escaravelho vermelho. “Calculo que um dia destes, mais um mês, temos a Avenida
da Liberdade arranjada, bonita, com os lagos a funcionar”, prometeu, antes de
anunciar o novo protagonismo da Câmara de Lisboa na avenida durante os próximos
dois anos.
Apesar disso, as
dúvidas sobre a forma como canteiros, lagos e árvores da avenida eram ou não
acompanhados e por que entidade mantiveram-se. Tanto que, passado quase um ano
sobre essa reunião, e, por coincidência, na véspera do acidente, a Plataforma
em Defesa das Árvores voltava a questionar a CML sobre o assunto. O pedido de
esclarecimento, enviado pelos activistas da PDA a José Sá Fernandes, na tarde
de segunda-feira (20 de fevereiro), é acompanhado de duas fotografias de
canteiros mal tratados – situação que descrevem como “uma vergonha”. O grupo de
cidadãos solicita ao vereador “esclarecimentos quanto à efectiva, ou não,
transferência temporária de tutela e qual o seu efeito prático até agora”. E
acrescenta: “Preocupa-nos particularmente a manutenção do coberto arbóreo desta
Avenida, que, conforme nos confirmou, é parte integrante do corredor verde de
Monsanto”.
Ouvida por O
Corvo, já depois da colisão entre o veículo turístico e a árvore, Rosa
Casimiro, responsável pela Plataforma, diz que continua por esclarecer quem,
efectivamente, tem vindo a assumir a manutenção dos espaços verdes na Avenida
da Liberdade. “Nota-se que aquilo está ao abandono. Há um ano, o vereador disse
publicamente que passaria a ser a câmara a assumir as responsabilidades,
durante dois anos. Já se percebeu que a junta não tem capacidade para isto.
Mas, para além do abate das palmeiras doentes, pouco tem sido feito. A
manutenção das árvores tem sido feita de maneira completamente desastrada”, critica.
A activista
ambiental diz ainda que “aquelas árvores são muito grandes e precisam de
atenção profissional, de alguém que faça o trabalho de subir lá acima, a cada
uma delas, e avalie o seu estado”. Algo que, pelo que tem conhecimento, não tem
sido feito – ao contrário, diz, do que sucederá na freguesia de Campo de
Ourique, por iniciativa da própria junta. Rosa Casimiro teme que, após o
acidente, uma das respostas das autoridades seja a de realizar podas
indiscriminadas. “Não sabemos se o ramo desta árvore estava ou não em bom
estado, mas, muitas vezes, o mais fácil e começar a podar”, considera.
As afirmações
agora feitas por Fernando Medina, na sequência do acidente, sugerindo inacção
da Junta de Freguesia de Santo António, são também discrepantes com o que diz o
seu presidente, Vasco Morgado (PSD). O autarca garante a O Corvo que a gestão
dos espaços verdes e do arvoredo da Avenida da Liberdade “tem sido feita pela
junta em consonância com a câmara”. O autarca lembra, porém, que a
responsabilidade pelo abate de árvores é sempre da CML. E não se fica por aí.
“A avaliação do estado das árvores é feita pela Câmara de Lisboa, eles puxaram
a si essa responsabilidade. Depois de realizarem a monitorização das árvores,
eles passam-nos a informação, para nós actuarmos”, diz o presidente da junta,
que confirma a passagem de responsabilidades da junta para a CML, ocorrida “há
pouco mais de um ano”.
Em declarações à
comunicação social, ao final da tarde de terça-feira, à margem da Assembleia
Municipal de Lisboa, Morgado disse que a árvore onde embateu o autocarro “não
estava sinalizada, não estavam identificadas anomalias” e “não havia uma queixa
concreta na junta”. Apesar de remeter para a CML a responsabilidade pelo abate
de árvores, manifestou, no entanto, total disponibilidade para agir, acaso
soubesse estar em risco a segurança pública: “Quando houver a identificação
visível de um problema eu vou lá, corto a árvore e não peço autorização a
ninguém”. Vasco Morgado informou, todavia, que os serviços da junta estarão a
avaliar “se houve falha” da autarquia, para “perceber o que será necessário
fazer”.
Nesta
quarta-feira (21 de fevereiro), em declarações a O Corvo, Morgado repetiu
aquilo que dissera na véspera sobre o acidente: “O que está aqui em causa não é
o estado da árvore, mas sim o facto de que terá ocorrido um problema, uma falha
técnica, na condução do autocarro e o levou a embater na árvore”. “Disseram-me
que o motorista se terá desviado de um carro e guinado, embatendo na árvore”,
diz. Uma tese também veiculada por Sá Fernandes, nas horas subsequentes à
colisão. Segundo a mesma versão, o autocarro realizou um “encosto demasiado à
berma”. A Carristur, em comunicado, apresentara outra versão: “Não houve
despiste do condutor, a viatura estava alinhada com o eixo da via, mas a
Carristur vai instaurar imediatamente um inquérito para apurar as causas deste
acidente”.
O presidente da
junta de Santo António desvaloriza as declarações de Fernando Medina sobre o
novo quadro de responsabilidades da CML na gestão dos espaços verdes da Avenida
da Liberdade – “ele bem pode dizer o que quiser”, comenta a O Corvo -, até
porque garante que a junta já está a trabalhar com a câmara para melhorar a
manutenção dos mesmos. “Ainda na noite de terça-feira, eu o José Sá Fernandes
já falámos e ficou combinado que nos vamos sentar à mesa, junta e câmara, para
discutir sobre este assunto”.
O Corvo
questionou enviou, na tarde de terça-feira (20 de fevereiro), duas questões à
Câmara de Lisboa relacionadas com este assunto. “Tem a CML realizado a
manutenção adequada daquele arvoredo, bem como dos restantes espaços verdes?” e
“Tem a CML monitorizado o eventual impacto causado na segurança rodoviária pela
proximidade e pela inclinação das árvores existentes na avenida?”, eram as perguntas,
cuja resposta, porém, não chegou até ao momento da publicação deste artigo.
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