Um desfecho “óbvio” de um processo “que nunca deveria ter existido”
Para as deputadas
socialistas e os professores de Direito contactados pelo PÚBLICO, o
arquivamento do processo que envolvia Mário Centeno é natural. Mas a sua
abertura não é vista por todos da mesma forma.
MANUEL LOURO 1 de
Fevereiro de 2018, 21:35
https://www.publico.pt/2018/02/01/politica/noticia/um-desfecho-obvio-num-processo-que-nunca-deveria-ter-existido-1801697?page=/&pos=1&b=stories_cover__important_b
Num curto espaço
de dias, o Ministério Público (MP) abriu uma investigação envolvendo o ministro
das Finanças, Mário Centeno, realizou buscas ao seu ministério e arquivou o
processo em que o pedido de dois bilhetes para o camarote presidencial do
Estádio da Luz para assistir a Benfica–FC Porto de Abril do ano passado esteve
sob suspeita. Tanto as deputadas do PS Isabel Moreira e Edite Estrela como os
professores de Direito contactados pelo PÚBLICO consideram natural este
desfecho. Já em relação ao início da história, as opiniões são diferentes.
A abertura deste
inquérito, que se centrou também num alegado favorecimento a um filho do
presidente do Benfica, Luis Filipe Vieira, relativamente a um processo de
isenção de IMI, marcou imediatamente a agenda política. O primeiro-ministro,
António Costa, garantiu que Centeno não seria afastado do Governo mesmo que
fosse constituído arguido e, devido ao facto de o ministro ser agora presidente
do Eurogrupo, este caso foi discutido também na União Europeia – o presidente
do Partido Popular Europeu propôs um debate no Parlamento Europeu sobre as
"alegações” contra Centeno. A proposta foi rejeitada.
“Podemos
questionar se estão a ser bem utilizados os recursos do MP”
Foram vários os
dirigentes socialistas que criticaram a abertura do processo e a actuação do
MP. As críticas mantêm-se, apesar do seu encerramento. “Esperava, vivendo num
Estado de Direito, que este episódio nem tivesse tido início”, afirma Isabel
Moreira, considerando a investigação “absurda” e que “roça o ridículo”.
A deputada
socialista defende ainda que o processo “só poderia, evidentemente, ter este
desfecho”, criticando ainda o facto de “manchetes de jornais sensacionalistas
ditarem a actuação do MP”. “Achar-se que o ministro das Finanças se vende por
dois bilhetes é digno de um Estado persecutório”, continua, garantindo que nada
neste caso beliscará Centeno: “Se beliscar alguém é o MP, por nos ter sujeitado
a este triste espectáculo”.
“Absurdo” foi
também o adjectivo utilizado por Edite Estrela para classificar este processo
que, na opinião da deputada do PS, “nunca deveria ter existido” e que, apesar
do desfecho “óbvio”, “prejudica a imagem externa de um governante que não é um
governante qualquer” e a “imagem externa de Portugal”. “A imagem de Portugal
está em alta actualmente, mas estas coisas deixam sequelas”, realça.
Miguel Romão,
professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e antigo assessor
do Ministério da Justiça, num Governo do PS, nota que não conhece os factos
relacionados com o processo e com o arquivamento, mas explica que o “MP está
obrigado ao arquivamento” quando não se encontram motivos para dar seguimento à
investigação, não estranhando o pouco tempo decorrido entre a abertura do
inquérito e o seu arquivamento: “Há arquivamentos quase imediatos”.
Porém, com base
nas informações que foram públicas, Romão diz que “fazer buscas ao ministério e
permitir que essas buscas sejam associadas ao recebimento de dois bilhetes de
futebol é uma coisa exótica”. “Podemos questionar se estão a ser bem utilizados
os recursos do MP”, refere. “É de bom senso perceber se os recursos alocados
seriam ajustados ao que estava em causa”.
Por seu lado,
André Lamas Leite, professor da Faculdade de Direito Universidade do Porto,
defende que, a partir do momento em que há notícias de factos que podem
incorrer em crime, o “MP tem de abrir um inquérito”. “É perfeitamente normal”,
diz. “Só não se abre inquérito perante notícias de crime manifestamente
infundadas. Esta não era manifestamente infundada”, explica.
Notando que este
tipo de crime – o recebimento indevido de vantagem – é descrito no Código Penal
de “forma muito ampla”, Lamas Leite realça que “situações como esta cabem na
lei como uma luva”. No entanto, o professor de Direito defende que o processo
“foi bem arquivado”, porque, por um lado, “não há vantagem patrimonial” no que
respeita ao recebimento de dois convites para o futebol e, por outro, é
“socialmente adequado”. “É habitual”, realça.
Outra visão sobre
este caso tem Bonifácio Ramos, também professor da Faculdade de Direito
Universidade de Lisboa, que critica a abertura da investigação com base nos
factos que foram tornados públicos. “Por dois míseros bilhetes?”, questiona.
“Às vezes temos uma Justiça um bocado sensacionalista”, afirma, não se
mostrando surpreendido com o arquivamento.
O PÚBLICO
contactou ainda António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do
Ministério Público, que não quis comentar o tema.
PSD e CDS contra
discussão sobre Centeno no Parlamento Europeu
Mário Centeno,
ministro das Finanças
31 Janeiro 2018
às 11:50
O PSD e o CDS
demarcaram-se da pretensão do presidente do PPE de debater no plenário do
Parlamento Europeu as "alegações contra o presidente do Eurogrupo",
Mário Centeno, considerando-a "impertinente" e "absurda".
Um dia após
Manfred Weber, líder parlamentar do Partido Popular Europeu (PPE) - a maior
família política europeia, que inclui as delegações dos sociais-democratas e
democratas-cristãos ao Parlamento Europeu - ter avançado com a ideia de haver
um debate na próxima sessão plenária sobre o caso que envolveu buscas no
Ministério das Finanças, Paulo Rangel (PSD) e Nuno Melo (CDS) demarcaram-se
desta iniciativa, repudiada pelos deputados portugueses de outros grupos
políticos.
BUSCAS NO
MINISTÉRIO DAS FINANÇAS NÃO FORAM NO GABINETE DE MÁRIO CENTENO
O líder da
delegação do PSD explicou que "o presidente (do PPE na assembleia) queria
levar a questão à Conferência de Presidentes (que reúne os líderes das famílias
políticas) para eventualmente saber se haveria um debate em plenário ou
não" e garantiu que "o PSD, assim que soube, porque isto foi agendado
apenas pelo presidente, lavrou logo um protesto enorme por considerar que é
completamente impertinente estar a por qualquer questão".
Não há nenhuma
investigação pessoal e não tem qualquer relevância
"Não há
nenhuma investigação pessoal e não tem qualquer relevância. Tanto quanto
sabemos, não há nenhum motivo para qualquer dúvida neste momento. Sabemos que
também os presidentes dos outros grupos não querem debater a questão sequer na
Conferência de Presidentes, e portanto o PPE já não insistirá nisso.
Provavelmente o assunto nem sequer vai ser discutido na Conferência de
Presidentes", agendada para quinta-feira, apontou.
"Tendo em
conta a nossa posição, que foi muito firme e foi expressa ontem (terça-feira)
por escrito e oralmente duas vezes, penso que o assunto estará totalmente
esvaziado. Julgo que os nossos argumentos tiveram alguma valia, mas também não
há dúvida de que os outros grupos, felizmente - e penso que aí os deputados
portugueses terão tido um papel -, chamaram a atenção para que isto no fundo é
um não assunto. Se do ponto de vista nacional já era uma coisa bastante
caricata, do ponto de vista europeu é ainda mais", completou.
Também Nuno Melo,
do CDS, considerou que a ideia de colocar o assunto na agenda da sessão
plenária que decorre em Estrasburgo entre segunda e quinta-feira da próxima
semana "não faz nenhum sentido".
À política o que
é da política, à justiça o que é da justiça
"À política o
que é da política, à justiça o que é da justiça, sendo que no caso, se é
verdade que decorre uma investigação em Portugal, como é público, o ministro
Mário Centeno não foi sequer constituído arguido, e portanto esta é uma audição
que é absurda no tempo e inclusivamente nos seus pressupostos. E em relação a
isso eu não tenho uma avaliação partidária, tenho uma posição que é de
princípio", disse.
Por seu turno, o
líder da delegação do PS ao Parlamento, Carlos Zorrinho, considerou tratar-se
de "uma decisão absurda", que disse só poder entender "como uma
tentativa de denegrir a imagem de um político, a imagem de um país, e uma
incapacidade por parte do PPE de aceitar que, através de uma linha política
diferente, mais próxima das pessoas, mais próxima das empresas, seja possível
atingir resultados económicos de grande significado".
"É
completamente extemporâneo, não há nada factual, por isso acredito que a
Conferência de Presidentes não vai viabilizar este debate", disse,
manifestando-se convicto de que Rangel, enquanto vice-presidente do PPE
"também ajudará a impor o bom senso".
Os eurodeputados
falavam minutos antes de uma cerimónia de homenagem a Mário Soares pelo
Parlamento Europeu, na qual participa o primeiro-ministro, António Costa, que
na segunda-feira renovou a confiança no ministro das Finanças e frisou que
Mário Centeno "não sairá do Governo em circunstância alguma"
relacionada com investigações sobre alegados benefícios em troca de bilhetes de
jogos de futebol.
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Partido Popular
Europeu quer levar a plenário discussão sobre o caso Centeno
30.01.2018 às
19h14
Presidentes dos
vários grupos políticos do Parlamento Europeu vão debater as “alegações contra
o presidente do Eurogrupo” e decidir se levam o assunto ao plenário da próxima
semana em Estrasburgo. PS, PSD e PCP estão contra. Em causa está a polémica dos
bilhetes do Benfica. Costa já disse que Centeno não sai do Governo, mesmo que
seja constituído arguido
SUSANA FREXES,
CORRESPONDENTE EM BRUXELAS
A proposta é do
Partido Popular Europeu (PPE), que enviou para os restantes grupos políticos um
email com um pedido de debate sobre "alegações contra o ministro das
Finanças português e presidente do Eurogrupo". O conteúdo da proposta, a
que o Expresso teve acesso, dá conta da intenção de levar o assunto a plenário
na próxima semana, com "com declarações da Comissão Europeia e do
Conselho" mas "sem resolução final".
"É uma
proposta de agendamento absurda, absolutamente extemporânea", reage ao
Expresso Carlos Zorrinho. O eurodeputado do PS acusa o PPE de querer "usar
o Parlamento Europeu para denegrir Portugal".
O PSD - que faz
parte da bancada do Partido Popular Europeu - já se demarcou da posição do
grupo.
EURODEPUTADOS PORTUGUESES ESTÃO CONTRA
Paulo Rangel diz
que "não existe motivo" - "nem faz sentido" - discutir no
Parlamento Europeu a investigação ao Ministério das Finanças por causa de dois
bilhetes que Centeno pediu para assistir a um jogo do Benfica e as alegadas
suspeitas de recebimento indevido de vantagem.
“Centeno não é
arguido em processo nenhum”, diz ao Expresso Nuno Melo, sublinhando que a
“presunção de inocência” do novo presidente do Eurogrupo deve ser tida em
conta. O eurodeputado do CDS “é contra” o debate proposto pelo próprio grupo,
tal José Inácio Faria. O eurodeputado do Movimento Partido da Terra diz “que
não faz qualquer sentido”.
Já Marisa Matias,
do Bloco de Esquerda, e Marinho e Pinto acusam o PPE de “oportunismo político”.
“Neste momento é prematuro fazer extrapolações políticas de um caso que não é
aparentemente muito grave”, diz o eurodeputado.
“Isto é política
interna e, nesta fase, não há nenhuma razão para meter isto no Parlamento
Europeu”, afirma também o Eurodeputado do PCP Miguel Viegas.
PROPOSTA PODE SER
TRAVADA NA QUINTA-FEIRA
O pedido do PPE
deverá agora ser discutido na conferência de presidentes - que reúne os líderes
dos vários grupos políticos no Parlamento Europeu - esta quinta-feira. Se
houver maioria entre os presidentes, o debate segue para plenário. Caso contrário,
não.
"Confio que
a conferência de presidentes considerará este tema inadequado e sem substância
para agendamento", diz ainda Zorrinho.
O Grupo dos
Sociais e Democratas (S&D), de que faz parte o PS, deverá opor-se ao
debate, tal como o Grupo da Esquerda Unitária, onde têm assento PCP e Bloco de
Esquerda. Já o PPE considera que a discussão tem relevância por estar em causa
o presidente do Eurogrupo.
A próxima sessão
plenária do Parlamento Europeu decorre na próxima semana em Estrasburgo.
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