Serão abatidas
árvores centenárias na nova sede da Fundação Aga Khan, em Lisboa
Sofia Cristino
Texto
7 Fevereiro, 2018
No jardim do
Palácio Mendonça, nova sede mundial da Fundação Aga Khan, estão a ser abatidas
árvores centenárias, o que está a gerar controvérsia entre ambientalistas e
defensores do património. A Plataforma em Defesa das Árvores e outros
movimentos cívicos enviaram uma carta ao líder da comunidade ismailita,
exigindo-lhe que impeça o derrube das árvores, mas as obras prosseguem. “Eles
dizem-se defensores da natureza, mas não estão a agir em conformidade com esses
valores”, acusa a associação ambientalista, para quem o projecto deveria ter
sido levado a discussão pública, por se tratar de um palácio classificado como
um imóvel de interesse público. A organização muçulmana não se revê nas
acusações e garante que a maioria das árvores serão substituídas. “Sendo a Rede
Aga Kha reputada pelo cuidado e investimento na recuperação de património
histórico em todo o mundo, seria no mínimo estranho que, precisamente no espaço
escolhido para sede mundial do Imamat Ismaili, não pautasse a sua intervenção
pelos mesmos princípios e filosofia que norteiam desde sempre, a sua
actividade”, esclarece.
O abate de
árvores centenárias no jardim do palacete Henrique Mendonça, em processo de
requalificação pela Fundação Aga Khan, para ali construir a sua nova sede
mundial, está a causar indignação junto dos moradores do Bairro Azul, do Fórum
Cidadania de Lisboa e da Plataforma em Defesa das Árvores. No passado dia 30 de
janeiro, os membros destes movimentos cívicos e associações de moradores
enviaram uma carta ao líder da comunidade ismailita a exigir que cesse o
derrube das árvores de grande porte. Nela falam em “centenas” de exemplares,
mas o responsável de comunicação da fundação garante a O Corvo que não
excederão, afinal, uma dezena.
“Parem, por
favor, com o abate brutal de centenas de árvores centenárias, nomeadamente
Celtis Australis, nos jardins da futura sede da organização da religião
muçulmana, em Lisboa. Estas acções, juntamente com a construção de uma garagem
e um lago, certamente, comprometerão o futuro de outras árvores no parque”,
lê-se na carta endereçada ao príncipe Aga Khan. “Agradecemos a vossa alteza que
pare a destruição do património português”, apelam, ainda.
Classificado
desde 1982 como imóvel de interesse público, o palacete onde estiveram
instalados, até ao ano passado, serviços da Faculdade de Economia da
Universidade Nova de Lisboa, foi vendido à Fundação Aga Khan para instalar ali
a sua sede e dar-lhe uma nova vida.
Até há poucos
anos, os jardins da propriedade, também classificados e que têm esculturas da
Fundação Calouste Gulbenkian, eram de acesso livre. Nos últimos anos, o
crescimento incontrolado da vegetação dava ao espaço verde, de três hectares, um
aspecto de desleixo, passando despercebido a um olhar menos atento.
A comunidade
ismailita garante que quer preservar a traça do edifício centenário, assim como
os três hectares de espaço verde envolvente, mas a Plataforma em Defesa das
Árvores tem dúvidas que a intervenção seja fiel a tais propósitos.
“Eles (Fundação
Aga Khan) dizem-se defensores da natureza, mas não estão a agir em conformidade
com esses valores. Deitar árvores centenárias abaixo não é preservar nada.
Foi-nos dito que o parque seria uma continuação de um corredor verde, mas só
vemos toneladas de madeira a sair em carrinhas. Estão em causa os valores
básicos da natureza”, diz, em declarações a O Corvo, Rosa Casimiro, da
Plataforma em Defesa das Árvores.
Paulo Ferrero,
fundador do Fórum Cidadania de Lisboa, diz que basta ver as plantas do projecto
de requalificação do palacete, que inclui um parque de estacionamento, para se
perceber que muitas árvores terão de ser eliminadas. “É impossível fazer um
parque de estacionamento subterrâneo sem abaterem as árvores todas. E, só para
montarem a grua, já tiveram de deitar muitas ao chão”, explica.
O projecto de
reabilitação do palácio centenário, segundo Rosa Casimiro, deveria ter sido
levado a consulta pública, antes de ser aprovado pela Câmara Municipal de
Lisboa (CML). “Os lisboetas têm direito a saber o que vai ser feito com o
património da sua cidade. Surpreende-me que a Câmara não tenha nada a dizer.
Percebe-se pouco este silêncio e como se permite que isto aconteça sem qualquer
controlo. Acho que as pessoas nem querem fazer um esforço para pensar no que
está ali a passar-se”, refere.
Paulo Ferrero
encontra uma justificação para a falta de respostas da Câmara de Lisboa e da
Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). “Talvez não digam nada para não
ferirem susceptibilidades, não vá ser feita uma inspecção fitossanitára a
justificar abates. Se há alguém que tem uma explicação para isto então que o
mostrem”, desafia.
A Comissão de
Moradores do Bairro Azul, os Vizinhos das Avenidas Novas, a Associação de
Moradores das Avenidas Novas de Lisboa, e um antigo jardineiro do palácio, que
também assinam a carta endereçada ao líder da Fundação Aga Khan, chamam, ainda,
a atenção para a restruturação que está a ser feita dentro do palácio.
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