Manifesto
antiturismo denuncia caos em Sintra
Requalificação urbana sem critério, invasão
sem controlo de turistas e trânsito caótico são algumas das acusações expressas
no Manifesto Salvar Sintra, lançado por um grupo de cidadãos residentes na vila
Património Mundial. A autarquia considera o documento “sem qualquer adesão à
realidade”
VÂNIA MAIA
27.01.2018 às
20h33
“O verão passado
foi caótico”, assegura Madalena Martins, 63 anos, residente em São Pedro de
Penaferrim, e uma das promotoras do manifesto Salvar Sintra. O documento,
lançado pelo movimento Q Sintra, (criado no final do ano passado por um grupo
de cidadãos com o objetivo de alertar para os problemas da vila), considera
estar em perigo a zona classificada como Património Mundial da Humanidade pela
UNESCO. E identifica os principais fatores de risco.
“Aos
fins-de-semana, ou sempre que há um maior afluxo de turistas, o trânsito é
insuportável. Demora-se horas a fazer percursos que, em circunstâncias normais,
demorariam minutos”, descreve Madalena Martins. “É triste ver esta degradação
da nossa qualidade de vida”, lamenta a ex-consultora de comunicação.
O trânsito
permanentemente congestionado e a pressão turística são dois dos problemas
destacados pelo manifesto, que pode ser subscrito por todos aqueles que se
revejam nas preocupações do movimento.
Cerca de 5
milhões de pessoas visitaram a vila em 2016, estima-se que no ano passado
possam ter sido 6 milhões. O Palácio da Pena, o monumento campeão, recebeu 1,3
milhões de pessoas em 2016. Ao todo, nesse ano, a Parques de Sintra vendeu mais
de 2,6 milhões de entradas para os seus vários parques e monumentos. Em 2017,
as visitas voltaram a crescer e foram vendidos 3,2 milhões de bilhetes – cerca
de 80% a estrangeiros.
A autarquia de
Sintra reconhece os “enormes desafios que enfrenta com o grande aumento de
turistas que se verificou em Portugal nos últimos anos”. À VISÃO, por escrito,
o gabinete da presidência da Câmara Municipal diz encarar esta afluência de
visitantes “com uma oportunidade para o futuro do município e não como uma
catástrofe que se abateu sobre Sintra”.
Os subscritores
do manifesto reconhecem a importância da atividade turística e, como explica
Madalena Martins, não estão contra as pessoas que chegam de fora: “Elas também
são vítimas desta desorganização.” Mas defendem que “a prioridade não pode ser
dada aos turistas, em vez de aos residentes”.
LIMITAR PESSOAS E
AUTOMÓVEIS
O documento,
disponível na página do movimento, defende a “restrição do número de visitas
diárias”, mas a autarquia liderada por Basílio Horta (PS) esclarece que a
limitação da entrada de turistas “não está em debate”. Em vez disso, “a
estratégia passa pela promoção do alargamento dos pontos de visitação para além
da área concentrada na vila”.
Relativamente ao
trânsito, a Câmara Municipal reitera a intenção de proibir a circulação
automóvel no centro histórico da vila até ao final deste ano. E aposta na
criação de parques de estacionamento periféricos, o mais recente fica na
Estefânia, em frente à estação de comboios, e tem cerca de 500 lugares
gratuitos. Também será lançada uma rede de transportes elétricos, a
MobiESintra, para levar os visitantes aos parques e monumentos, aliviando o
tráfego.
O movimento Q
Sintra considera que “a dissuasão de acesso ao centro não existe” e, mesmo com
os novos parques, classifica o estacionamento de “escasso”. Alerta, ainda, para
os problemas de segurança provocados pelo trânsito caótico, que “condiciona
seriamente o acesso e mobilidade dos meios de socorro em caso de acidente
grave”, lê-se no documento, que levanta preocupações em caso de incêndio, já
que identifica “sinais de risco, negligência e desprezo” na gestão da floresta
de Sintra.
A autarquia nega
as acusações e coloca a proteção da serra “na linha da frente” das suas
preocupações. Lembra a criação, no início do ano passado, de uma equipa de
sapadores florestais. E, para resolver os problemas de acessibilidade em caso
de incêndio, revela à VISÃO que haverá obras de beneficiação na estrada com
ligação ao Convento dos Capuchos e à Peninha.
“ABERRAÇÕES”
URBANAS
Entre as queixas
deste grupo de residentes está, também, “a falta de planeamento e critério na
gestão urbana”. Madalena Martins fala em “aberrações”, apesar de reconhecer a
importância da recuperação dos edifícios ao abandono. Um dos projetos da
discórdia é a construção de um hotel de 95 quartos na Casa da Gandarinha, que
consideram “uma ofensa irreparável ao património de Sintra”, com a destruição
de muros, grutas e árvores.
A autarquia
esclarece que “não há nova construção na vila de Sintra”. O que existe, de
acordo com a câmara, “são requalificações de imóveis abandonados e em ruínas há
vários anos, os quais implicam, obrigatoriamente, a preservação das fachadas e
o respeito pelos valores do Património da Humanidade”. Relativamente à Casa da
Gandarinha, defendem o projeto, uma vez “que preserva a fachada do edifício,
abandonado há várias décadas, e que estava em risco de queda para a via
pública, colocando em risco a segurança das pessoas”.
Madalena Martins
identifica, ainda, a desertificação da zona histórica como um dos fatores de
descaracterização da vila: “As casas que vão ficando vazias estão a ser todas
direcionadas para o turismo e, assim, o centro histórico deixa de ter vida
própria”.
Também a “oferta
cultural e comercial pouco qualificada” é alvo de críticas. A autarquia
defende-se com o aumento dos espectadores do Centro Cultural Olga Cadaval, de
35 mil em 2014 para 73 mil em 2017, e com a abertura de dois museus no centro
histórico nos últimos quatro anos.
Mas Madalena
Martins lamenta que o comércio esteja totalmente voltado para o turismo, com
lojas de recordações “que nada têm a ver com as tradições de Sintra".
Às acusações de
“progresso autofágico, mono-especializado num turismo sem futuro”, a autarquia
responde que os dados apresentados no manifesto “são falsos tentando criar uma
imagem da vila de Sintra que não corresponde à realidade”.
À VISÃO, a Câmara
Municipal de Sintra revelou ainda não conhecer os autores do manifesto, mas o
encontro deverá acontecer em breve, já que os membros do movimento Q Sintra
planeiam estar presentes nas sessões públicas da autarquia e continuar a
fazer-se ouvir.
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