Especialistas
defendem estratégia global para a Baixa
Colocação de
azulejos nas fachadas da Praça da Figueira é vista como medida
"desarticulada" e "casuística" que não valoriza a Baixa
como um todo nem contribui para resolver os problemas locais.
JOÃO PEDRO PINCHA
14 de Fevereiro de 2018, 21:30
O súbito
aparecimento de azulejos na fachada do quarteirão da Suíça, na lisboeta Praça
da Figueira, é encarado com perplexidade por alguns arquitectos e
historiadores. Um grupo de especialistas esteve reunido esta quarta-feira e do
encontro saíram mais dúvidas do que certezas. Os presentes questionaram a
relevância da intervenção e foram unânimes a defender a existência de um plano
global para a Baixa, em vez de operações isoladas.
No primeiro andar
da Confeitaria Nacional, com vista para os azulejos, a vereação do PSD promoveu
um pequeno-almoço de debate em torno do projecto de Daciano da Costa. Esse
projecto, desenhado em 2001 e reavivado pela câmara municipal no fim de 2017,
prevê que todas as fachadas da praça sejam revestidas a azulejos. Os primeiros,
azuis e brancos, já estão num dos topos.
“Começou-se por
este sem explicar tudo o resto”, lamentou João Paulo Martins, co-autor do
projecto. O arquitecto explicou que a ideia sempre foi ter os quarteirões
diferenciados entre si: nuns aplicar-se-iam azulejos azuis e brancos, criando
um efeito dégradé; noutros, os azulejos seriam todos azuis; no quarteirão da
Suíça, ficou desenhado – e cumpriu-se – que os azulejos seriam mais claros,
sobretudo brancos.
“O projecto tinha
este pressuposto: é necessário fazer alguma coisa na Praça da Figueira”,
lembrou João Paulo Martins. O atelier de Daciano foi convidado pelo executivo
de João Soares, em 1999, a apresentar uma proposta de intervenção quando
“estava já a decorrer a construção do parque de estacionamento subterrâneo”,
disse. “Foi isso que foi encomendado, um chão para a praça. Mas lá no atelier
percebeu-se que um chão não chegava”, acrescentou. Isto porque a praça foi
durante muito tempo ocupada por um mercado em ferro e “as fachadas foram sendo
concebidas ao longo do tempo com uma perspectiva que nós hoje não temos”, uma
vez que o mercado desapareceu.
Daí surgiu a
pergunta “como fazer disto uma unidade?” e a resposta veio na forma de
azulejos. João Paulo Martins, que se desvinculou do atelier de Daciano em 2002,
afirmou que “desde 1999 tem havido debate público sobre esta questão” e que
“não houve nada escondido”. Ainda assim, não põe as mãos no fogo pelo que agora
foi feito.
Em 2004, um
parecer identificou o tipo de azulejos e procedimentos necessários para
garantir que as paredes dos prédios continuariam a “respirar”. Com base nisso,
a câmara, então liderada por Carmona Rodrigues, disse que os azulejos produzidos
em 2001 não serviam. Mas a autarquia disse ao PÚBLICO na semana passada que as
peças agora aplicadas são precisamente as que foram dadas como inaptas há 14
anos. “Não sei até que ponto se respeitaram os condicionalismos técnicos”,
disse João Paulo Martins. “Se me perguntarem se o resultado que aqui está era o
que eu tinha na minha cabeça há 18 anos”, começou – mas não concluiu a frase.
Para João Rodeia,
ex-presidente da Ordem dos Arquitectos e do Instituto Português do Património
Arquitectónico (Ippar), esta intervenção “é casuística” porque a Baixa vale
“pelo seu todo”. “Eu preferiria que houvesse uma visão mais global”, defendeu.
E lembrou que existe uma candidatura desta zona a Património da UNESCO.
“Sabendo que a avaliação das candidaturas é matéria sensível, eu pergunto-me se
a continuação de intervenções casuísticas não põe em causa a inscrição da Baixa
na lista de património.”
Nuno Vassallo e
Silva, ex-director-geral do Património Cultural, questionou: “Qual a
oportunidade desta intervenção em 2018? Em 1999, a Baixa vivia uma decadência
tremenda. Em 2018 o panorama não é o mesmo”, disse. “Ver esta intervenção desarticulada
de toda a Baixa parece-me algo preocupante. Não sei se este projecto hoje terá
o lugar ou a justificação que tinha há 18 anos.”
Xana Campos, do
fórum de discussão Arquitectura PERTO, manifestou-se “chocada” com o
revestimento e lançou várias questões. “Porque é que há este tipo de
intervenção? Qual é a razão? Expliquem-me lá qual é a ideia, a vantagem. A
unidade não se consegue por o revestimento ser todo o mesmo.”
Já o arquitecto
Victor Lopes dos Santos criticou o facto de a câmara impor aos proprietários a
utilização de azulejos nas fachadas da praça, sobretudo sem um plano mais
integrado. “Preocupa-me estarmos a fazer uma intervenção de redesenho de um
espaço sem saber o que se pode fazer para o revitalizar. De que é que vale uma
pessoa pintar os prédios, pô-los de cara lavada, se ninguém os vai utilizar?”
Por fim, todos
defenderam a criação de uma estrutura própria para pensar a Baixa como um todo
– algo que João Pedro Costa, vereador do PSD, se comprometeu a propor na
câmara.
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