“Alguns” !?
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OVOODOCORVO
O que falta em
Lisboa? Para alguns, falta “onde gastar o dinheiro”
15 Fevereiro
2018104
Edgar Caetano
Se para as
classes médias e para os jovens é cada vez mais uma miragem viver no centro de
Lisboa, quem vive do setor imobiliário - sobretudo nas gamas altas - vive uma
“época dourada”. Será uma bolha?
Em Lisboa “até
tem loja da Prada e pode andar de Rolex na rua. Não tem problema, não”
Os transportes
são (de facto) um problema
“Queres ir
trabalhar para Varsóvia? ‘Não’. E para Lisboa?”
É uma bolha? Ou o
“passo da internacionalização está dado e não há voltar atrás?”
“800 mil euros?
Por um apartamento no centro de Lisboa? Nossa, isso aí é valor de Looondres“.
Escrevemos “nossa” em itálico para tentar indicar ao leitor que quem está a
falar é um brasileiro — um dos muitos brasileiros, endinheirados, que estão a
“descobrir” Lisboa e a fazer da capital portuguesa a sua nova casa. Ainda que
fique surpreendido pelo preço (ou finja ficar), este brasileiro vai mesmo
acabar por comprar o apartamento, garante, ao Observador, alguém que dedica os
seus dias a navegar nesta “época dourada” do imobiliário na capital portuguesa
— nas casas e, também, cada vez mais, nos escritórios.
É, em parte,
graças ao brasileiro, ao francês, ao turco, ao sul-africano, ao inglês (cada
vez menos ao angolano e ao chinês) que os preços das casas estão em níveis que
muitos consideram típicos de uma “bolha” — mas que quem está no terreno garante
que não é assim. E não é assim, diz-nos uma das maiores consultoras de
investimento imobiliário, porque “Lisboa deu o passo da internacionalização e,
normalmente, depois de esse passo ser dado, não se volta atrás”. E não há uma
“bolha”, também, porque quem vem, cada vez mais vem para ficar — “apaixona-se”
por Lisboa, uma cidade cujo único defeito, para alguns, é “faltar onde gastar o
dinheiro”.
O ano de 2017 foi
um ano recorde para o imobiliário em Portugal, com um aumento a rondar os 50%
face a 2016. E a tendência vai continuar a ser de um crescimento de dois
dígitos, prevê a consultora JLL. Para 2018, a “estimativa prudente” da JLL para
o crescimento do investimento neste setor — em todos os segmentos — é de 25%,
mas “à luz da atividade que está a registar-se neste primeiro mês do ano”, e
com alguns negócios que deverão ser anunciados em breve, “ninguém ficará
surpreendido se chegarmos ao fim do ano com um valor na ordem dos três mil
milhões de euros”, ou seja, mais um crescimento anual de 50%, igualando o ano
recorde que foi 2017.
A previsão foi
avançada por Fernando Ferreira, responsável pela área de investimento da JLL,
num encontro com jornalistas, no final de janeiro, para apresentar o relatório
semestral que a consultora elabora sobre as grandes tendências do mercado
imobiliário, o Market 360º.
Foi uma outra
responsável da mesma consultora, Patrícia Barão, que lidera a equipa
vocacionada para o segmento residencial, que nos contou a história do
brasileiro. Deste e de outros, de brasileiros e não só: “em 2017 fizemos
negócios com 48 nacionalidades — tinham sido 43 no ano anterior. Todos os anos
estamos a ser descobertos por nacionalidades novas e por pessoas que se
apaixonam pelo nosso país”, afirmou Patrícia Barão.
“Apaixonar” é,
curiosamente, a mesma expressão usada por Patrícia Barão, da JLL, e por
Cristina Arouca, diretora de research da CBRE, outra consultora que tem vista
privilegiada para as grandes mudanças que estão a ocorrer no imobiliário em
Lisboa (e, em certa medida, em outras zonas do país como a cidade do Porto).
“Há muitos investidores que vêm cá e apaixonam-se pela cidade”, afirma Cristina
Arouca, que diz que as estrelas estão a alinhar-se para Portugal quando se fala
em investimento em imobiliário (que hoje já é muito mais do que o investimento
do Visto Gold).
“Os fundamentos
hoje são bons: a economia está a recuperar, no imobiliário a procura é enorme,
e tem graça porque se há uns anos alguns estrangeiros olhavam para Portugal e
viam grandes riscos políticos, hoje em dia vários países — não só fora da
Europa mas também dentro da Europa — também têm problemas” relacionados, por
exemplo, com movimentos independentistas ou a saída da União Europeia, no caso
dos britânicos.
A diretora da
CBRE diz, em entrevista ao Observador, que muitos destes estrangeiros percebem,
agora, que os seus países de origem “não são assim tão bestiais”. E Lisboa — e
Portugal — surgem, neste contexto, como um lugar cada vez mais apetecível.
Em Lisboa “até
tem loja da Prada e pode andar de Rolex na rua. Não tem problema, não”
Tão apetecível
que, conta Patrícia Barão, se cria um “problema” para os primeiros que vieram.
Conta a responsável da JLL: “em 2016 vendemos um apartamento a um casal
brasileiro, com 60 e tal anos, que veio viver para Lisboa. Depois disso, os
netos vieram cá e adoraram a cidade, eles que sempre acharam que Portugal era
um país meio atrasado”.
Por regra,
acrescenta a especialista, “o brasileiro vem à Europa mas vai a Paris, vai a
Milão. Mas aqui em Lisboa, constataram que podiam sair à noite, que a noite era
super-divertida, segura, ‘até se pode andar de Rolex na rua‘, e ficaram
surpreendidos pela qualidade de universidades internacionais que existem cá.
Mais: havia um cunhado tem um negócio que não precisa de estar em São Paulo. E,
do ponto de vista fiscal, até é preferível estar em Lisboa”. Também veio para
Lisboa, o cunhado.
“Até tem loja da
Prada”, diziam os netos, com cerca de 20 anos. Passado algum tempo, toda a
família veio para Lisboa. “Aí, ó Patrícia, você criou um problema para nós,
hein?”, ouviu a responsável pela área residencial da JLL, que agora reproduz,
com humor, o que lhe disseram os clientes.
Mais a sério: um
dos membros do casal de brasileiros viria a ter, de facto, um problema — um
problema de saúde. “Nós tantas vezes nos queixamos do nosso sistema nacional de
saúde. Ora, eles foram a um hospital, público, ao São Francisco Xavier, foram
atendidos e o problema resolveu-se. Como seria no Brasil? ‘Patrícia, no Brasil
eu ficava prá morrer na entrada, viu?'”.
“Todos os anos
estamos a ser descobertos por nacionalidades novas e por pessoas que se
apaixonam pelo nosso país”, afirmou Patrícia Barão, da JLL.
Mas o que falta,
então, a Lisboa? Quando estes clientes tentam regatear o preço a pagar pelas
casas, se é que o fazem, que argumentos é que usam? Como diz o ditado, quem
quer comprar tem de desdenhar, certo? “Bem, não há assim nada de que eles reclamem”,
diz Patrícia Barão. “Um brasileiro que chega a Lisboa não tem tema“,
acrescenta. Nem o trânsito? “Em São Paulo o trânsito é caótico, isto não é nada
comparado com São Paulo”, remata a agente da JLL.
Existe, porém, um
problema de que alguns se queixam. E é o diretor-geral da JLL, Pedro Lancastre,
que nos conta o que ouviu da boca de um (também) brasileiro. Eis o que lhe
disseram: “Lisboa só tem um problema: é difícil gastar dinheiro. Foi a
expressão que usaram. Quando vão a Milão têm mais lojas de luxo, restaurantes
de topo, hotelaria. Eles gostam muito das Cartier e das Prada, de ir a bons
restaurantes. Em Portugal há muitas tascas, o que é ótimo, mas falta o resto”,
defende Pedro Lancastre, em conversa com o Observador.
Os transportes
são (de facto) um problema
É verdade que,
como diz Cristina Arouca, da CBRE, as grandes marcas de luxo não fazem grandes
intenções de abrir uma segunda loja em Portugal — “talvez estejam, algumas,
agora a pensar em abrir uma loja no Porto, mas poucas”. Mas Portugal — e
Lisboa, em particular — nunca foi conhecido por ser um destino de excelência
para quem quer fazer compras em marcas de luxo.
Não são só os
estrangeiros a comprar
“2017 foi um ano
extraordinário para o segmento residencial”, afirma Patrícia Barão, responsável
pelo segmento residencial da JLL. Mas o crescimento de Lisboa e Porto “não
provém apenas do investimento estrangeiro. Os portugueses, com cada vez mais
capacidade para investir, aumentaram consideravelmente a sua quota em 2017”, afirma
a responsável da JLL, uma consultora onde o “ticket” médio de compras se situou
em 630 mil euros, no ano passado.
Ao contrário dos
responsáveis da JLL, que defendem que os clientes mais endinheirados, quando
chegam a Portugal, “não têm tema”, a diretora de research da CBRE deteta alguns
fatores em que Lisboa tem um caminho a percorrer. O principal? Os transportes
são insuficientes, o que é um problema para quem vem para cá viver mas,
sobretudo, quem vem para trabalhar.
“Nós olhamos para
a rede de transportes de outros países, de outras capitais, e não se compara”,
salienta Cristina Arouca. “Claro que há muitas pessoas que, até pelas funções
profissionais que têm, usam carro da empresa, mas aí cria-se o problema do
estacionamento”, nota a especialista, defendendo que “a política do município
tem sido a correta, pelo menos em teoria — tirar os carros da cidade — mas,
então, têm de se criar alternativas“.
De resto, mesmo
quando se fala em lazer — por outras palavras, “onde gastar o dinheiro” — “em
Portugal evoluiu-se tanto, nesse aspeto, que a meu ver já estamos a um nível
bastante satisfatório”, defende a diretora de research da CBRE. “Na
gastronomia, temos restaurantes novos a abrir todos os dias e de elevada
qualidade. Mesmo em termos culturais, temos tido exposições muito boas. Em
termos de compras, podem faltar algumas marcas mas já temos um bom roteiro — é
claro que dificilmente podemos comparar com outras capitais”. Possivelmente o
“tal” brasileiro quer comparar-nos com Londres, com Milão ou com Paris, até
Madrid… bem, mas se compararmos com Varsóvia temos muito mais boas lojas e
restaurantes de luxo.
“Queres ir
trabalhar para Varsóvia? ‘Não’. E para Lisboa?”
E é com capitais
como Varsóvia (onde está um temperatura de três graus negativos no momento da
publicação deste texto) que Lisboa outras cidades portuguesas estão, de facto,
a competir, sobretudo no setor que é mais próximo de Cristina Arouca, da CBRE:
os escritórios.
A subida das
rendas dos escritórios, nos últimos anos, já nos colocou ao nível das rendas
que são cobradas na Polónia, um mercado concorrente com Portugal neste
segmento, diz a diretora da CBRE. Mas “há que ter em conta os aspetos
relacionados com o custo de vida e outras componentes qualitativas. Por
exemplo? O BNP Paribas, que trouxe para cá uma série de serviços e vai trazer
pessoas e contratar, cá, outras. Se perguntarem a um francês: queres ir
trabalhar para a Polónia? ‘Não’. Então queres ir trabalhar para Portugal?
‘Quero, claro que sim, tenho muito mais qualidade de vida do que num país do
Leste Europeu'”.
Uma fotografia
tirada no início deste mês de fevereiro em Varsóvia, onde estão -3ºC. FOTO:
JANEK SKARZYNSKI/AFP/Getty Images
Se nos últimos
anos o investimento no mercado residencial foi o mais atrativo, cada vez mais
os investidores estão a olhar para o segmento dos escritórios em Lisboa, não só
por uma questão de diversificação mas porque este está a mostrar ser, de facto,
um mercado com enorme escassez. “Nós estamos a ver surgirem edifícios de
escritórios que não foram concebidos para serem edifícios de escritórios mas
que estão a ser reconvertidos para essa finalidade”.
Neste momento,
diz Cristina Arouca, “os locais com maior procura são a zona ribeirinha, não só
porque está perto do rio e de zonas de diversão, mas também porque tem muitas
opções de transportes — a mobilidade é um fator importantíssimo, todas as
empresas se preocupam com isso. Mas há muito pouca oferta e, em certas zonas, o
modelo de negócio que está em voga é o pré-arrendamento: “em 2018 vão arrancar
várias obras já com inquilinos garantidos”, adianta a diretora da CBRE.
"Lisboa está
muito na moda. Portugal é atualmente um destino de eleição para a instalação de
multinacionais que prestam serviços tecnológicos partilhados"
Mariana
Rosa, "head of Office agency & corporate solutions" da JLL
Precisamente por
causa da escassez de edifícios de escritórios adaptados às novas gerações de
trabalhadores, a JLL pede que as autoridades pensem em medidas de incentivo
para este tipo de promoção imobiliária, como houve para o segmento residencial.
Pedro Lancastre, diretor-geral da empresa, defende que “tem de haver mais
produção para escritórios, senão não há o tal espaço para atrair os talentos”.
“Tem de haver incentivos pela câmara e pelo Estado, menos impostos para quem
promove. Alguns dos incentivos que houve para o mercado residencial também
fariam sentido nos escritórios”, argumenta o gestor.
É uma bolha? Ou o
“passo da internacionalização está dado e não há voltar atrás?”
“As cidades de
Lisboa e Porto estão num autêntico frenesim: muitos edifícios a serem
reabilitados, zonas públicas em grandes transformações e todos os dias abrem
lojas, cafés e restaurantes que nos enchem de orgulho em sermos portugueses”,
escreve Pedro Lancastre na introdução do relatório Market 360º da JLL.
“Formou-se a tempestade perfeita e o país está a saber tirar partido“, defende
o diretor-geral da JLL em Portugal, acrescentando que “o crescimento é
sustentado e sustentável, pois as fontes de procura são hoje muito mais
diversificadas e a dinâmica já não é apenas conjuntural.
Ao falar sobre o
aumento dos preços do imobiliário em Lisboa, as opiniões variam entre “está
tudo doido” ou “é uma bolha e, quando rebentar, vai ser bonito”. Mas, a fazer
fé no que diz quem trabalha nesta área, “a questão da bolha não se coloca“.
Não obstante
muitos dos negócios serem feitos com capitais próprios, Patrícia Barão, da JLL,
diz que “este ano 2017 tivemos um aumento de 44% no crédito à habitação face ao
ano anterior. Mas, comparando com 2007, o último pico que tivemos, estamos 60%
abaixo”. “O mercado está sólido, temos uma oferta e uma procura que está cada
vez mais alinhada e os nossos preços, se olharmos para os preços praticados nas
principais cidades europeias, vemos que Lisboa está ainda bastante inferior”,
acrescenta.
Na opinião de
Maria Empis, também da JLL, “é claro que existirão sempre ciclos económicos,
mas Portugal deu o passo da internacionalização e, pela experiência doutros
países, agora não há volta a dar”. A especialista defende que “no residencial,
a motivação já não é o Visto Gold, é quem quer vir trabalhar, quem quer vir
viver para cá. Claro que pode haver abrandamentos mas o passo da internacionalização
está dado”, afirma Maria Empis.
O que é certo é
que, com mais ou menos subidas acentuadas dos preços, em pouco tempo, a cidade
está a mudar. E vai continuar a mudar, diz Cristina Arouca, da CBRE — e quem
quiser (e puder) viver no centro da cidade vai ter de se adaptar.
“O que acredito
que irá acontecer, a prazo, é que as casas vão passar a ser mais pequenas“, diz
a especialista, defendendo que “as nossas casas, em Lisboa, são muito maiores
do que as de Madrid, estamos um pouco mal habituados nesse aspeto”, diz
Cristina Arouca. Daqui para a frente, “a tendência é que iremos cada vez mais
ter casas mais pequenas, com menos corredores, com a cozinha aberta para a sala
de jantar — não serão tanto as tipologias que irão mudar mas, sim, a dimensão das
casas e o aproveitamento das divisões”.
No horizonte
estará, portanto, um futuro com casas mais pequenas — para poder ficar mais em
conta viver numa cidade onde, apesar de tudo, saindo pelas portas de casa,
haverá cada vez mais lugares onde “gastar o dinheiro”.
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