Quarteirão do polémico “mono do Rato” vai mesmo ser demolido nos próximos dias
Samuel Alemão
Texto &
Fotografia
13 Fevereiro,
2018
O espanto e a
curiosidade, acompanhados de alguma preocupação pela falta de informação
visível, foram crescendo entre passantes e vizinhos, ao longo da véspera de
carnaval (segunda-feira, 12 de fevereiro), e ao mesmo tempo que se procedia à
colocação de tapumes. O quarteirão confinado pelo Largo do Rato e pelas as ruas
do Salitre e Alexandre Herculano e que, entre 2004 e 2011, esteve no centro de
uma polémica devido ao plano para a construção de um grande edifício de traço
contemporâneo, assinado pelo arquitectos Manuel Aires Mateus e Frederico
Valsassina, será demolido nos próximos dias. Mais de sete anos após a
aprovação, em dezembro de 2010, daquele que ficou conhecido como o “mono do
Rato”, prepara-se agora para acontecer uma mudança radical naquele gaveto
urbano, que culminará com uma nova edificação. O Corvo tentou saber se é o
mesmo projecto ou outro, mas tal não foi possível apurar até ao momento da
publicação deste artigo.
“Isto é tudo para ir abaixo, mal a gente acabe
de instalar os tapumes”, confirmou a O Corvo um dos dois operários que, na
tarde desta segunda-feira, trabalhavam no local e, com regularidade, eram
interpelados pela curiosidade de quem se deparava com tal cenário. “É com
grande pena que vejo que este quarteirão vai ser destruído. Depois da imensa
polémica que aquele projecto causou e da mobilização das pessoas contra a sua
construção, fica-se um pouco triste por ver que, afinal, estes edifícios vão
ser demolidos. Perde-se um pouco da identidade desta zona”, desabafava uma
mulher, moradora na Rua do Salitre, após ter interrogado a parelha de
trabalhadores. Além dos tapumes, não era visível qualquer informação sobre o
que irá ali acontecer, nem sequer a obrigatória publicidade ao licenciamento
camarário. O dono do restaurante Ratoeira Minhota, uns poucos metros mais à
frente na mesma rua, também diz desconhecer o que surgirá ali. “Depois daquela
polémica, acho que vão fazer uma outra coisa”, assevera.
“Aquela polémica”
esteve particularmente activa durante seis anos, desde 2004, quando foram dadas
a conhecer as imagens do projecto de Aires Mateus e Valsassina para aquele
recanto do Largo do Rato, e até ao início de 2011, pouco depois de o mesmo ter
sido aprovados em reunião camarária, já com alterações introduzidas. De
permeio, um enorme debate, pontuado por posições extremadas, contra e a favor,
sobre a adequação de uma tão radical proposta para aquela zona. O edifício de
habitação e escritórios acabou por se revelar bem mais polémico e repleto de
arestas do que a sua fachada de tom minimalista, feita em pedra e vidro, a
rasgar o classicismo daquela zona. Depois de, em 2005, durante a presidência de
Pedro Santana Lopes (PSD), o projecto de arquitectura do edifício ter sido
aprovado pela então vereadora do urbanismo, Eduarda Napoleão, com recurso a uma
prerrogativa especial, o licenciamento da obra acabou, porém, por ser chumbado
por duas vezes em 2008, já com António Costa (PS) à frente do município.
Mas os votos
contra não vieram dos então seis vereadores eleitos pelo PS, partido que tem no
Largo do Rato a sua sede nacional. Deles chegaram, aliás, na altura, os únicos
votos favoráveis ao projecto, cujo impacto paisagístico e ainda a necessidade
de fazer um plano de pormenor para a zona motivaram a união na sua rejeição dos
outros onze membros da vereação – algo que aconteceu por duas vezes, em julho e
em novembro de 2008. Há uma década, PSD, PCP, Bloco de Esquerda (que elegera
José Sá Fernandes), mas também a vereadora Helena Roseta – eleita pelo
Movimento Cidadãos por Lisboa numa coligação que garantira a vitória de Costa
nas eleições intercalares de 2007 – juntaram-se para vetar uma construção muito
criticada não apenas pela sua grande escala, mas também pela sua implantação e
relacionamento com a envolvente. A então vereadora do PSD Margarida Saavedra
chegou a propor a construção de um jardim naquele local. O chumbo do arrojado
empreendimento imobiliário levou a que o seu promotor decidisse, no início do
ano seguinte, em 2009, processar judicialmente os onze membros da vereação que
votaram contra, pedindo 1,6 milhões de euros a cada um.
No final daquele
mesmo ano, o processo teria novos desenvolvimentos, com o mesmo promotor a
admitir publicamente que estaria disposto a fazer algumas alterações ao
projecto original, desde que a integridade do mesmo não fosse afectada e os
interesses económicos da empresa prejudicados. Um responsável do grupo
económico, a Arte Pura – Investimentos Imobiliários SA, adiantava ao jornal
PÚBLICO que, naquela altura, estariam a ser desenvolvidos “exercícios teóricos”
pela dupla de arquitectos no sentido de ver o projecto aprovado – em paralelo,
decorreriam contactos “informais” com os serviços de urbanismo da Câmara
Municipal de Lisboa. O certo é que, poucos meses depois, em março de 2010,
António Costa também se mostraria publicamente disponível para dialogar com a
promotora sobre este dossiê. Algo que aconteceria no momento em que a vereação
– com os votos favoráveis do PS e a abstenção do PSD, PCP e CDS – aprovaria a
revogação do anterior chumbo do licenciamento, após ter admitido “vício de
forma” do mesmo acto.
Algo que estaria
relacionado com o facto de, aquando do último chumbo, ocorrido em novembro de
2008, ao promotor não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar sobre os
fundamentos do mesmo – direito previsto no Código de Procedimento
Administrativo. Assumido e corrigido o erro, estava então aberta, de novo, a
porta para a insistência na construção de tão contestada obra. Feitas as
necessárias alterações ao projecto – com os arquitectos a mexerem nas fachadas,
mas também a eliminarem as caves e o comércio no rés-do-chão -, ele regressava
à ordem de trabalhos de uma reunião do executivo camarário perto do Natal de
2010. Depois de muita discussão, o “mono do Rato” – que sempre contou com o público apoio da
Ordem dos Arquitectos, para quem a negativa no licenciamento careceria de
fundamento legal – acabaria por ser aprovado, a 22 de dezembro, com os votos
favoráveis do PS, a abstenção do PSD e do CDS, enquanto Helena Roseta
(independente) e Rúben de Carvalho (PCP) preferiram sair da sala, por se
recusarem votar sob ameaça de procedimento judicial do promotor.
O Corvo tentou
obter, ao longo da tarde desta segunda-feira (12 de fevereiro), junto da Câmara
de Lisboa, esclarecimentos sobre o projecto que ali nascerá. Mas tal não foi
possível, no entanto, até ao momento da publicação deste artigo.
Uma questão de
promiscuidades
19.07.2009,
António Sérgio Rosa de Carvalho in Público.
(...) –“ não
quero mais encomendas a arquitectos do star system, a cobrarem fortunas por
"maquetas" feitas de caixas de sapatos;”
- “não quero mais
destruição do património arquitectónico, através da especulação imobiliária ou
da "criatividade" corporativa dos arquitectos, não só nas avenidas
românticas, mas em toda a Lisboa. Isto implica Largo do Rato, Terreiro do Paço,
etc, etc.”
Uma questão de
promiscuidades
19.07.2009,
António Sérgio Rosa de Carvalho
"A cidadania
não vai a votos. A cidadania exerce-se"! Num texto anterior publicado no
PÚBLICO, afirmava isto, motivado pela necessidade de defender "um cordão
sanitário" entre a jovem e frágil democracia participativa e a erodida e
desprestigiada democracia representativa.
Algo mais, já
então, me motivava. A consciência intuitiva de que Helena Roseta pertencia
àquele grupo de políticos profissionais que, conscientes do cansaço, erosão e
de um progressivo distanciamento dos votantes, encontrava nos "cidadãos"
participativos uma fórmula "refrescante" e uma oportunidade de
"reformatar" o discurso. A máscara caiu. A razão diz-nos que não é
supreendente, mas o sentimento exalta uma indignação, perante um sentimento de
manipulação, ou mesmo, e é preciso dizê-lo, de traição.
A enorme bofetada
que Helena Roseta dá em todos aqueles que seguiram o seu discurso de
independência implica também uma enorme machadada na jovem e frágil democracia
participativa, e, consequentemente, directa e indirectamente, na credibilidade da
já tão doente democracia representativa.
Ela, de forma
brutal, projecta todos aqueles que acreditaram numa plataforma de participação
transversal aos ciclos políticos, num espaço ecléctico e pluralista de
manifestação de individuos-cidadãos, unidos apenas pela urgência dos temas,
novamente, na polarização dos blocos políticos e dos aparelhos ideológicos.
Ela mata, assim,
uma dialéctica estimulante e melhoradora da própria democracia ao, de forma
facciosa e oportunista, querer monopolizar a cidadania para um campo da
"esquerda", como se tal fosse possivel...
Esta atitude é
comparável à afirmação de que o humanismo do séc. XXI, a consciência ambiental,
a ecologia e a consciência urgente da necessidade imperativa da salvaguarda
ecológica do planeta são exclusivos da "esquerda".
É por isto que eu
afirmo claramente aqui que já sei em quem não vou votar... E, ao contrário do
prof. Carmona,
digo-o: não vou
votar no triunvirato Costa-Zé-Roseta.
Em quem vou
votar, como muitos, não sei...
Portanto, apelos
aos restantes para me convencerem, dizendo desde já que:
- não quero mais
trapalhadas urbanísticas com histórias de permutas, trocas, baldrocas;
- não quero, pelo
menos no primeiro mandato, mais obras públicas com orçamentos "em
derrapagem";
- não quero mais
encomendas a arquitectos do star system, a cobrarem fortunas por
"maquetas" feitas de caixas de sapatos;
- não quero mais
destruição do património arquitectónico, através da especulação imobiliária ou
da "criatividade" corporativa dos arquitectos, não só nas avenidas
românticas, mas em toda a Lisboa. Isto implica Largo do Rato, Terreiro do Paço,
etc, etc.
Quero:
- reabilitação,
reabilitação, reabilitação... urbana, com responsabilidade técnica e grande
rigor na perspectiva da salvaguarda do património;
- a Baixa classificada
como Património Mundial e a respectiva carta de valores e regras que isso
implica;
- repovoamento do
centro histórico;
- estratégia e
planeamento na área do urbanismo comercial;
- gestão
equilibrada na estratégia do trânsito e do estacionamento, incluindo uma
Autoridade Metropolitana de Lisboa e um Regulamento de Cargas e Descargas;
- gestão dos
espaços verdes;
- ao menos, a
existência de uma política cultural e museológica para a cidade de Lisboa.
Bem, não tenho
mais espaço... Acima de tudo, viva Lisboa! Lisboa merece mais.
Historiador de Arquitectura
Associação
cívica desencadeia acção popular em tribunal contra o “mono do Rato”
Ana Henriques
14/04/2011
Iniciativa do
movimento Salvem o Largo do Rato pede a anulação do licenciamento de imóvel
projectado por Frederico Valsassina e Manuel Aires Mateus
O polémico
projecto para construir um edifício de grandes proporções num dos cantos do
Largo do Rato sofreu novo revés: uma associação cívica desencadeou uma acção
popular destinada a anular o licenciamento camarário da obra, que ainda não
arrancou.
A recém-criada
associação Salvem o Largo do Rato argumenta que a Câmara de Lisboa violou
normas legais ao permitir, no topo da Rua do Salitre, a construção de um imóvel
que “motivou a repulsa da população de Lisboa”, ao ponto de o projecto ter
ficado conhecido como “mono do Rato”. Foi entregue na Assembleia da República
uma petição contra o edifício com mais de 5000 assinaturas. “Actos
administrativos ilegais (...) resultaram no licenciamento de uma edificação que
na sua inserção urbana se traduz numa violenta afronta a vários normativos do
Plano Director Municipal de Lisboa”, refere a acção popular.
São vários os
exemplos apresentados ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa: no Largo
do Rato “predominam edifícios com uma altura média entre os nove e os dez
metros”, mas “o projecto de arquitectura aprovado permite que a nova construção
venha a ter uma altura superior a 17”; o projecto “viola grosseiramente” a
regra que limita a altura máxima de um edifício consoante a largura das ruas
confinantes; e até a largura prevista para a empena do imóvel “aproximase dos
39 metros”, quando, segundo a associação, não podia ir além dos 15.
Consequências? “O prédio cria uma barreira perpendicular” relativamente aos
edifícios vizinhos, “eliminando a possibilidade de insolação e ventilação
naturais”. Ou seja, o edifício “não é apto para habitação”, porque “irá
condenar a uma situação de insalubridade não só os logradouros confinantes” –
os quintais dos outros prédios – como também os próprios edifícios, uma vez que
ficarão à sombra após o meio-dia e sem qualquer possibilidade de arejamento
natural”.
Por fim, a
associação critica a opção de “transformar a parte nobre da cidade num
desencanto de betão”, apesar do valor patrimonial de vários imóveis próximos. A
cinco metros dali fica o chafariz do Rato, classificado como monumento
nacional. Com a sua “fachada monolítica (...) com acabamentos em lioz e vidro”,
o projecto de Frederico Valsassina e Manuel Aires Mateus “traduz-se numa total
ruptura estética e urbanística com a malha e edifícios envolventes”.
Licenciado pela
primeira vez pela Câmara de Lisboa em 2005, o projecto para um bloco de
apartamentos no Largo do Rato acabou por ser rejeitado pela mesma autarquia
três anos depois. Os seus promotores imobiliários foram então para tribunal
para fazer valer os seus direitos. Já em 2010 o município entrou em negociações
com os promotores para aprovar outra vez o projecto, o que veio de facto a
acontecer. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter um comentário do vereador do Urbanismo,
Manuel Salgado, ao surgimento desta acção popular.
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