Cidadania activa
ainda esbarra na surdez do poder público
Não são muitos
os cidadãos que se envolvem activamente na vida das freguesias ou da cidade,
mas os que se organizaram ainda não sentem grande receptividade da
administração local.
JOÃO PEDRO PINCHA
2 de Fevereiro de 2018, 23:16
“Viver na cidade
é eminentemente um modo de estar político”, diz Maria Augusta Babo, na senda do
pensamento de Aristóteles. Mas as estatísticas mostram que, em Lisboa, não são
muitos que têm essa consciência. De acordo com um estudo recente sobre
qualidade de vida e governação urbana, a esmagadora maioria dos lisboetas não
tem qualquer participação cívica e não pertence a nenhum tipo de associação,
formal ou informal.
Debaixo do chapéu
da participação cívica cabem acções tão diversas como aderir a uma greve, estar
numa manifestação, assinar uma petição pública, votar num orçamento
participativo ou ajudar o vizinho do lado. Exceptuando este último, em todos os
restantes indicadores estudados pela equipa do Centro Interdisciplinar de
Ciências Sociais (CICS) da Universidade Nova a resposta de mais de 80% dos
inquiridos foi “nunca”. E mais de 90% assumem nunca ter participado em reuniões
ou consultas públicas das juntas de freguesia ou da câmara municipal.
O problema está
nos cidadãos – 46,2% dizem ter “nenhum interesse” por assuntos políticos – mas
quem é poder também não ajuda. Pelo menos é essa a percepção daqueles que se
organizaram para ter uma voz mais activa na vida da rua, do bairro, da
freguesia, da cidade.
“Há espaços
políticos no sistema de Lisboa que não estão de todo preenchidos: a área
metropolitana e a sociedade civil”, disse João Seixas, especialista em
políticas urbanas, no seminário “Viver em Lisboa” que esta sexta-feira se
realizou na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Nova. Se não há
mais poder na sociedade, isso deve-se à “fragmentação da vida urbana” e a “um
fechamento da administração pública” perante os movimentos cívicos que vão
surgindo, afirmou.
E, no entanto,
existe hoje uma profusão de grupos, formais e informais, um pouco por toda a
cidade. “Em Portugal, tradicionalmente, há uma sociedade civil muito fraca.
Poucas associações, pouco organizadas”, explicou Rui Martins, do grupo Vizinhos
do Areeiro. Mas existe “uma apetência para a participação” que, nos dias que
correm, pode começar por um post no Facebook. “Temos de estar onde as pessoas
estão. Se elas estão nas redes sociais, é lá que temos de estar”, afirmou o
criador daquele movimento, que, entretanto, se foi multiplicando e já tem
presença em várias freguesias de Lisboa.
“Nós fomos
bastante mal recebidos pelas juntas de freguesia”, disse Miguel Pinto, do
Movimento pelo Jardim do Caracol da Penha, que ganhou o Orçamento Participativo
de 2016 com uma votação recorde, obrigando a câmara a desistir de construir um
parque de estacionamento num local que agora vai ser um jardim. “Havia receio
que nós pudéssemos caminhar no sentido de uma candidatura independente ou que
estivéssemos a soldo de qualquer partido.”
José Almeida, da
Associação de Moradores do Alto do Lumiar, queixou-se igualmente de que as
iniciativas “muitas vezes esbarram” no poder público, seja ele qual for. Leonor
Duarte, do Morar em Lisboa, contou que, quando este movimento foi lançado, os
políticos “não se riram, mas faltava pouco”. E também Rui Martins disse que a
junta “ainda tem uma visão muito centralista, focada na figura do presidente”.
Um dos objectivos
da reforma administrativa de Lisboa era aproximar os cidadãos das autarquias,
mas, segundo o estudo do CICS, isso ainda não aconteceu. “A proximidade não se
perdeu, antes ganhou-se”, defendeu Miguel Coelho, presidente da junta de Santa
Maria Maior, para quem “a parceria com os cidadãos organizados é absolutamente
essencial”. Para o autarca, uma das melhores coisas da reforma foi a escala que
ganharam as juntas. “Hoje um presidente não tem de andar a pedinchar, tem outra
dimensão”, o que, em seu entender, permite outras respostas, mais eficazes.
Já Fábio Sousa,
autarca de Carnide, admitiu que “as pessoas estão cansadas dos meios formais de
participação” e que nem sempre “aquilo que os executivos acham que são as
prioridades das pessoas” o são de facto. “Quando convidamos as pessoas para vir
beber café connosco, aparecem 70 pessoas”, disse, para exemplificar como existe
interesse em participar – ele tem é de ser estimulado
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