EDITORIAL
O
dilema de segunda-feira à noite
DAVID DINIS
11/10/2016 – 23:00
Talvez consigamos
perceber melhor os dilemas de segunda-feira à noite se fizermos esta
pergunta: o que tinha acontecido a esta maioria se a polícia tivesse
carregado contra os taxistas?
Ouvimos frases quase
criminosas, sentimos ânimos exaltados, ameaças de violação
descarada da lei. Vimos em directo um literal bloqueio de estradas e
do principal aeroporto do país. Vimos também agressões, pelo menos
um carro destruído e um grupo de pessoas literalmente presas numa
bomba de gasolina. Tudo isto em 20 horas de um protesto, que tinha
regras definidas pelas autoridades, mas que não foram cumpridas.
A polícia esteve
lá, deteve três pessoas durante a manhã, protegeu as vias,
bloqueou a manifestação fora do centro da cidade, manteve o diálogo
aberto. O braço-de-ferro continuou até às 2h30 da manhã — e
chegou a temer-se que acabasse mal, com um problema muito grave de
ordem pública. Mas tudo acabou com um recuo, dos taxistas.
A verdade é que
qualquer governo teria um problema com uma manifestação como a de
segunda-feira. Já vimos coisas parecidas, aliás, no Governo de
Sócrates, quando os camionistas fizeram uma greve e um bloqueio.
Vimos algo parecido quando foram os próprios polícias a
manifestar-se frente à Assembleia da República. Depois, com Passos
e Costa, com o caso dos estivadores. Todos estes braços-de-ferro
foram difíceis de gerir. Todos eles motivaram uma discussão sobre
até onde deve ir a intervenção da polícia para repor a ordem
pública.
A polémica, pois
claro, voltou agora. Aqui no PÚBLICO recebemos muitos emails e
mensagens via redes sociais, mostrando que muitos portugueses ficaram
com uma percepção negativa da intervenção da polícia, até a
forma como o Governo aceitou negociar com os taxistas no momento em
que estes violavam algumas das regras mais básicas do Estado de
direito.
Mas hoje há um
pormenor que mudou, o contexto político. É a primeira vez em que os
comunistas apoiam os manifestantes e também o Governo. E a primeira
vez em que o Governo dispensa os manifestantes, mas não pode
dispensar o PCP.
Sublinho de novo:
não estou a dizer que o Governo, qualquer governo, não teria um
problema em repor a ordem quando estavam na estrada milhares de
táxis, com condutores enfurecidos ao volante. Estou, isso sim, a
explicar a razão pela qual teria sido muito difícil a este Governo,
neste contexto, dar uma ordem clara à polícia para repor a ordem
pública.
Não sabemos como
vai acabar esta história, o que vai acontecer até segunda-feira. É
mesmo muito provável que não aconteça nada. Mas talvez consigamos
perceber melhor os dilemas de segunda-feira à noite se fizermos esta
pergunta: o que tinha acontecido a esta maioria, se a polícia
tivesse carregado contra os taxistas?
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