Os
taxistas são os melhores amigos da Uber
JOÃO MIGUEL TAVARES
11/10/2016 – 06:21
Chegou
agora a vez de a revolução digital atingir o negócio dos táxis.
Há uma certa ironia
no facto de os taxistas terem decidido barricar-se na zona do
aeroporto – precisamente o lugar de Lisboa que ao longo dos anos
mais contribuiu para destruir o prestígio da sua profissão. Há
muito que o sector do táxi perdeu a guerra da imagem e da
civilidade, e para isso basta comparar a linguagem do senhor
Florêncio da ANTRAL com a postura dos responsáveis portugueses da
Uber e da Cabify. Esse é um dos seus mais graves problemas: tirando
a defesa tímida por parte do PCP, os taxistas estão sozinhos.
Muitas profissões já foram profundamente atingidas, há mais de uma
década, pela evolução tecnológica. Lojas online, sites de
partilha, de música a apartamentos, plataformas de marcação de
viagens, homebanking, jornais digitais, ascensão das redes sociais,
tudo isto afectou de forma dramática inúmeras profissões. Outras,
em compensação, nasceram. Chegou agora a vez de a revolução
digital atingir o negócio dos táxis. É o fim de um monopólio, que
dói aos que dele usufruíram, mas que é altamente favorável para o
consumidor.
Um táxi é um meio
de transportar um cliente do ponto A ao ponto B. Eu sei que isto
parece óbvio, mas há quem tenha enormes dificuldades em lidar com a
obviedade. Da mesma forma que muitos esquecem que as escolas servem
para ensinar alunos e não para empregar professores, no caso dos
táxis muitos esquecem-se que eles existem para transportar clientes
e não para empregar taxistas. Quando alguém inventa uma nova forma
de transportar um cliente do ponto A ao ponto B e o cliente gosta
dessa nova forma, a sequência lógica, numa democracia que acredita
no mercado e na livre iniciativa, não é ilegalizar tal transporte,
mas, pelo contrário, integrá-lo na economia, promovendo a
concorrência.
Sei que os taxistas
dizem que não se opõem à concorrência – apenas se opõem à
concorrência desleal. Mas as vantagens dos táxis continuam a ser
imensas. A haver concorrência desleal seria a deles. Sim, os
motoristas da Uber e da Cabify têm menos horas de formação, cobram
os preços que entendem e não têm de estar preocupados em pôr
autocolantes nos vidros dos carros. Mas os táxis têm inúmeros
benefícios fiscais (redução do ISV, isenção do IUC, dedução
das despesas no IVA, majoração em sede de IRC), não estão
sujeitos à factura electrónica, têm um alvará que pode ser
transaccionado por dezenas de milhares de euros, têm faixas Bus para
circular, praças para estacionar e, sobretudo, são o único serviço
que se pode apanhar no meio da rua com um braço no ar. Com este
enquadramento, a ideia de uma concorrência desleal por parte da Uber
e da Cabify é absurda.
Os taxistas apostam
agora numa nova palavra: a “contingentação”. Eles querem
definir um numerus clausus para a Uber e para a Cabify. Mas se é
evidente que o serviço de táxis, que tem praças exclusivas e vias
de circulação próprias, precisa de ter um contingente limitado,
não há qualquer razão para que um carro que se limita a circular
pela cidade, como qualquer automóvel, tenha de seguir as mesmas
regras. “Quantas viaturas podem estar ao serviço?”, perguntam os
taxistas. Pois eu pergunto: quantos restaurantes podem estar ao
serviço? Quantas mercearias? Quantas livrarias? Quantos bares?
Quantas casas podem ser arrendadas? E quantas podem ser vendidas?
Esta resposta não é dada por mim, por si ou pelo governo. A
resposta é dada pelo mercado. Um mercado que deve ser regulado. Que
deve ser legal. Mas que deve, sobretudo, ser livre.
"Os
taxistas fizeram uma promoção à Uber" e "deram um tiro
no pé"
Sousa
Tavares critica atitude dos taxistas.
POR ANDREA PINTO
Miguel Sousa Tavares
comentou, esta noite, na SIC, o protesto dos taxistas, deixando
críticas quanto à atitude destes profissionais e considerando que
têm de se consciencializar de que as novas tecnologias são uma
realidade contra a qual não podem lutar.
“Não sei se os
taxistas estarão conscientes do quão mal fizeram à sua imagem. No
dia de hoje, sobretudo ao atacar o carro da Uber, deram um tiro no
pé. Fizeram a promoção do Uber e a sua despromoção aos olhos de
toda a gente”, afirmou.
Admitindo que
compreende que “em jogo está o trabalho deles”, o comentador da
SIC disse porém não entender “o longo sono dos taxistas, que
durante anos e anos não melhoraram em nenhum aspeto o serviço que
prestam”. Agora, atirou, “enfrentam uma concorrência que vem com
uma série de melhorias”.
“Percebo a tensão
mas tem de haver um bocadinho de lucidez para lembrar que isto pode
ser o futuro. As plataformas eletrónicas vieram para tornar as
coisas mais fáceis para os consumidores e mais difíceis para os
trabalhadores", disse.
O
protesto dos taxistas acabou com um aperto de mãos… com a polícia
LEONETE BOTELHO
11/10/2016 – 05:59
Braço
de ferro por causa da legalização das plataformas Uber e Cabify
segue dentro de oito dias à porta do Palácio de Belém e das
câmaras do Porto e de Faro. Até lá, o Governo promete negociar com
táxis e plataformas.
Acabou às 2h30, com
apertos de mão entre os dirigentes das associações de táxis e os
responsáveis da polícia, o bloqueio dos taxistas à rotunda do
Relógio, em Lisboa, que se prolongou durante 18 horas. São tréguas
de oito dias, durante os quais o Governo se comprometeu a suspender o
processo de regulamentação das plataformas alternativas (Uber e
Cabify). Na próxima segunda-feira, os taxistas voltam a
concentrar-se, desta vez em três pólos: frente ao Palácio de
Belém, em Lisboa, e às câmaras do Porto e de Faro, as cidades onde
aquelas empresas de base digital também operam.
Mas não foi fácil
convencer os taxistas da bondade da retirada pacífica. Durante quase
hora e meia — desde que regressaram do programa televisivo Prós e
Contras —, Florêncio de Almeida, presidente da Antral, e Carlos
Ramos, da Federação Portuguesa do Táxi, hesitaram na decisão a
tomar. Tinham estado reunidos com assessores do Governo no final do
programa da RTP e não traziam as boas notícias que os colegas
queriam ouvir.
“Não há cedência
do Governo em relação aos contingentes”, anunciou Carlos Ramos ao
microfone do palco improvisado em cima de uma camioneta com colunas
de som e grandes tarjas vermelhas onde se lia “Proibição aos
ilegais”. As centenas de taxistas (ainda) presentes apuparam a
notícia. “Eles prometeram suspender o processo da lei e abrir as
negociações imediatamente com as empresas e as plataformas, mas a
questão dos contingentes está fora da mesa. Temos de decidir o que
fazer”, disse Ramos. “Até morrer”, responderam alguns
manifestantes.
Florêncio de
Almeida apelava à calma: “Temos de repensar. Estamos a prejudicar
muita gente nossa e o público. Não podemos perder a razão”. Mas
não quis assumir sozinho a decisão. “Eu como vosso presidente,
eleito por vocês, não vou tomar nenhuma posição para
desmobilizar. Vamos reflectir em conjunto”.
Seguiu-se uma hora
de discussão, ora ao microfone, ora em grupos. Pesavam-se os prós e
os contras – o que ganharam na opinião pública, o que perdiam se
fossem embora. Havia divisões claras. Entretanto, seguia na sombra
um processo negocial com a PSP, presente em força em toda a rotunda,
acessos e viadutos, com centenas de homens, carros de intervenção,
motos e reboques.
Debaixo dos
holofotes, perante os jornalistas, continuavam a esgrimir-se
argumentos. “Há mais portas onde bater”, dizia Carlos Ramos,
falando do Presidente da República, das autarquias, da Assembleia da
República, onde “um partido” – o PCP – “se comprometeu a
levar o assunto a debate”. Florêncio de Almeida não estava tão
optimista e dava sinais de cedência a alguns argumentos do Governo,
sobretudo em relação à contingentação [limite de viaturas por
plataforma] pedida pelo sector: “Não sou jurista, tenho algumas
dúvidas de que não tenham razão”. E aconselhou “ao bom senso,
à calma, à ponderação e civismo”.
Uma boa parte dos
manifestantes mostrava-se disposta a tudo: “Não se pode sair daqui
sem ganhar nada”. “Se a polícia avançar sobre nós é a prova
que estamos a viver uma ditadura soviética”. “É hoje ou nunca”.
“Não saímos, não saímos”, cantaram alguns. Outros apelavam à
calma: “Eu já enfrentei muitas coisas, muitas manifestações e
lutas. Mas na guerra colonial eu tinha uma arma”. E muitos outros
já tinham, por essa hora, regressado a casa.
Perto das duas da
manhã, Florêncio Almeida e Carlos Ramos pareciam encurralados.
Desceram do palco improvisado, trocaram impressões entre si e com
outros colegas, alguns dos quais seriam os negociadores com a
polícia. O comandante Luís Moreira já lhes tinham dito que a PSP
tinha ordens para evacuar a rotunda e já explicara a estratégia: os
veículos estacionados na rua de ligação do aeroporto à rotunda
seriam bloqueados e os da rotunda seriam rebocados. Na manhã
seguinte, seriam todos levados a tribunal.
“Temos meia hora”,
disse Florêncio de Almeida, quando voltou a subir para a camioneta,
já com a decisão tomada com Carlos Ramos. Ainda havia quem
protestasse com eles: “Isso chama-se intimidação”. “Com a
comunicação social aqui, eles não fazem nada”, respondiam os
mais determinados a manter-se ali até conseguir “dobrar” o
Governo.
Por essa hora, uma
dezena de motos da polícia, cada uma com dois homens, começou a
rodear a praça em tom ameaçador. “Eles têm ordens para limpar o
local, mas isto não acaba hoje”, avisava Florêncio de Almeida
assim que voltou a ter microfone, ligado a um gerador que por alguns
minutos se recusara a funcionar.
Eram quase 2h30 da
manhã, provavelmente a hora limite para a PSP. “Agora cada qual é
responsável por aquilo que fizer. Eu não vou embora enquanto aqui
estiver um só carro, mas só podemos esticar a corda enquanto ela
não parte”, dizia o dirigente da Antral. Anunciou então os
próximos passos: os taxistas voltam a sair à rua dentro de uma
semana, à porta do Palácio de Belém e das câmaras do Porto e de
Lisboa. “Vamos embora, vamos com calma e vamos em paz”.
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